Um governo liberal-fascista-conservador? Uma verdadeira jabuticaba, por Rogério Maestri

Um governo liberal-fascista-conservador? Uma verdadeira jabuticaba

por Rogério Maestri

Tenho feito há mais de um ano extensas pesquisas sobre o fascismo e sobre o liberalismo von Miseano, e cada vez mais que pesquisava mais me aumenta a minha confusão, simplesmente pois olhando com cuidado o que se chama o liberalismo do instituto von Mises, as características dos diversos movimentos fascistas e das ideologias conservadoras em costumes enxergo claramente que além das fortes contradições internas das ideologias acima nominadas, a soma destas três cria uma espécie de jabuticaba ideológica que não pode coexistir dentro de um só governo.

Excetuando o ódio a esquerda e um ataque a qualquer organização ou reivindicação popular, que as três ideologias contêm, não há o mínimo ponto de contato num discurso que se queira montar a partir destas três vertentes. Se quisermos ligar alguma concepção liberal a uma ideia de conservadorismo de costumes com a chamada ética liberal, o choque seria frontal entre os dois e com perda total dos veículos que se chocassem.

Se alguém se der o trabalho como eu, de olhar o livro seminal da ética liberal, “A ética da liberdade” de Murray N. Rothbard verá absolutas contradições entre a ética liberal e a ética conservadora, isto vem da concepção de humano para um e para outro, para exemplificar melhor colocarei um parágrafo pertinente ao aborto que Rothbard, seguindo a tradição liberal de John Locke nos seus “Dois Tratados Sobre o Governo” Rothabard escreve:

A fundamentação apropriada para analisar o aborto está no absoluto direito de auto propriedade de cada homem. Isto imediatamente implica que toda mulher tem o absoluto direito ao seu próprio corpo, que ela tem o domínio absoluto sobre seu corpo e sobre tudo que estiver dentro dele. Isto inclui o feto. A maioria dos fetos está no útero da mãe porque a mãe consentiu a esta situação, porém o feto está lá pelo livre e espontâneo consentimento da mãe. Mas, se a mãe decidir que ela não deseja mais o feto ali, então o feto se torna um invasor parasitário de sua pessoa, e a mãe tem o pleno direito de expulsar o invasor de seu domínio. O aborto não deveria ser considerado o “assassinato” de uma pessoa, mas sim a expulsão de um invasor não desejado do corpo da mãe. Quaisquer leis restringindo ou proibindo o aborto são, portanto, invasões dos direitos das mães.

Poderia enumerar mais algumas discrepâncias fundamentais entre a Ética Liberal e o Conservadorismo de costumes, chamando a atenção que Murray N. Rothbard é um dos expoentes do libertarismo, tão caro aos liberais, e se querem entender a importância que o Instituto von Mises dá a ele é só clicar no link.

Seguindo nas contradições, o fascismo, que como ideologia supõe um Estado Máximo e não mínimo como diz a famosa frase de Mussolini “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado.” Esta contradição do Fascismo com o liberalismo é uma das principais bases do regime fascista, também no seu discurso em 1922 ele profere a seguinte frase:

O ESTADO QUE NÓS QUEREMOS

Teremos um Estado que faça este simples raciocínio: “O Estado não representa um partido, representa a coletividade nacional, abrange tudo, supera tudo, protege tudo e procederá contra todo aquele que atentar contra sua soberania imprescritível“…..”

Ou parte de outro discurso de Mussolini:

O FASCISMO EM FACE DA BURGUESIA E DO PROLETARIADO

É uma Itália que quer iniciar um novo período da história. Entre a Itália de ontem e a nossa Itália, há, portanto, um contraste plástico, dramático.

O choque parece inevitável. Trata-se de preparar as nossas forças, os nossos valores e energias, de coordenar os nossos esforços para que embate nos dê a vitória de que não duvidamos.

O Estado liberal é hoje uma máscara detrás da qual não há um rosto. É uma fachada sem edifício. Há forças aparentes, dentro das quais não existe o espírito. Todos os que deveriam ser os sustentáculos deste Estado, sentem que se atingiram os extremos limites da vergonha, da impotência e do ridículo. Por outro lado, como já disse em Udina, não queremos pôr tudo em jogo, porque não nos apresentamos como redentores do gênero humano, nem prometemos nada de extraordinário aos italianos. Pelo contrário, pode ser que tenhamos de impor aos italianos uma disciplina mais dura e maiores sacrifícios. Imporemos essa disciplina e esse sacrifício tanto à burguesia como ao proletariado, porque, se o proletariado está infectado, a burguesia está-o ainda mais. Há um proletariado que merece ser castigado para depois se lhe dar possibilidades de redenção; há uma burguesia que nos detesta, tenta lançar a confusão nas nossas fileiras, paga a todas as folhas que colaboram na obra de calúnia antifascista; uma burguesia que, até ontem, se rojava ignobilmente aos pés das forças antinacionais; uma burguesia para a qual não teremos um gesto de piedade!

