Temer e Meirelles, a disputa anunciada, por Paulo Kliass

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Portal Vermelho

Paulo Kliass: Temer e Meirelles, a disputa anunciada

Ao que tudo indica, somente agora é que os jornalões passaram a assumir em seu conteúdo editorial aquilo que já era sabido de todos que acompanham a evolução da cena política tupiniquim com um mínimo de isenção. A composição do núcleo duro do governo que sucedeu ao golpeachment encerra, desde seu início, uma contradição que não pode ser considerada irrelevante.

por Paulo Kliass

A necessidade de Temer e de seu grupo mais próximo em tornar a equipe de governo mais confiável perante o mercado financeiro não foi viabilizada apenas com a divulgação do tristemente famoso documento “A ponte para o futuro”. Não bastou que o então presidente da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, tivesse se esmerado ao máximo em apresentar um programa liberal ao extremo. Moreira Franco conseguiu propor algo ainda mais conservador do que o programa que Aécio Neves havia presentado às eleições de 2014, quando foi derrotado por Dilma Roussef. O texto era visto como a credencial necessária para se cacifar junto à nata do sistema financeiro. Como se dissesse: “não se preocupem pois vamos fazer nosso dever de casa”.
A verdade é que a turma do financismo não parece mesmo depositar muita confiança na cúpula de um partido que se compõe de figuras como José Sarney, Eliseu Padilha, Renan Calheiros, Eunício Oliveira, Moreira Franco, Michel Temer e outros. Para além de um programa de desmonte do Estado e destruição de conquistas sociais históricas, o povo da finança queria a garantia de alguém de sua estrita confidência no comando da economia e da tal agenda de “reformas”.

Nomeação de Meirelles: conflito potencial

O nome de Henrique Meirelles veio bem a calhar para preencher esse perfil. Ocorre que o ex-presidente internacional do Bank of Boston não era da chamada “turma da cozinha” do peemedebismo. Ao aceitar o cargo de Ministro da Fazenda, Meirelles impôs uma série de condições que apontassem para um alto grau de autonomia no encaminhamento do desmonte. Essa estratégia faria com que o governo Temer angariasse a simpatia da parcela das elites que sempre havia mantido um certo pé atrás frente ao fisiologismo público e notório daquilo em que se converteu o antigo MDB da época de Ulysses Guimarães.

No entanto, a tensão potencial estava justamente na raiz dessa acomodação de interesses. A dupla dependência recíproca entre Temer e Meirelles se manteve presente desde o início da ocupação do Palácio do Planalto pelo vice presidente eleito na chapa de Dilma. Temer precisava do banqueiro para tentar governar com algum sentido de direção e se credenciar como um golpista legítimo perante a nata do PIB. Meirelles dependia de Temer para conseguir a implementação de seu programa de maldades, uma vez que o cargo de ministro e sua respectiva força política dependem fundamentalmente do apoio e da vontade da Presidência da República.

Se o plano de ajuste econômico de Meirelles tivesse êxito, o candidato de Lula para ocupar a Fazenda ainda com Dilma sairia fortalecido e poderia acalentar seus sonhos declarados de tornar-se o candidato mais forte à sucessão em 2018. Por outro lado, o fracasso do austericídio levaria junto consigo a popularidade de Temer para os níveis da sarjeta, prejudicando sua própria sucessão e as pretensões presidenciais de Meirelles. Parasita e hospedeiro sucumbiriam juntos.

Corrida contra o relógio. Quem sai? Quem fica?

A evolução da cena política terminou por contaminar o ambiente da economia e a sinceridade da ortodoxia liberal da equipe da economia só fez aprofundar o quadro da crise, da recessão e do desemprego. Agora, a menos de um ano para a disputa sucessória, essa dupla de dependência mútua torna-se ainda mais cristalina e evidente. Os prazos político-institucionais correm soltos, as articulações político-partidárias se aceleram e a popularidade do governo continua disputando as vírgulas com a margem de erro. As questões envolvendo escândalos políticos e criminais na intimidade do Palácio do Jaburu e de seus principais auxiliares dificultam a capacidade de agregação de apoios para mais além do fisiologismo explícito e facilmente comprável da sopa de letrinhas da chamada “base aliada”.

