Variações sobre a república popular dramática brasileira, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Lula não está preso. O primeiro ato de Zé de Abreu foi dizer que libertará o ex-presidente petista

Variações sobre a república popular dramática brasileira

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A política e o teatro nasceram na Polis grega. As relações entre ambos também. Antígona é um espetáculo público que representa um conflito político que evolui até se transformar em tragédia familiar para o próprio tirano que proferiu uma decisão e a fez cumprir desprezando os costumes arraigados na cidade.

Durante a longa Idade Média, o teatro foi depreciado pela Igreja que o substituiu pela teatralização da vida religiosa. Os conflitos no interior da religião dominante se tornaram ainda mais dramáticos porque quase sempre degeneravam em guerras religiosas que não comportavam soluções políticas.

O teatro renasceu na Inglaterra durante as guerras religiosas. Hamlet é uma tragédia familiar provocada pela ambição política do irmão do rei que queria tomar seu lugar. No interior da peça, a encenação familiar é desfeita quando o filho do rei morto faz os atores encenarem o assassinato do paí diante do criminoso.

A influência do teatro elisabetano é imenso até os dias de hoje. No filme “As Loucuras do Rei George”, drama histórico de 1994 inspirado numa peça teatral, o rei inglês enlouquecido recupera a sanidade ao perceber que pode representar seu papel.

A encenação do poder se tornou uma realidade quando Ronald Reagan tomou posse na presidência dos EUA. Nunca antes na história mundial uma potência ocidental havia sido governada por um ator. Reagan adorava seu trabalho. Diante das câmeras de TV ele incorporava o personagem presidencial com maestria. Quando lia o que era colocado diante dele no Teleprompter usando um tom de voz sereno, fazendo pausas significativas e dando ênfase nas passagens cruciais, o ator-presidente atuava como se fosse o verdadeiro autor das decisões que comunicava ao respeitável público.

Reagan cumpriu seu papel até o final do mandado. Dilma Rousseff sofreu um Impedimento Midiático que resultou num golpe de estado disfarçado de processo jurídico/constitucional.

Para o bem ou para o mal, a utilização de recursos cênicos, dramáticos e teatrais se tornou um elemento indispensável da política. Durante duas décadas Jair Bolsonaro atuou histrionicamente no Congresso como se fosse o líder de uma extrema direita ultrapassada. A crise político-midiática iniciada por Aécio Neves ao rejeitar a derrota eleitoral acabou levando Bolsonaro à presidência despertando temores de um novo totalitarismo.

Em pouco tempo, entretanto, os roteiristas fardados do novo governo impuseram limitações ao ator que desempenha o papel de novo presidente brasileiro. Bolsonaro não comanda as forças armadas. A política externa do Brasil é comandada pelos generais e não pelo Chanceler que ele escolheu. Estávamos nesse ponto quando outro ator entrou em cena.

Refiro-me a Juan Gerardo Guaidó Márquez. Derrotado nas eleições venezuelanas, ele decidiu representar em seu país o papel que Aécio Neves havia desempenhado no Brasil no final de 2014. Guaidó rejeitou o resultado da eleição e se autoproclamou presidente. Ele não queria repetir em seu país o papel canhestro que a história reservou ao golpista brasileiro. Aécio Neves conseguiu derrubar Dilma Rousseff, mas colocou um adversário dele na presidência.

A encenação de Giadó produziu uma crise política interna e uma crise internacional que pode evoluir para uma guerra sem precedentes na América Latina. O que está ocorrendo na Venezuela comprova que a política pode ser objeto de teatralização, mas o teatro nunca conseguirá substituir a política. Quando invade a realidade a ficção encontra seus limites.

Mao Tsé-Tung disse que a política é uma guerra sem sangue assim como a guerra é política com uso da violência. Na vida real o sangue nunca é cenográfico e quando a violência organizada começa a derramá-lo o resultado é quase sempre o fim da encenação e o início da verdadeira tragédia.

Inspirado no tirano venezuelano que está disposto a derramar sangue para transformar em realidade sua encenação como presidente, um ator brasileiro resolveu fazer o mesmo. Zé de Abreu recoloca o teatro no seu devido lugar ao se autoproclamar presidente brasileiro. Com este ato ele também desafia a teatralidade política de um país que ganhou um presidente que não pode governar e que será impedido de fazer isso pelos militares.

Lula não está preso. O primeiro ato de Zé de Abreu foi dizer que libertará o ex-presidente petista. A encenação da condenação e prisão de Lula foi recolocada em cena de uma maneira interessante e brilhante. Esta talvez seja a melhor atuação de Zé de Abreu. Ele já merece um prêmio dramático.

PS: Uma última observação. A posse de Zé de Abreu deve resultar necessariamente na queda dos três filhos de Bolsonaro. Afinal, numa república popular dramática os três palhaços (que atrapalham o pai) não devem ter qualquer papel a desempenhar.

Fábio de Oliveira Ribeiro

8 Comentários

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  1. Gostei muito do seu artigo, Fábio. Mas eu achei que você se contradisse num pontinho lá no meio do texto.
    Você disse que Guaidó rejeitou o resultado da eleição. Mais adiante você classifica Maduro como ditador.
    Pelo que sei, houve uma eleição e o Maduro ganhou. É claro que não se quer ver sangue derramado, mas se cada presidente que sofrer um boicote internacional tiver que renunciar, não via ter sequer um presidente de esquerda na América Latina, que dure mais de dois ou três meses no cargo.
    Bastará dois meses de boicote dos EUA e da UE a um presidente, que para não ser tachado de ditador e até mesmo para não correr risco de ser linchado em praça pública, terá de entregar o cargo.

    1. Se não está apenas encenando você deve ter lido outro texto. Não mencionei Maduro. Quem quer derramar sangue para se impor como presidente da Venezuela é Guaidó.

      1. “Inspirado no tirano venezuelano que está disposto a derramar sangue para TRANSFORMAR EM REALIDADE SUA ENCENAÇÃO COMO PRESIDENTE, um ator brasileiro resolveu fazer o mesmo”.
        Tá ambíguo.

        1. O tirano venezuelano é o autoproclamado presidente Guaidó, pois é ele que está encenando ser o presidente da Venezuela. Maduro foi eleito e empossado de maneira legítima, portanto não pode ser considerado um tirano.
          Aprenda a interpretar textos sem levar em conta os seus próprios preconceitos.

          1. Ok, Fábio, quando li “tirano” achei que você estivesse se referindo a Maduro. Na verdade Guaidó é um pretenso tirano, uma vez que para ser um tirano é preciso ser governante, e isso ele não é.
            De qualquer forma o artigo está muito bom.

  2. Ademais considerando, tudo que é da política pós Dilma, não é real, é uma encenação, é fruto de um golpe então…
    José de Abreu é agora o meu presidente.
    Viva José de Abreu!!
    Viva o Presidente do Brasil!!

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