Conforme se pode ver, o discurso fascista se confrontado com a prática fascista é totalmente incoerente, pois como colocado em destaque no último texto nem precisou piedade para a burguesia, ela foi simplesmente agraciada em todo o período do governo (1922-1943).

Porém o que resta de comum nestas três ideologias na teoria e na prática, é a perseguição a esquerda e como não há nenhum programa do atual governo que premie as classes menos privilegiadas, a perseguição aos pobres será inclemente e permanente.

Entretanto tem dois problemas no parágrafo anterior, como a esquerda propriamente dita, não se encontra organizada e nucleada em instituições políticas claras com direções e quadro de direção perfeitamente definidos, o governo Bolsonaro será a parte mais patética do Cavalheiro da Triste Figura da obra de Miguel de Cervantes “Dom Quixote”, onde nos seus delírios persegue Moinhos de Vento, que são o marxismo cultural de Bolsonaro e o socialismo no governo.

O que Bolsonaro certamente perseguirá será o povo brasileiro, e como ficou patente na sua posse que reuniu poucas dezenas de milhares de pessoas, rapidamente a sua base vai se transformar num valor insignificante, pois a sua minoria minguará mais ainda, migrando para tênues acenos de uma desorganizada esquerda.

Redação

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Ja comentei aqui também: o
    Ja comentei aqui também: o anti esquerdismo se fundamenta no amor pela desigualdade, muito mais ue pela liberdade.

    Os conservadores se apegam à desigualdade como natural; o liberais dizem que ela é boa pra competição e produtividade; os fascistas, pelo lado do poder e da força, distinguem quem disciplina e quem é disciplinado.

    Nos séculos em que se juntam contra o povo, o cinismo sempre foi a marca, pra dissimular que o que querem mesmo e o povo “no seu lugar”.

    1. Lucinei, já escrevi um post falando especificamente do ódio ….

      Lucinei, já escrevi um post falando especificamente do ódio aos fracos. Mas talvez tenha que reforçar numa continuidade a este.

  2. Prefiro chamar de goiaba

    Prefiro chamar de goiaba transgênica, caro Maestri. Liberal-fascista-conservador-entreguista, pior ainda do que jabuticaba 

    1. Goiaba é um fruto que existe em toda a América tropical, e …..

      Goiaba é um fruto que existe em toda a América tropical, e a bizarrice do governo Bolsonaro é um produto genuinamente nacional.

      Talvez quando estava chegando no fim do texto, não estava mais com muito ânimo para escrever, pois há um componente tipicamente brasileiro resultante desta mistura exótica e totalmente inconsistente na ideologia nacional. Este componente se chama truculência da ignorância. Ou seja, o discurso do governo será baseado numa verdadeira sopa diabólica de conceitos que não se sustentam entre si, e só poderá ter um amálgama, pau nas costas da esquerda e da população brasileira.

      O mais notável desta sopa ideológica é que não há nenhuma proposta comum na direção da melhora da situação do país, é simplesmente, vamos vender tudo e acabar com a corrupção. Algo lógico, pois a corrupção estatal terminará, sendo substituída por oligopólios multinacionais que simplesmente através dos preços que imporão ao mercado serão muito mais destrutivos que qualquer desvio que podia ocorrer.

      Talvez ninguém esteja dando ênfase a esta criação dos oligopólios em todos os setores que são dominados pelo Estado, a saúde, a educação, a geração e distribuição de água, energia e comunicações, os setores que já são oligopolizados trabalharão mais livres e soltos em detrimento do consumidor, os novos setores que entrarão na nova sopa, estes atingirão os consumidores de nova forma.

      Em resumo, poderemos dizer que o ataque a população virá de todas as direções, e no fim de alguns anos teremos uma dívida pública que será enorme com uma perda total do patrimônio público, ou seja, a relação dívida/patrimônio público, tornará impagável a dívida, só havendo neste caso somente uma solução para um governo nacionalista, a quebra de todos os contratos de venda, a ruptura com a banca internacional e um total isolamento do país.

      1. A goiaba

        Mas só o Brasil Jesus sobe na goiabeira.

        A bizarrisse do governo brasileiro tem tudo a ver com goiaba.

