Suicídio: divulgar ou não?, por Rogério Marques

Existe na mídia a prática de não se revelar a causa da morte quando se trata de suicídio. Muitos acreditam que essa divulgação encoraja pessoas que vivem processos depressivos a tomar a mesma atitude.

Suicídio: divulgar ou não?

por Rogério Marques

A morte do ator Flávio Migliaccio levantou uma velha questão que volta a ser debatida nas redes sociais: a mídia deve ou não divulgar a causa da morte, quando se trata de suicídio? No caso do ator, foi divulgada também uma carta de poucas linhas em que ele revela o seu desencanto com as pessoas, com o mundo, as dificuldades enfrentadas na velhice.

Existe na mídia a prática de não se revelar a causa da morte quando se trata de suicídio. Muitos acreditam que essa divulgação encoraja pessoas que vivem processos depressivos a tomar a mesma atitude.

Sou de opinião de que não se deve divulgar o suicídio de pessoas que não são famosas, que não são pessoas públicas. Por exemplo, noticiar que alguém se atirou na linha do metrô ou pulou da Ponte Rio-Niterói — e isso acontece com alguma frequência — pode mesmo estimular ações idênticas, ainda mais na fase dificílima que o Brasil enfrenta, em todos os campos.

Mas quando se trata de gente famosa como Flávio Migliaccio, um grande ator que encantou algumas gerações com seu trabalho, acredito que se deve noticiar, mesmo lamentando a dor que essa divulgação possa causar às famílias.

No caso de pessoas famosas, o tipo de morte também faz parte de suas vidas públicas. Até porque o fato acabaria circulando na base do boato, das especulações. Com relação à carta, que li em uma foto, só não deveria ter sido divulgada se tivesse sido dirigida à família, a algum parente, o que não me pareceu.

Não teria sentido ignorarmos hoje, por exemplo, o suicídio do grande compositor Assis Valente, em um banco da Praça Paris, no Rio. Ou do escritor Stefan Zweig e de sua mulher Lotta, na casa em que os dois moravam, em Petrópolis. A carta deixada por Zweig também foi tornada pública. Ou ainda o suicídio do genial Santos Dumont, em um hotel do Guarujá, São Paulo. Neste caso, sabe-se que durante décadas a causa da morte tentou ser ocultada, mas acabou vindo à tona.

O tema é tão difícil, tão delicado que sempre me restam algumas dúvidas sobre as minhas próprias opiniões, mas uma certeza eu tenho: a mídia deveria debater o assunto abertamente, inclusive com seus leitores. O momento é oportuno.

Redação

8 Comentários

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  1. Suicídio: divulgar ou não

    1) Celso Augusto Schröder (jornalista) – (SIM)

    Me desculpem meus amigos, principalmente os jornalistas, que se manifestaram contra a publicização da carta-despedida de Flávio Migliaccio como se fosse um equívoco jornalístico do ponto de vista ético ou sensacionalista, necessariamente. Existe, é verdade, um acordo no mundo jornalístico, a partir de orientação de profissionais da área da psicologia e da psicanálise de que notícias sobre suicidios podem desencadear outros casos por influência. É uma decisão razoável baseada na ciência e no conhecimento e tem uma dimensão humana se pensarmos suicidas como pessoas fragilizadas no limite. No entanto existem várias exceções a esta regra de ouro, uma delas, por exemplo, é que sintomas de suicidios em massa não podem ser ignorados nem por profissionais de saúde e muito menos por jornalistas, caso dos indígenas brasileiros; outra exceção é a dimensão pública do suicida que se impõe sobre a necessária privacidade do fato doloroso, Getúlio Vargas é o caso mais notório e conhecido no Brasil e finalmente a natureza do ato cometido. Migliaccio tirou sua vida a partir de uma vontade claramente demostrada que cumpre um inequívoco papel político. A sua carta não era uma carta privada, ou destinada a parentes e amigos, ao contrário era um texto corajoso e dirigida às futuras gerações, às criança. A sua carta foi o único gesto de potência que restou a este artista que, antes de ser derrotado pela vida, denuncia o que está lhe matando. Não publicar a carta de Flávio Migliaccio seria primeiro calar seu último grito desesperado, segundo não alertar para o genocídio nacional planejado contra os descartáveis, sendo os velhos os mais identificáveis deles.

