Relembrando o 14 de março – Marielle, presente! Marighela, presente!

Assim como Marielle, o ex-deputado constituinte Carlos Marighella também foi vítima de emboscada e executado a tiros.

do Vozes do Silêncio

No dia de hoje, 14 de março – Marielle, presente!

PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS SE REPITA

14 de março de 2018, no interior de um veículo na rua Joaquim Palhares, Rio de Janeiro, foram feitas mais duas vítimas do clima de guerra e violência que o Brasil se mostra incapaz de debelar. Naquela noite, a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram perseguidos e executados por tiros disparados de outro veículo.

Quase 50 anos antes, o Brasil amanheceu com notícia similar. No dia 04 de novembro de 1969, no interior de um veículo na Alameda Casa Branca, em São Paulo, era feita outra vítima do terrorismo do estado amplamente praticado no período ditatorial. Naquela noite, o ex-deputado constituinte Carlos Marighella também foi vítima de emboscada e executado a tiros.

Marighella e Marielle eram parlamentares que fugiam ao perfil comum do político brasileiro (homem, branco, conservador e habituado às negociações nem sempre lícitas de gabinete), mas eram muito próximos do perfil comum do povo brasileiro – de origem negra e pobre, e inconformados com a injustiça social. Ambos ousaram enfrentar poderes arraigados. Ambos foram considerados inimigos das forças de segurança, perseguidos e friamente executados.

As balas que mataram Marighella provinham de policiais da ativa, oficialmente autorizados a matar opositores políticos. As balas que mataram Marielle e Anderson também vieram das forças policiais, surrupiadas por policiais e ex-policiais, que teimam em se sentir autorizados a matar quem quer que se coloque em seu caminho e saírem impunes.

Entre os dois episódios, há a omissão do Estado brasileiro em prover seus deveres com a Justiça de Transição. Isto certamente explica a continuidade da atuação criminosa de agentes de segurança do Estado.

Não é sem motivos, portanto, que uma das recomendações expressas no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, expedidas no ano de 2014, é sobre a “desmilitarização das polícias militares”. Desmilitarizar significa abolir as práticas truculentas do passado de hierarquia e de repressão a civis. Apesar da recomendação, o Brasil seguiu na linha contrária à da desmilitarização.

Até mesmo as guardas “civis” metropolitanas, assim mencionadas na Constituição, seguem padrões cada vez mais explícitos de militarização; a intervenção decretada em 2018 no Rio de Janeiro teve caráter militar; as autoridades judiciárias dão nomes às investigações de Operação X, Y, Z, medida típica de forças militares e que representam uma condenação prévia às pessoas investigadas.

Neste ano de 2020, passou a aconteceu um fenômeno diferente nas classes militares: estão tentando romper com a hierarquia para pleitear direitos trabalhistas. De fato, eles têm muito o que reivindicar, mas o sistema militarizado sempre os impediu de fazê-lo como qualquer outro trabalhador. Ao perceberem, pelos discursos de governadores que cada vez mais se gabam de terem policiais violentos, decidiram exigir o seu quinhão de maneira também violenta: armados, encapuzados, lesando pessoas e bens públicos. Se a recomendação de desmilitarização tivesse sido implementada, eles jamais precisariam partir para esse tipo de conduta para reivindicar direitos.

É por isso que os casos emblemáticos de Marighella e de Marielle – ambos, parlamentares vítimas de violência de Estado – devem ser preservados na memória coletiva. A única maneira de impedir a repetição dos abusos passados é iluminá-los com as luzes da história e do conhecimento, jogando sobre eles os faróis dos valores universais da Justiça e dos princípios da civilização, por mais que o País resista em cumpri-los.

– Marighella, presente!

– Marielle, presente!

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Este texto faz parte da campanha de divulgação da II Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado e pela Democracia que será realizada em São Paulo/SP, no dia 29/03/2020, no Parque do Ibirapuera, e é uma adaptação do texto já utilizado por ocasião da divulgação da I Caminhada, realizada no ano passado.

Autoria: Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora regional da República, mestre em Direito Constitucional e coautora das primeiras iniciativas de responsabilização de agentes da ditadura.

Redação

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