        Falando sério.

        Por que você acha que se esforçaram tanto, gastaram tanto dinheiro e fosfato para desestabilizar o governo, destituir a presidente, manter um corrupto flagrado, um judiciário prevaricante e uma justiça claudicante senão para fazer vencer os oligopólios.

        Estamos no último estágio dos governos nacionais.

        Logo tudo isso será história e as corporações governarão diretamente, dispensando a custosa máquina pública e a política.

        1. Vamos do fim para o começo.

          Primeiro de tudo a afirmação que corporações oligopolistas governarão de forma econômica do que o Estado, não existe base real e nem teórica para tal afirmativa, porque grandes coorporações serão governadas por conselhos consultivos e executivos que terão uma ação mais custosa que as próprias máquinas políticas bem geridas. Simplesmente porque eles definirão as metas e verificarão os resultados, e nada indica que estas metas sejam os objetivos desejados pelas populações e seu alcance certificados pelos mesmos.

          Logo, não estaremos nos últimos estágios dos Estados Nacionais, pois exatamente a grande questão dos nacionalismos que surgem por várias partes do mundo é a volta do poder ao povo, por enquanto as grandes coorporações ainda conseguem esconder estas características do nacionalismo real (e não o falso nacionalismo que temos agora no nosso país) com a mentira que o Estado deve ser mínimo.

          Desde quanto que a função do judiciário foi vencer os oligopólios, foi sim de transferir a gerência dos oligopólios nacionais, para os oligopólios imperialistas internacionais.

          A bizarrice não foi produto do desejo do capitalismo, foi resultado do mais tosco e imeditismo desejo de chegar ao poder para fazer a feira.

          1. Tomara
             

             

            “…pois exatamente a grande questão dos nacionalismos que surgem por várias partes do mundo é a volta do poder ao povo,…”

            Parabéns pelo otimismo, embora a prática venha demonstrando através dos tempos que o povo  “é um mero detalhe”  do poder.

  3. O Governo Bolsonaro que se

    O Governo Bolsonaro que se inicia demonstra que não existem diferenças na Política Econômica Neoliberal de PT, PSDB e MDB para o país, exceto aspectos pontuais ligados as políticas sociais, cuja inspiração também não é unicamente do PT, mas do FMI, do Banco Mundial, do Consenso de Washington e do Diálogo Interamericano e de suas políticas sociais compensatórias para o povo brasileiro. Nada de novo no Brasil. O slogan de campanha do candidato Bolsonaro 17 PSL, eleito Presidente da República em 2018 e o discurso na posse Presidencial de Bolsonaro e o inico do Governo Bolsonaro “Brasil acima de todos, Deus acima de todos. 

  4. Texto muito

    Texto muito interessante.

    Para quem se interessar, talvez o oppus magnum do liberalismo no século XX seja The Constitution of Liberty, de F. A. Hayek. Na edição das obras completas (TC of L – The definitive edition) do autor, foi incluído, como postscript, o texto “Why I am not a conservative”.

  5. Exc

    Excelente observacao, “o anti esquerdismo se fundamenta no amor pela desigualdade”. Sim, trata-se de uma afinidade natural com o darwinismo social, com o “cada um pra si e Deus pra todos”, com a competicao e a “sobrevivencia do mais forte” – disfarcada de amor ‘a meritocracia, que muito raramente ocorre no mundo real. Numa palavra, trata-se de uma posicao filosofica de adesao ao egoismo, e como tal e’ defendida abertamente por Ayn Rand, Friedrich Hayek, Von Mises e o neo-liberalismo.

    Eis a razao pela qual, durante tantos anos, a direita brasileira sempre teve vergonha de ser de direita, e seus partidos sempre procuraram se associal ‘a esquerda, de alguma forma, colocando social seus nomes, escondendo suas verdadeiras intencoes e projetos politicos. Nao podem confessar sua verdadeira agenda, e perderam completamente a capacidade de ganhar eleicoes. Dai’ o chute no pau da barraca, com esta inssurreicao contra o processo civilizatorio brasileiro no qual o PT estava conseguindo estabelecer limites para o egoismo social.

    1. Perfeitamente

      “Sim, trata-se de uma afinidade natural com o darwinismo social, com o “cada um pra si e Deus pra todos”, com a competicao e a “sobrevivencia do mais forte” – disfarcada de amor ‘a meritocracia, que muito raramente ocorre no mundo real.”

      A vergonha de reconhecer-se egoista, impiedoso e sem consideração com próximo ; o medo “do que as pessoas podem pensar” e de ser “politicamente incorreto”, de represada, explodiu nos pulhas capitaneados pelo capitão.