    2) Alceu Castilho (jornalista) – De olho nos ruralistas – (NÃO)

    Defender a divulgação de cartas deixadas por suicidas é o equivalente a defender carnaval e torcida no estádio em tempos de Covid-19.
    Nenhum especialista recomenda isso. Existe o risco gigantesco de imitação: de contágio, portanto. E quanto mais conhecida for a pessoa, pior.
    E por que as pessoas defendem com unhas e dentes a divulgação das cartas, então?
    Porque existe muito terraplanismo em relação à saúde mental.
    Qual parte do Setembro Amarelo as pessoas não leram e não entenderam?
    Não seria o caso de deixar o senso comum de lado no momento de opinar sobre algo tão sério?
    Não existe “carta bonita” ou “mensagem importante” na carta de um suicida. Existe apenas desespero. De uma pessoa que não está, naquele momento, em sua plenitude.
    Eu vi um colega jornalista compartilhando a carta (jornalistas já foram mais cuidadosos em relação ao tema) e uma mulher dizendo: “Acho que vou fazer o mesmo”.
    E, mesmo assim, as pessoas defendem a publicação. Por quê? Para não dar o braço a torcer?
    Nessas horas ninguém pensa que o suicídio é a causa de 800 mil mortes por ano no mundo. Treze mil mortes por ano no Brasil.
    A gente fica pisando em ovos quando fala do tema, porque é muita gente fazendo a coisa totalmente errada. Com a certeza absoluta de que está certa.
    Mas em algum momento isto precisa ser dito: vocês (vocês que fazem isso) estão sendo completamente irresponsáveis.
    PS: a Meire Cavalcante lembra que a OMS recomenda expressamente, e no primeiro item de uma lista de recomendações, que não sejam divulgadas cartas de suicidas.

    3) Chico Ferreira (jornalista) – Ribeirão Preto

    Suicídio na rede

    Ribeirão Preto dificilmente esquecerá a primeira semana do mês de março de 2020. Dois jovens – um rapaz de 19 anos e uma adolescente de 16 – cometeram suicídio da mesma forma: pulando do último andar de um shopping no centro da cidade. A adolescente era minha sobrinha. E não há como escrever cada linha deste texto sem a lembrança dos almoços em família aos domingos, onde a vi crescer brincando com os primos, dois deles meus filhos.

    Minha homenagem à querida Lalá é na forma de reflexão sobre a maneira como estamos tratando o assunto nas nossas famílias, na imprensa e principalmente nas redes sociais. Embora nenhum veículo oficial de comunicação tenha noticiado qualquer um dos dois suicídios, a cidade inteira soube e comentou. Vídeos e fotos foram compartilhados principalmente por pessoas que possuem contas no Facebook e em grupos de Whatsapp.

    Com a mesma naturalidade com que as imagens foram postadas surgiram os mais hediondos, desqualificados, descontextualizados, desinformados, crueis, desumanos e preconceituosos comentários. As análises que não se enquadravam nestes adjetivos se referiam à falta de Deus no coração e ausência dos pais no acompanhamento e educação.

    Tive ganas de responder um a um estes comentários, mas respirei fundo e aplaquei o ímpeto raivoso graças a uma iluminação divina que me fez entender a doença que acomete cada um dos que se escondem no mundo sombrio das redes sociais. Minha sobrinha estava doente e os que a atacaram também. Precisam de diagnóstico e tratamento ainda não disponíveis em nosso sistema de saúde.

