Uma oposição de direita?
por Lauro Duvoisin
Este texto pretende alertar os leitores para uma tendência de reposicionamento de setores da direita brasileira em relação ao Governo Bolsonaro. Ainda é cedo para afirmar que esta estratégia irá se consolidar, mas não há dúvidas de que estão sendo feitos alguns ensaios nesse sentido. Os descontentamentos produzidos pelos arroubos extremistas de figuras do governo, especialmente na administração pública, na educação e na política externa, vão fortalecendo as fissuras e deslocando setores da burguesia e da classe média para uma posição crítica que pode vir a consolidar-se como uma oposição de direita.
Algumas análises já apontaram a combinação de tendências que conformam o governo Bolsonaro. É notável que a aliança que sustenta este governo, com fortes elementos de militarismo, fundamentalismo cristão e ultra-neoliberalismo, é uma novidade histórica no Brasil. Esta conformação evidentemente se reflete no programa que tem sido desenhado desde a eleição. Neste quesito, é nítido o caráter neoliberal do programa econômico proposto, com medidas radicais de privatização, desregulamentação e retirada de direitos trabalhistas e sociais. Em segundo lugar, temos uma significativa militarização do Estado e o reforço do aparato jurídico-policial. Por fim, e não menos importante, o programa abrange pautas voltada para a afirmação de valores retrógrados, de aberto combate às ideias supostamente marxistas, de afirmação de princípios moralistas e conservadores cristãos, e de retomada institucional da discriminação de religião, raça e gênero.
Outra novidade é que o bloco governante parece não fazer questão de contar com o apoio da Rede Globo, reconhecidamente o aparato ideológico mais importante desde a eleição de 1989. Agora, transcorridas as primeiras semanas do novo governo, pode-se observar claramente um movimento de reposicionamento da megacorporação midiática que pode vir a arrastar um setor significativo da direita brasileira. Aliás, já esperávamos que cedo ou tarde a Rede Globo apresentaria a conta desse escanteio que o governo tentou lhe impor. Já parece haver algum movimento em curso.
Depois de William Bonner abaixar a cabeça e “lamber as botas” do capitão, agora a Globo ensaia os primeiros passos para a formação de um bloco da direita dissidente. O processo ainda é embrionário, mas tem potencial duradouro. O motivo é claro: metaforicamente, Bolsonaro entortou tanto a vara para a direita que criou um vácuo a ser ocupado. Com isso surgiu uma oportunidade, pois não é preciso desentortar a vara, basta apenas ceder um pouco ao centro. Ou seja, o governo começa a tornar viável a existência de um perfil de direita que até agora não teve terreno para crescer, levando em conta que vivemos num país com fortes heranças coloniais e escravistas. No país das “ideias fora do lugar”, apenas em conjunturas especiais os valores liberais, que na Europa ocidental tiveram terreno fértil, podem ter alguma viabilidade aqui.
Denominamos este setor capitaneado pela Rede Globo como uma “direita progressista de ocasião” pois a sua atuação indica que ela utilizará as chamadas pautas ideológicas para se diferenciar do bloco governante. A estratégia que se desenha é a seguinte: uma guerra de desgaste prolongada e seletiva, método nada novo, diga-se de passagem. O objetivo é desmoralizar e enfraquecer o governo a longo prazo tendo em vista provavelmente as próximas eleições presidenciais. Para isso, conta com a própria descoordenação da equipe governamental atual, que começou a evidenciar-se desde as eleições e não parece dar sinal de melhora, assim como conta também com o desgaste produzido pelos casos de corrupção envolvendo membros do governo. Mas o elemento central de uma possível estratégia da direita progressista de ocasião é oferecer uma alternativa supostamente mais universalista aos valores pregados pelo governo Bolsonaro. É de algum modo a versão brasileira do chamado libertarianismo, que pretende aliar ultra-individualismo, livre orientação na vida privada, e liberalismo extremado na esfera econômica. Ressalta-se portanto que a direita dissidente não se distanciará um palmo do programa neoliberal defendido por Paulo Guedes. Ou seja, trata-se de uma conformação oportunista, pois mantém-se intacto o núcleo do projeto econômico-social e disputa-se o simbolismo dos valores pregados publicamente.
No plano geral, as organizações que estão ensaiando esta estratégia parecem ser principalmente a Rede Globo e o MBL. Quanto às figuras públicas, evidenciam-se o protagonismo de Luciano Huck e Kim Kataguiri, mas há o potencial para formar um pequeno batalhão de ativistas progressistas de direita. Eles são os novos campões da moralidade pública, da tolerância e do combate aos preconceitos. Humanizados pela ocasião. De fato, a Rede Globo e seus aliados podem estar esquentando o ninho para chocar uma nova liderança de direita no Brasil, liderança esta que seja mais palatável aos espíritos progressistas de uma ampla parcela da população.
Consolidando-se esta tendência, quais são as consequências para esquerda?