Temer ainda não conseguiu emplacar um nome à sua própria sucessão e o tempo vai fazendo com que o calendário de Meirelles passe a incorporar como variável chave a dinâmica eleitoral. A situação é de tal ordem que o Ministro da Fazenda já muda o seu discurso e começa a se preocupar com alguma coisa que poderia ser chamada de “agenda propositiva de políticas sociais”. O risível se mescla ao ridículo! Por mais falso que possa parecer depois da destruição geral por ele promovida, suas falas agora incorporam frases de efeito como “o Brasil está criando fôlego para novos projetos de distribuição de renda”.

O ponto é que Temer depende exclusivamente da estratégia colocada em marcha pelo comando econômico para recuperar um mínimo de aceitação junto à população e para se apresentar perante o financismo como um interlocutor importante para a articulação de alguma candidatura que vai sucedê-lo. A cada dia que passa, inclusive, ganha força a ideia de ele mesmo possa se candidatar à reeleição. 

Hospedeiro e parasita: dependência recíproca

Porém, o eventual “sucesso” de Meirelles o cacifa ainda mais como potencial candidato, afinal ele terá sido o responsável por algumas poucas gotas de mensagens positivas nesse mar de podridão e recessão. Esse é o principal esforço que vem sendo desenvolvido no interior dos grandes meios de comunicação. Trata-se de transformar cada novo índice oficial divulgado em mais uma prova definitiva da competência de Meirelles e de sua capacidade em dar continuidade ao desmonte. Sua sorte é que o processo avança sem que enfrente muita resistência explícita por parte da maioria da população.

Um novo indicador dando conta de recuperação mínima na produção industrial aqui. Uma prévia do PIB encomendada pelo BC que aponta para uma retomada marginal na atividade econômica ao longo dos últimos meses ali. Um relatório parcial recente do Ministério do Trabalho retratando um aumento de contratações no âmbito dos empregos registrados no CAGED acolá. E assim segue a nau da pós verdade. O mote do “parou de piorar” parece ser o lema do marqueteiro responsável pela tentativa de promover melhorias na imagem do governo perante a sociedade.

Pouco importa que o Brasil tenha regredido décadas em alguns meses graças à política de destruição levada a cabo por Temer e Meirelles. Pouco importa que o número de famílias que retornaram à condição de miséria tenha evoluído e que o País tenha retornado ao mapa da fome elaborado pela ONU. Pouco importa que o número de desempregados ainda seja superior a 13 milhões – o que vale ressaltar nas manchetes é que houve uma redução marginal na taxa de desemprego em relação aos últimos meses. E preparemo-nos para a verdadeira enxurrada que virá a respeito das vendas de Natal, uma vez que poderão ser mesmo superiores a dezembro do ano passado.

Assim, a disputa a respeito da paternidade deste sobrefôlego na atividade econômica deverá, contraditoriamente, afastar um pouco mais os dois potenciais candidatos. Temer fica com os escândalos em suas costas e com a baixíssima popularidade, mas mantém o poder da caneta e a capacidade de articulação nacional do PMDB. Meirelles fica com um envolvimento um pouco mais reduzido no quesito escandaloso e uma simpatia mais expressiva por parte dos formadores de opinião do topo da pirâmide. Ambos torcem por uma quantidade ainda mais generosa de notícias boas no front da economia, mas deverão disputar a tapa a responsabilidade para si por tal melhoria.

