No dia de hoje, 22 de março – Dinaelza Soares Santa Coqueiro, presente!

É verdade que o seu corpo nunca mais foi visto, mas a luta incessante de Diva Santana, sua irmã, em preservar a memória de Dinaelza, a manteve viva entre nós.

do Vozes do Silêncio

No dia de hoje, 22 de março – Dinaelza Soares Santa Coqueiro, presente!

PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS SE REPITA

Em 22 de março de 1949, nasceu a valente Dinaelza Soares Santana Coqueiro, em Vitória da Conquista/BA. Entre os anos de 1973 e 1974, agentes do Estado brasileiro tentaram apagá-la da história. É verdade que o seu corpo nunca mais foi visto, mas a luta incessante de Diva Santana, sua irmã, em preservar a memória de Dinaelza, a manteve viva entre nós.

Desde cedo, Dinaelza se mobilizou em defesa do que acreditava. Foi fundadora do grêmio do colégio em que estudava e depois, na universidade, integrou a Comissão Executiva do Diretório Central Estudantil. Aos 21 anos, assumiu o Comitê Estudantil do PCdoB. Além dessas atividades, a jovem Dinaelza trabalhava e frequentava um grupo de estudos de literatura, onde conheceu Vandick Reidner Coqueiro, que se tornou seu marido e também foi morto pelas forças da repressão.

Com 22 anos, graduada em Geografia e casada, era empregada na Transbrasil e ganhava o suficiente para ter uma vida estável e de conforto. Mas, ao lado de Vandick, renunciou a isso e foram para a região da Gameleira juntarem-se à Guerrilha do Araguaia.

Dinaelza, a Maria Dina, tornou-se conhecida pela coragem e capacidade de sobrevivência na mata. Ela teria sido presa em novembro ou dezembro de 1973 e levada para a Casa Azul, em Marabá/PA, um centro de tortura. Antes de ser colocada à força no helicóptero que a levaria, cuspiu no rosto de seu algoz, o Major Curió. Maria Dina ficou dois dias sob tortura na Casa Azul. Há relatos de que estava toda machucada, com gazes nos braços queimados, e foi obrigada a caminhar pela mata em direção à casa de um dos guias do Exército. No caminho, a fizeram se sentar no chão. Apontaram as armas para Maria Dina, que os encarou. Deram início aos tiros e só pararam quando tinham descarregado suas armas. Curió relatou mais tarde, irritado, que a sua “engasgou” naquele momento. O corpo de Maria Dina teria sido enterrado na casa do guia para onde se dirigiam, mas nunca foi encontrado.

Assim que foi editada a Lei de Anistia, em 1979, os familiares dos desaparecidos no Araguaia acreditaram que receberiam notícias de seus filhos. Achavam que eles poderiam estar vivos, ou, pelo menos, alguns deles. Mas apesar da anistia e do malfadado pacto político que preservava torturadores e assassinos, ninguém se lembrou de dizer àquelas famílias que absolutamente todos os jovens que participaram da guerrilha e que ainda estavam desaparecidos haviam sido massacrados.

Diante do silêncio estatal, os familiares fizeram então, em 1980, uma caravana ao local. Diva Santana estava entre eles. Começava ali a sua luta ferrenha pela busca do corpo da irmã. Chegaram de barco em Marabá. O advogado e ex-preso político Paulo Fontelles, mais tarde assassinado por latifundiários pela defesa que fazia de camponeses sem-terra, também estava com eles. Foram recebidos com uma salva de foguetes pelos moradores de Marabá. Deles, ouviram a terrível notícia: não sobrou ninguém vivo.

Mas não bastava executar os jovens, esconder e destruir seus corpos. Era preciso impedir que as famílias continuassem dando trabalho, denunciando o extermínio e clamando pelos corpos. Então esses familiares passaram a ser monitorados pelas Forças Armadas.

Diva Santana relata que a vigilância sobre ela foi tamanha que encontrou arquivos que registravam até conversas suas em bares de Salvador. Mas não se intimidou. Às vezes ficava dias fechada em seu apartamento esperando para sair só depois que tinha certeza de que não havia nenhum veículo suspeito por perto. E, nessas saídas, dedicava-se à sua principal razão de viver. Foi assim que se tornou figura central na construção do Grupo Tortura Nunca Mais e participou de quase todas as caravanas e diligências – oficiais ou não – de buscas de corpos no Araguaia. A partir de 1995, quando a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos/CEMDP foi instituída, acompanhou de perto o seu trabalho e logo foi nomeada membro representante dos familiares, função que ocupa até os dias de hoje, quando voltou a praticar uma verdadeira atividade de resistência, ao lado da também familiar, Vera Paiva.

Que a coragem e persistência das irmãs Dinaelza e Diva inspire muitos jovens e suas famílias a cultivar sempre ideais de justiça, igualdade e solidariedade.

– Dinaelza Soares Santana Coqueiro, a Maria Dina, presente!

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Este texto faz parte da campanha de divulgação da II Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado e pela Democracia que foi suspensa e será substituída por atos realizados em meio virtual nos dias 31 e 1º de abril de 2020.

A imagem que ilustra este texto é de uma performance em homenagem à Maria Dina feita por estudantes da cidade de Argoim/BA.

Responsável: Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora regional da República, mestre em Direito Constitucional e coautora das primeiras ações judiciais contra agentes da ditadura.

Fonte: Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, Volume III, páginas 1.578 a 1583.

Redação

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