    Já a imprensa oficial está acossada com a onda crescente de suicídios entre adolescentes e jovens sem saber como se portar. Há correntes que defendem a possibilidade de falar sobre o assunto sem abordar o fato em si. Enquanto isso, ainda impera um código de ética tácito nas redações: Não se noticia suicídio! Como este dogma chegou até os dias de hoje é inexato, difícil de rastrear. Mas a origem apontada é o chamado Efeito Werther, referência à obra do alemão Johann Wolfgang Goethe, escrita em 1774.
    “Os sofrimentos do jovem Werther” é considerado um marco na literatura européia pelo estilo e densidade da história narrada a partir de cartas de um jovem apaixonado por uma donzela comprometida. Werther escreve a um amigo para contar os dias em que passa num sofrimento indizível de amor:
    “Não, não me engano! Leio em seus olhos negros o sincero interesse que tem por mim e por meu destino”. Goethe cria uma das mais compugentes imagens da adoração de um ser ao outro: “Mandei o meu criado ao encontro dela, só para ter junto de mim alguém que tivesse estado em sua presença. Com que impaciência o esperei, com que alegria tornei a vê-lo! Não tivesse vergonha e teria me atirado ao seu pescoço e coberto seu rosto de beijos”. E arremata com leveza, admitindo a inconcebível ideia ao amigo que lê a carta: “Deus te livre de rir disso, Guiherme! Serão sempre os fantasmas os responsáveis por nos sentirmos bem? “
    “Os sofrimentos do jovem Werther” é uma obra onde vida e ficção se misturam claramente. Goethe realmente se apaixonou pela esposa de um amigo. E não escondia isso do casal, assim como o herói romântico o faz no livro. Werther se torna amigo de Alberto, o prometido de sua amada, Carlota. Brinca com as pistolas que Alberto mantém penduradas na parede, chega a apontar um delas para a própria cabeça.

    Mas o autor não quer se matar e na segunda parte do livro somem as cartas e a narrativa passa a ser direta, apontada para uma personagem que Goethe introduz à guisa de substituir Werther em seu martírio de amor. E é o jovem Jerusalém que também se apaixona perdidamente e comete o suicídio com uma pistola de Alberto.

    Há quase dois séculos e meio começava o efeito Werther. Suicídios de jovens registrados após a publicação do livro levaram um certo bispo Lorde Bristol a relacionar as mortes à história publicada, não demorando a pedir a proibição da obra. Goethe reagiu com firmeza questionando o apoio da igreja deste bispo aos reis que numa penada mandavam jovens para serem trucidados nas guerras. Perguntou Goethe se o bispo agiria com a mesma veemência contra estes governantes.

    Mais do que o tabu herdado pelo jornalismo, Goethe nos deixou um tratado sobre a dor de uma alma que ele compara ao sofrimento de uma doença física. No embate com o rival Alberto, Werther argumenta: “A natureza humana tem seus limites; pode suportar até certo ponto a alegria, a mágoa, a dor, mas passando deste ponto ela sucumbe.

    A questão não é, pois, saber se um homem é fraco ou forte, mas se pode suportar o peso dos seus sofrimentos, quer morais, quer físicos. E eu acho tão espantoso que se chame de covarde ou de desgraçado àquele que se priva da vida, como acharia impertinente tachar de covarde ao que sucumbe de uma febre maligna”.

    E mais: “E não é esse o mesmo caso da enfermidade? A Natureza não encontra nenhuma saída desse labirinto de forças intrincadas e antagônicas, e o homem tem de morrer. Ai daquele que, à vista disso, fosse capaz de dizer: ‘Que louca! Se tivesse esperado, se houvesse deixado o tempo correr, o seu desespero ter-se-ia acalmado e em breve encontraria um outro que a consolasse’. É exatamente como se alguém dissesse: ‘O louco vai morrer de febre! Se tivesse esperado até que suas forças voltassem, até que houvessem corrigido seus humores e apaziguado o tumulto de seu sangue, tudo se restabeleceria e estaria vivendo até hoje”.

    A nossa querida Laura estava doente. Não lhe faltou tratamento adequado em quatro anos com psicólogos e psiquiatras. Recebia medicação e era cercada de todos os cuidados por pai, mãe e irmão zelosos, foi transferida para uma escola onde recebia a palavra de Deus e a orientação para o sentido da vida. Nada disso a demoveu da ideia de acabar com a dor que só ela sabia.

    Deixou cartas de despedida onde falava de amor, reconhecimento por todo o apoio e carinho que sempre havia recebido. Nenhuma ponta de mágoa, nenhuma raiva, a não ser o desconforto com o seu próprio ser, um transtorno de personalidade que a fazia se entender não tão inteligente quanto realmente era, não tão bela quanto nós a enxergávamos, não tão doce quanto gostaria.

    Ao que parece, ainda não escaneamos o grau e o limite desta doença a partir dos quais nada mais é possível de ser feito. E quando isso se der, talvez se abrandem as culpas de quem dedica a própria vida aos outros, quando não aos seus, na crença de que sempre é possível evitar o fim fora do script.