Temer fica, mas não unifica

Realmente seria muita ingenuidade imaginar que Temer iria assistir a todos os desdobramentos políticos a partir de sua condução ao Palácio do Planalto sem manifestar intenções de permanecer por mais quatro anos no posto. Ainda que haja um fenômeno preocupante como a candidatura de Bolsonaro ou a pulverização de tentativas em toro do campo conservador, o espólio do golpe político que levou ao impedimento de Dilma tem sócio majoritário. E o grupo mais próximo a Temer aposta suas fichas na recuperação da economia para que ele consiga se viabilizar eleitoralmente. 

Apesar disso, movimentam-se Alckmin, Maia, Huck, Joaquim Barbosa, Doria, Cristovam Buarque, Serra e outros em busca de algum espaço a ser ocupado no espectro do desmonte. A sopa de letrinhas da base aliada se confunde com o caldo das candidaturas que se pretendem herdeiras da crítica aos governos do PT. O problema da direita é que a candidatura de Lula reacende no imaginário popular. São as expectativas de retorno aos tempos em que a situação da maioria da população mantinha uma qualidade de vida exatamente oposta ao desastre da atualidade. E junto a ele, no campo progressista, avançam também as campanhas de Ciro Gomes, Manuela d’Ávila e o candidato a ser definido pelo PSOL.

A campanha avança e promete surpresas. Mas as famílias do 0,1% não terão como escapar de uma primeira decisão estratégica: Temer e Meirelles?

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Se Meirelles entrar no páreo,

    Se Meirelles entrar no páreo, vai engorossar a “turma dos inviáveis”: Dória, Huck, Marina e Bolsonaro, em quem acho que a parte mais louca dos empresárioss e banqueiros vai terminar por depositar seu dinheiro e todas as suas fichas, mas que não tem a menos condição de se elevar acima de 15%.

  2. Esse pessoal da agiotagem

    Esse pessoal da agiotagem Internacional me provoca vontade de vomitar. Se é para indicar um merda como o Meireles, prefiro eleger o Fernandinho Beiramar, ou, qualquer outro assaltante com domicílio e negócios aqui mesmo no Brasil.

    Orlando

  3. Viajou. Quem manda neles é Itaú-Bradesco-Santander

    e estes bancos não rasgam dinheiro à toa com candidaturas que atrapalham seu projeto de poder. Não adianta o noticiário dar viés positivo para algum indicador econômico que cresça 0,1% quando falta pão na casa do cidadão. O bolso vazio é o que conta para a cidadão na hora de votar. Se a economia em casa não vai bem, até a classe média tradicional leitora do Globo e da Veja, mas com filho desempregado (porque não aceita emprego intermitente de R$ 4,50 a hora), votará na “oposição” de direita.

    Então as candidaturas de direita serão obrigadas a fingir ser oposição à Temer para serem viáveis (igual Collor fez com Sarney em 1989). Daí Meirelles ser carta fora do baralho (Temer então não ganha nem convenção do PMDB, afinal político quer se reeleger). Na falta de uma candiatura matadora de direita, é certo que esses bancos patrocinarão umas 4 ou 5 candidaturas de direita: Huck (ou assemelhado), Marina Silva, talvez Joaquim Barbosa, Bolsonaro, alguma espécie de Macron brasileiro (Meirelles não serve por sua ligação umbilical com Temer). Ainda podem tirar da cartola algum pastor com discurso conservador mas fala suave, não radical (espaço já preenchido por Bolsonaro) e algum general da reserva. Podem até dar algum suporte a Ciro Gomes para tirar votos de centro esquerda, e porque com Ciro tem mais campo de negociação sobre privatizações e políticas liberais (ele foi adepto do Consenso de Washington na década de 90) do que com o PT.

    Tudo para levar a eleição ao segundo turno contra o candidato lulista anti-privatizações e anti-rentismo. No segundo turno, obviamente, tentarão vencer usando de todos os meios.

    Quem tem conta nestes bancos está financiando essas candidaturas deles, o golpe, o empobrecimento, a perda de direitos, o roubo do pré-sal, a perda de soberania. O ato de rebelar contra isso é boicote imediato aos bancos privados, fechando as contas neles.

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