Em primeiro lugar, inviabilizaria definitivamente um jogo de soma zero nos próximos anos. Em outras palavras, o desgaste do governo não somaria automaticamente forças para o campo da esquerda, já que uma parte da direita estaria apostando também neste mesmo desgaste. A oposição assim se ampliaria, sendo mais adequado falarmos em “oposições”, no plural. Aliás, tendo sucesso nesta empreitada, vislumbra-se uma grande oportunidade histórica para que a direita reconstrua um novo consenso político sob a sua direção. Por isso, uma estratégia de “esperar para capitalizar” pode ser absolutamente ineficaz para a esquerda num cenário deste tipo.
Em segundo lugar, fica evidente que a mobilização das pautas vinculadas a valores, como o combate ao racismo, ao machismo, a questão ambiental, a livre-expressão artística, dentre outras, será insuficiente para que a esquerda consiga enfrentar a direita como um todo. Num contexto onde uma parte da direita também aposta na captura do ideal progressista, uma estratégia baseada centralmente numa pauta “ideológica”, digamos assim, torna-se insuficiente. Seguindo este caminho, o risco é o de que a esquerda torne-se apenas uma força auxiliar da oposição de direita. E este risco é real.
Portanto, consolidando-se o cenário desenhado aqui, a esquerda para sobreviver precisará reencontrar um caminho que conduza a uma estratégia ativa, com clara consciência de que a passividade não produz saldos políticos significativos. E mais, terá que se reencontrar estrategicamente com grandes questões econômica e sociais que não interessa à direita enfrentar. Em outras palavras, as pautas ideológicas são importantes, pois tudo indica que elas serão o eixo de desgaste do governo, mas as pautas associadas ao modelo de desenvolvimento serão indispensáveis. Somente a esquerda poderá recolocá-las no centro da disputa.
Lauro Duvoisin – Membro do FRONT – Instituto de Estudos Contemporâneos
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Comentario
Concordo, Lauro.
Mas separar as coisas temos que dar nomes, para que o povo entenda a diferença.
A direita se dividiu em duas: A extrema direita e a direita. Precisamos explicar isso pro povo.
Historicamente a extrema direita tinha um viés de governo forte. E mais um monte de ideias conservadoras e atrasadas.
Isso que esta ai é diferente. Mantem as pautas burras mas economicamente é neoliberal.
Isso fez um no nos dois neuronios do bozo, quebdefendeu a vida toda um governo forte.
Educação Política com Frente Ampla
Lauro: o maior problema para o avanço civilizatório do Brasil você o identificou, mas o tratou como secundário. Enquanto for verdadeira a assertiva “sendo mais adequado falarmos em “oposições”, no plural”, o comando político real estará sempre nas mãos da direita escravagista.
As oposições (no plural) refletem o sectarismo existente, deseducam politicamente o povo e é isso que possibilitou a ascenção de um ignorante fascista. Agora mesmo as oposições estão apoiando Rodrigo Maia do DEM. O mesmo DEM que abriga o MBL.
Haja “pragmatismo” nesse balaio de gatos e gatunos !!!
???
A pergunta a ser respondida agora: O que fica no lugar de Bolso? A prinicipio temos Doria e Moro, que serão a resposta moralista contra o PT corrupto. A Globo será como sempre a fiel da balança. Baterá no Bolso, mas apoiará sua poltiica econômica e de segurança pública. Como Teme foi aposição, mas conseguiu que sua politica econômica fosse mantida.
Não devemos esquecer que as forças progressistas são tratadas como escória, há um verniz na midia (Globo) de apoio com os politicos defensores de Direitos Humanos (PSOL).
Os progressistas têm um grande caminho a percorrem ainda, com essa poilitica editorial-oposicionista da Globo.
o antídoto para a
o antídoto para a possbilidade de servir de linha auxiliar da direita,
é a esquerda deixar claro o que quer:
um programa como sempre social inclusivo…
e por aí….
Sergio Moro
O nome que irá assumir esta posição será Sergio Moro. Senão vejamos:
Moro, de todos os ministros, políticos, não politicos, militares, malucos e fanáticos é o que mais perde com esta balbúrdia chamada de governo bolsonarista. Ele foi chamado para dar um viés de autoridade, uma cara de coisa séria a este governo que foi eleito sem nos dizer a que viria. Apenas pra mudar tudo isso que tá aí, talquei???
Aqui nas Minas Gerais, diziam os antigos, que tem bicho que morde e ‘assopra’. Pois é!! Moro está desconfortável no governo com tão pouco tempo. Não pode se dar ao luxo de sair agora entregando a rapadura para a oposição falar, cair de pau no atual governo. Não pode dar uma de avestruz e fazer que não está acontecendo nada de errado pois ao se misturar com esta gente será marcado indelevelmente para sempre.
Acho que Moro irá reunir o máximo de informações privilegiadas possíveis contra amigos e inimigos de direita e de esquerda e, no tempo certo sair do governo por não concordar com uma ou outra decisão mequetrefe de Bolsonaro.
Na primeira oportunidade aparecerá como candidato que não tem o rabo preso e poderá utilizar os frutos que colheu em Brasilia em sua campanha limpa e cheirosa como gostam a classe media alta brasileira