    E para quem julga, recorro mais uma vez à fala do jovem Werther: “É lamentável que vós, os homens, não podeis falar de nada sem dizer primeiro: Isto é louco, aquilo é prudente, isto é bom, aquilo é mau! E o que significa tudo isso? Por acaso buscastes alguma vez, antes disso, as íntimas circunstâncias de um ato? Sabeis precisar com certeza as razões por que ele ocorreu, por que ele teve de ocorrer? Se tivésseis feito isso não seríeis tão prontos em vossos juízos”.

    Chico Ferreira é chefe de jornalismo e apresentador da Record TV Interior e no Grupo Thathi de Comunicação apresenta o programa Embalos de Sábado, na Thathi FM, das 8h às 10h da manhã. Na internet, mantém o site sobre educação Escolha a Escola.

  2. Precisa ser divulgado sim. Não pode haver moderação ou censura. É preciso mostrar o que a Indústria do Caos e Histeria está promovendo. Algumas dúbias mortes por uma tal doença, enquanto se está inflando e promovendo milhares de latrocínios, feminicidios, suicídios,… Estão dobrando os números de milhares de mortes por Infarto ou Derrame, por medo das Pessoas ou omissão das Autoridades de Saúde que estão negligenciando os Atendimentos de Socorro e Médicos. A Imprensa precisa responder a quem interessa a histeria?

  3. Entã, por ser ator, o morto não teria direito a privacidade no momento da morte? É isso ou estou enganado? Tudo isso baseado no conceito surreal de que o ator é figura publica. E figura pública nao tem direito à privacidade. Pode publicar tomando banho ou fazendo sexo ou qualquer situação.

  4. Suicídio, modo de usar, livro de Claude Guillon & Yves Le Bonniec quando lançado no mundo (e também, no Brasil) causou polêmicas.
    Mas há suicídios com outros nomes. O assunto é bastante interessante.

  5. A questão do suicídio via depressão se tornou (outro) dogma em nossa sociedade, pois, o capitalismo está aí para tornar todos os consumistas felizes para sempre, tipo antigos filmes dos roliúdi da vida. No entanto, a “financeiração” da economia-capitalista, sob artimanhas liberalistas, traz da necessidade de as pessoas estarem sempre ao alcance das vitrinas e da publicidade; de outro, os donos do dinheiro não se contentam com a fortuna acumulada e, de hoje para amanhã, pretendem – sempre e sempre – dobrar suas fortunas, seja ao preço de quem quer que seja: a figura do “perdedor” se avoluma entre os jovens que “descobrem” cedo a impossibilidade de serem os grandes “influentes” do sistema e dos idosos que passaram a vida correndo atrás do (im)próprio rabo, tipo cachorro louco e, no final, desesperados, encontram na morte a saída tangencial (param de sofrer a indiferença e a ignorância dos mais jovens sistematizados financeiramente). Então, levar o suicídio meramente ao aspecto “pessoal” da depressão é, em si, negar os malefícios do sistema (o mesmo que ocorre com as prisões dos pobres, pretos e gays, por exemplo). Enquanto o sistema for esse, mais e mais selvagem financeiramente, os suicídios serão cada vez mais seguidos e constantes. Por favor, passemos – pelo menos – a verificar as razões econômico-sociais que levam as pessoas a desistir de viver. Sem contar que, tirante o aspecto da dita religiosidade, nascer e morrer são atos naturalmente dispostos a cada um de nós, o que não deveria causar qualquer tipo de apreensão ou espanto, apenas, questão de escolha.

  6. Na antiguidade clássica, o suicídio era realizado como pena de morte, como desagravo pela honra, e como direitovsem contestação do cidadão. Na cultura oriental atual e desde sempre, o suicídio é praticado e muitas vezes até esperado dependendo do êrro cometido pela pessoa. Em nossa sociedade o suicídio é proibido pelas religiões cristãs, porque a vida não nos pertence e punido até recentemente com a exclusão das bençãos da Igreja e de enterro nos cemitérios cristãos. A vida Foi-nos dada por Deus. Para quem é laico ou não acredita em Deus a vida nos pertence vivemos ou morremos qdo decidimos por isso. Portanto o suicida não me parece preocupado com essa questão da divulgação de seu ato.

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