Todo dia é dia do índio, por Mariana Nassif

Todo dia é dia do índio, por Mariana Nassif

Instituído em 1943 por Getúlio Vargas, o dia do índio, celebrado hoje, 19 de Abril, foi uma proposta das lideranças indígenas que participaram do Congresso Indigenista Inetramericano em 1940, no México. Informação factual, pronto, começo a destilar a parte que me bem cabe, os misticismos.

Para os praticantes da Umbanda e do Candomblé, em algumas vertentes, os índios, ou caboclos, como são chamados, têm força de chefe de falange. Os Umbandistas carregam na história da fundação da religião o momento em que Zélio Fernandino de Morais manifesta, em uma sessão espírita, o Caboclo das Sete Encruzilhadas e, ali, propõe o que seria o primeiro elemento utilizado em processos ritualísticos, uma simples flor, colocada à mesa de atendimento. Não tenho certeza se a ligação dos índios com este tipo de liderança espiritual tem relação direta com este fato em si, mas a verdade é que os caboclos são os grandes responsáveis, na Umbanda, por todo o grupo de entidades que acompanham e se manifestam nos médiuns, como se coubesse a eles organizar e proteger as energias competentes à evolução de uns e outros, atuando como verdadeiros cuidadores.

Antes mesmo dos tempos de umbanda, um tal Caboclo Tupinambá se faz presente na minha história como elemento vital, literalmente. Resumo de uma longa história, minha tia-avó Clélia, que é um anjo da guarda de nossa família, conversa com aquele que foi médico de minha avó, o Dr. Bié, e toda vez, toda mesmo, antes de manifestar as palavras deste querido protetor, ela sussura, enquanto nos benze e pede proteção àquele momento mágico, que a força do Caboclo Tupinambá esteja disponível. Só de escrever, juro, sinto o cheiro destes encontros, um aroma de conforto, acolhimento e amor. Eis que este médico e este caboclo viabilizaram minha chegada a esta família e eu, que quase não gosto de uma história mágica, adoro que tenha sido assim.

Outras tias-velhinhas da minha família manifestaram seus caboclos e minhas tias, as bruxas, carregam lembranças que, vez ou outra, menos do que eu gostaria, compartilham com a gente, a ala jovem que já vem envelhecendo há um certo tempo. Portanto, não foi surpresa pra mim que eu mesma trouxesse uma caboclinha forte, porreta e que, mesmo sob questionamentos racionais e psicológicos – os tenho, sempre e cada vez mais, especialmente estudando as psicologias – tem o poder de interferir e influenciar nas escolhas que eu mesma faço, impregnada pelo conceito do livre-arbítrio. Algum dia, prometo, paro e escrevo sobre este conceito que, aos meus olhos, é, de certa forma, não tão livre assim. Seguimos.

É desta cabocla que nasceu uma força que até então eu desconhecia e que me foi necessária para me recompor após uma forte depressão que me abateu, agora eu sei, por cerca de quatro anos. O desenvolvimento espiritual dentro da umbanda tem como premissa que tanto o médium quanto as entidades cresçam e, sem dúvida alguma, meus encontros com esta pequena filha de Oxum, orixá responsável pelo útero, pela gestação em si, me oportunaram a sentir bem-querência acerca de um momento que foi particularmente incógnito mesmo que sensorialmente traumático. Sentir a dança de uma cabocla nos pés, a força de sua lança nos braços e o poder de pensar sempre em frente, positivando as vivências e aparecendo sempre com uma história metafórica que é pra gente usar a cabeça e refletir, olha, indico para quem não experimentou – mesmo que não manifesta mediunicamente, é extremamente indicado que, pelo menos uma vez na vida, você sente na frente de um caboclo e escute o que ele tem a dizer. Recomendo.

Aqui em Ubatuba reina, ainda, uma lenda que dá conta da Maldição de Cunhambebe, líder indígena que praguejou todos os negócios do homem branco após a invasão e chacina de seu povo neste belíssimo litoral. Quem chega em Ubatuba deve, antes de mais nada, harmonizar-se com esta liderança – encontrar a forma, penso eu, passa por respeitar a terra, a natureza e os movimentos peculiares da cidade. Vem funcionando comigo e, também me entusiasma essa parte, Cunhambebe é tupinambá autoridade máxima entre os líderes tamoios da região compreendida entre Cabo Frio (RJ) e Bertioga (SP). Me sinto em casa, de corpo e alma, desde que mudei pra cá – apesar de ter enfrentado impropérios dignos da tal maldição logo na primeira semana, como alagamentos, término de relacionamento e a sensação de que a cidade estava me expulsando. Processos e conversas invisíveis depois, além da adequação às energias locais,veio o acolhimento. Estudar, compreender, aceitar e, especialmente, respeitar – ingredientes fundamentais para todas as esferas deste mundo e arredores. 

Acontece que índio não é só entidade de umbanda, pelo menos não por enquanto.

Neste Brasil tão complicado e esquisito desde os tempos do golpe, reflexões sobre “índio não é fantasia” durante o carnaval e o esquecimento sobre a importância e potência deste povo no restante dos dias, é relevante pontuar o Dia do Índio como janela para que possamos reavaliar as questões políticas e sociais que contaminam, mais uma vez, a história dos indígenas no  país.

Pauta não falta, não precisa nem procurar tão bem assim – se trata, muito mais, de envolver-se nas movimentações e defesas sobre preservação, manutenção e viabilização daqueles que, por enquanto, ainda se fazem presentes em vida por aqui enquanto a maior parte de nós, tolinhos, segue “civilizadamente”. Sei.

Aqui, uma pequena listagem com alguns temas que andam sendo discutidos por aqui e acolá:

Educação
I
dentidade
T
erritório
C
ultura

 

Mariana A. Nassif

3 Comentários

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  1. Todo dia….

    Não vejo em lugar algum a pressão que fazem pelos Indios quando estão confrontando a Agropecuária Brasileira. Falando em Ubatuba, onde está a Reserva Indigena regulamentada e regularizada neste municipio? E a Reserva Indigena deste Povo, no bairro de Parelheiros na cidade de São Paulo. E a reserva desta gente totalmente abandonada, embaixo das janelas da Elite que formou a Esquerda Brasileira no bairro do Jaraguá e por toda Serra do Japi, também na metropole. Eles já estavam aqui, antes de chegarmos. Eles são os verdadeiros donos da cidade. Onde estão Ongs Nacionais e Internacionais? Forças Progressistas? Onde estão todos a exigir o Direito destas pessoas?   

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