Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O plano Campos e a tacada ou dissipação de Marina

No último sábado, 5 de outubro, assistiu-se a um desses acontecimentos que só a política pode oferecer: algo imprevisto, um evento contingente ocorreu. Dois dias antes, nem mesmo o principal ator político deste evento – Marina Silva – imaginava que ele pudesse acontecer. Segundo seu testemunho, a possibilidade de ingressar no PSB só surgiu depois que o Tribunal Superior Eleitoral não aceitou a constituição da Rede Sustentabilidade como partido. Somente então teria surgido o “Plano C” – o Plano Campos. Muitas vezes, eventos contingentes são provocados por um ator que tem a capacidade de perceber uma possibilidade ou uma potência que não se manifesta de forma evidente. Todos os atores e analistas imaginavam que a inviabilização da Rede produziria apenas uma das duas alternativas: ou Marina desistiria da candidatura para ver o que faria depois na campanha ou ela se filiaria a outro partido para concorrer à presidência.

Ao optar pelo Plano Campos surpreendeu a todos, mas principalmente o PT e o governo. Se o PT agiu ou torceu para a inviabilização da Rede, o tiro pode ter saído pela culatra. Não se sabe bem por qual cálculo político, mas o fato é que o PT e o governo não desejavam enfrentar Marina num segundo turno e torciam para que ela ficasse fora do páreo. Na verdade, uma análise séria do cenário eleitoral de 2014 deveria provocar o desejo contrário: Dilma e o PT deveriam querer que Marina fosse a oponente do segundo turno, pois ela é, dentre os demais candidatos oposicionistas, aquela que poderia inspirar menos confiança quanto à futura governabilidade, seja pela fragilidade de sua força política de sustentação, seja pelo discurso purista que ostenta em relação às alianças.  Campos poderá ser um candidato muito mais perigoso para Dilma do que Marina, num eventual segundo turno.

O entendimento do movimento de Marina rumo ao Plano Campos implica a análise de sua ambiguidade. Se Campos for candidato a presidente com Marina de vice, a deusa Fortuna lhe terá sorrido. Sua candidatura sairá fortalecida e poderá impor-se como alternativa viável ao Planalto, com boa chance de quebrar a polarização histórica entre PT e PSDB. A sua chance de passar para o segundo turno depende menos do que acontecerá com o governo e mais do que acontecerá com a candidatura de Aécio Neves. O que se vê até agora é uma candidatura com dificuldade de deslanchar, um PSDB enfraquecido e sem consistência programática e um candidato que não consegue inspirar confiança em vários setores. Marina poderá dar a Campos o impulso que este precisava para apresentar-se como alternativa oposicionista. Desta forma, se o movimento de Marina foi ruim para o governo, também foi ruim para Aécio e o PSDB, pois surgiu um forte obstáculo na luta a caminho do segundo turno.

Quanto à própria Marina, o seu movimento é paradoxal. Por um lado, ela teve a percepção da ocasião que se oferecia de criar uma alternativa efetiva de poder em relação ao atual quadro político-partidário brasileiro. Se esta alternativa se viabilizar e, eventualmente, conquistar a presidência da República, a história lhe reservará o papel de principal artífice dessa construção.
Mas Marina corre riscos: em sendo candidata a vice ou não, ela estará perdendo uma ocasião histórica de apresentar-se, ela e seu projeto, como protagonista das eleições num momento em que as pesquisas mostram que as condições lhe são favoráveis. Ser candidata no lutar de Campos é uma possibilidade, mas não é provável. Em política, nem intenções de voto, nem posições conquistadas são estocáveis indefinidamente. Em 2018, o cenário eleitoral poderá não mais comportar a alternativa Marina. Desta forma, ela terá dissipado uma oportunidade impar e um capital político construído ao longo de anos.

O outro risco que Marina corre reside na sua associação com o PSB. Sob o comando de Campos, o partido está disposto a fazer o jogo pragmático e realista do poder. O passo de Marina a coloca em aliança com figuras carimbadas do conservadorismo político: Jorge e Paulo Bornhausen, Heráclito Fortes, Alcides Rodrigues e Joaquim Francisco. Até mesmo Ronaldo Caiado poderá estar na aliança com Campos. Em vários Estados, o PSB está fazendo alianças com setores conservadores. Como ficarão Marina e a Rede neste ambiente? O discurso purista de ambos, que existe no plano simbólico, poderá afogar-se nas águas turvas do pragmatismo político, tão condenado por Marina.
O fato é que o discurso purista de Marina tem pouca sustentabilidade. Ela tem insistido em alianças programáticas no lugar das alianças pragmáticas. É louvável a exigência de apresentar e discutir programas nas campanhas. Mas Marina não tem o monopólio dessa prática. Nesse terreno, é preciso reconhecer que o PT se esmera em apresentar programas de governo nas eleições.

O que Marina parece não entender, e se entende desconsidera, é que a aliança governamental sufoca o programa eleitoral. Pela natureza das forças que é preciso agregar para garantir a governabilidade, o viés pragmático da aliança se impõe sobre o conteúdo programático. Isto não significa que os governantes não devem fazer esforços para construir alianças programáticas para governar. Mas o que termina se impondo é a dura realidade da política: governar com minorias é uma atitude de alto risco. A experiência Collor prova disso. Até mesmo nos Estados Unidos caminha-se para a polaridade maioria governista ou crise, o que é um sinal de parlamentarização da política norte-americana.
Ao não conseguir legalizar a Rede, independentemente das injustiças que a Justiça Eleitoral possa ter cometido, Marina paga o preço da inconsequência política. Ela se preocupou em organizar efetivamente o partido na antevéspera das eleições. A política, definitivamente, não é o lugar do sponte acta, mas da decisão e do comando. O espontaneismo e o autonomismo são belas crenças da juventude, mas que já envelheceram no tempo. Querer que essas práticas se tornem eficazes só porque existe a internet significa capitular ante a necessidade de atravessar “grossas vigas de madeira” através das duras exigências de um ativismo vigoroso.

 “Ativismo autoral” é uma expressão encantara, mas não constrói um partido. A Rede poderá morrer na insustentabilidade de sua leveza. A política foi, é e será o lugar do combate duro. Não combater significa deixar o mundo nas mãos dos malvados. Para ser consequente com os programas é preciso querer o poder, pois, assim como ele pode corromper, empalmado por líderes virtuosos pode se tornar o caminho e o meio mais rápido e efetivo da remoção das iniquidades e injustiças que perduram no Brasil.

Aldo Fornazieri  é cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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