      Algum deles não gostou do seu comentário.

    2. João, vou discordar. Deixo de

      João, vou discordar. Deixo de lado A. Rand (nunca consegui terminar de ler A Revolta de Atlas) e von Mises. Centro-me em Hayek e outros liberais.

      Em Individualism: true and false [cap. 1 de Individualism and the economic order, The University Press of Chicago, 1948], diz Hayek que o conceito tem diversas acepções. Para o ponto em discussão, vale destacar (os sublinhados são meus):

      “The first thing that should be said is that it is primarily a theory of society, an attempt to understand the forces which determine the social life of man, and only in the second instance a set of political maxims derived from this view of society. This fact should by itself be sufficient to refute the silliest of the common misunderstandings: the belief that individualism postulates (or bases its arguments on the assumption of) the existence of isolated or self-contained individuals, instead of starting from men whose whole nature and character is determined by their existence in society.” [pg. 6]

      Em nota a esse parágrafo:

      “In his excellent survey of the history of individualist theories the late Albert Schatz rightly concludes that “nous voyons tout d’abord avec évidence ce que l’individualisme n’est pas. C’est précisément ce qu’on croit communément qu’il est: un système d’isolement dans l’existence et une apologie de l’égoïsme” (L’Individualisme économique et social [Paris, 1907], p. 558).”

      Individualismo e autointeresse ocupam um lugar central no pensamento liberal. E é certo que podemos encontrar em escritores liberais uma concepção do indivíduo como um ser autointeressado no sentido mesquinho [em alguns escritos de Bentham, p. ex.]. Mas há muito que autointeresse e egoísmo foram distinguidos [p. ex. nas críticas de John Stuart Mill a Bentham]. A razão é simples: pode fazer parte do nosso autointeresse o interesse dos outros indivíduos.

      1. ML este é o X da questão.

        Seguindo este pensamento a sociedade é uma decorrência dos interesses individuais, ou melhor ainda dos auto interesses.  A história e o processo civilizatório foi claro em nos demonstrar que a compreensão de que fazer com que o interesse dos outros indivíduos façam parte do nosso autointeresse está longe de ser simples.  Como sempre este tipo de argumento esquece  a história da socialização e do processo civilizatório, onde aprendemos que a sociedade não é uma decorrência dos interesses do individuo. Aliás é por isto que colocamos nossas crianças nas escolas.

        O individualismo não é sem dúvida um sistema de isolamento existencial  pois, socialmente, isto é impossível,embora  alguns egoistas  pensem ser isto possível. Há até os que pretendem isolar seus próprios filhos. Ao contrário do afirmado me parece que o  egoismo é   uma apologia do individualismo e não o contrário. A comunhão de interesses é um fato social longe de ser passível e pacífico e ao longo da história  aprendemos ser crucial para a sobrevivência da espécie.

         

        1. Frederico,
           
          Eu concordo com

          Frederico,

           

          Eu concordo com praticamente tudo o que você colocou. Faço apenas uma qualificação menor (que, reconheço, precisaria ser muito mais aprofundada):

          Não me parece que o liberalismo esqueça propriamente a história da socialização e do processo civilizatório. Acho mais correto afirmar que ele tem uma particular compreensão desse processo. No caso específico de Hayek, inspirado nos autores do iluminismo escocês, esse processo é entendido, sim, como resultado a ação humana autointeressada (em sentido amplo, i. e. não necessariamente mesquinho), mas não como desígnio, produto deliberado, dessa ação. Nessa visão, as normas, implícitas ou explícitas na lei, que regem nossas sociedades, são vistas como fruto de um processo evolutivo, e o homem não tem, nem pode ter (pois é um sistema complexo), pleno conhecimento das consequências das instituições que ele mesmo cria. É uma ontologia social e é nesse plano que é conveniente discuti-la – e isso, evidentemente tem sido feito, por autores à esquerda e à direita.

          É claro que essa ideia fundamental já estava presente em outros autores – p. ex. Adam Ferguson, Smith, e (o meu preferido) Hume.

          Apenas para deixar claro, eu não sou um liberal no sentido que estamos discutindo. Vejo Hayek como autor de uma utopia liberal, mas que levantou pontos extremamente relevantes para a compreensão de nossa sociedade.

          Acho a tua última frase “A comunhão… ” perfeita: é de fato o X da questão (e uma resposta do século XIX é o comunismo de Marx como é apresentado muito brevemente na Ideologia Alemã, mas essa é uma longa discussão).

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador