O teto dos gastos e a clausura do Senado, por Cristina Fróes de Borja Reis

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O teto dos gastos e a clausura do Senado

por Cristina Fróes de Borja Reis

O Senado Federal vota hoje o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) número 55 de 2016 proposto pelo presidente da República, Michel Temer. O novo regime fiscal estabelece limites para as despesas primárias de cada um dos três Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União,  equivalentes ao exercício imediatamente anterior corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Durante várias semanas o regime fiscal esteve no centro do debate nacional, em que diversos especialistas fizeram seus apontamentos e críticas quanto a validade da PEC, conteúdo e consequências. Está claro que não existe consenso. Mais além, há diversos indicadores de que a oposição à PEC do Fim do Mundo é maioria. Neste último domingo, a Avenida Paulista recebeu cerca de 40mil manifestantes contra o novo regime fiscal, conforme declarado pelos organizadores da Frente Povo Sem Medo. Em todo o Brasil, mais de mil instituições de ensino estão ocupadas, explicitando em suas pautas de reivindicações que são contra a PEC 55/2016. Em meados de outubro a pesquisa CUT/ Vox Populi concluiu que 70% dos entrevistados era contra a PEC 241 que tramitou na Câmara dos deputados, enumerada 55 no Senado. A consulta pública disponibilizada online pelo próprio Senado, no raiar deste dia de votação, aponta que mais de 90% dos respondentes reprovam a emenda, num universo de cerca de 365 mil votos (sendo que esta é consulta pública que recebeu a quarta maior participação no ano). 

 

Será que os senadores estão de fato preocupados em representar os cidadãos de seus Estados? Pois caso a representatividade fosse real, esse regime fiscal não poderia ser aprovado. Pelo menos não hoje. Não é racional aprovar às pressas uma medida tão radical com horizonte de 20 anos, em um conturbado ambiente institucional de ruptura democrática e durante uma crise política e econômica profunda. Por esse motivo a oposição propôs referendo nacional. Afinal, a verdadeira prudência fiscal requer refletir bem antes de se alterar a Constituição do Brasil, afetando dezenas de milhões de pessoas.

Para começar as reflexões, cabe indagar por que estabelecer o teto dos gastos agora? Como evidenciam a comparação internacional e a trajetória das dívidas bruta e líquida, os níveis atuais não são exorbitantes. Mas é verdade que a tendência de crescimento da dívida se acelerou recentemente. Daí, a segunda pergunta: o que causou essa elevação da dívida? Dentre os fatores explicativos, predominou a elevação dos juros. Ou seja, não tem sido o aumento dos gastos primários. Aliás, estatísticas demonstram que as despesas primárias totais caíram em 2015 relativamente ao ano anterior, sendo que a média anual entre 2011-2014 foi a menor em relação aos triênios antecedentes desde a adoção do sistema de metas de inflação em 1999. Todavia a variação das receitas foi menor ainda. O que indica que o imbróglio fiscal está nas receitas e não nos gastos. Mesmo assim, o déficit primário brasileiro de 1,9% do PIB em 2015 esteve na média do mundo – já que a grande maioria dos países também assinalou variação negativa no balanço primário (como EUA, Canadá, Austrália, França, Espanha, todos os BRICS e praticamente todos da América Latina, conforme dados do FMI). 

Deste desajuste entre gastos e receitas se seguem dois caminhos de raciocínio. Um caminho sugere a necessidade de se formular políticas para as despesas nominais, e não somente as primárias. Estas últimas afetam diretamente a quantidade e a qualidade dos bens públicos ofertados conforme os direitos dos cidadãos – como educação, saúde, previdência, assistência social, cultura, esporte, infraestrutura etc. De outra maneira, o déficit nominal (10,8% do PIB em 20150) é apropriado pelos grupos financeiros poderosos, que se beneficiam de uma política monetária que impõe uma das maiores taxas de juros do mundo.  Se aprovada a PEC 55, os interesses financeiros seriam também privilegiados pelo fato da regra se dirigir somente aos gastos, desconsiderando as receitas. Assim, eventuais aumentos de receita mais do que proporcionais à inflação seriam usados para pagar dívida. Oras, esse destino da poupança pública ignora as prioridades da população. E, logo, com a expansão da população e do produto o teto dos gastos implica redução dos gastos do governo por pessoa, que hoje em dia já são precários e insuficientes. Por que a regra é tão simplória? Além de se discutirem outras possibilidades de regra o seguinte caminho de raciocínio seria, então, abordar o problema pelo lado das receitas. Por exemplo, combatendo a sonegação, tributando grandes fortunas e reformando o sistema em favor de maior progressividade e racionalização da tributação da renda da pessoa física. Na ótica keynesiana, em uma economia com desemprego, a elevação dos gastos públicos tende a ser compensada pelo aumento das receitas proporcionado pela dinâmica do multiplicador – o que é especialmente importante nos momentos de crise.

Projeções demonstram que ao longo dos 20 anos, a participação do governo no PIB cairia de 18% em 2015 para 13% do PIB em 2036, com ampliação da parcela dos gastos previdenciários no total. Nem mesmo com a aprovação paralela de outras reformas, como a da previdência e da educação, que visam igualmente a redução do Estado na economia, essa PEC deve ser operável. Além de um provável fracasso na prática, o novo regime fiscal consiste em claro retrocesso em relação à própria concepção de sociedade do Brasil expressa na Constituição de 1988. Os direitos da população brasileira são o verdadeiro alvo da PEC 55.

Se o Senado aprovar o teto dos gastos tal como está, vai confirmar que está enclausurado pelos interesses de uma minoria poderosa e privilegiada que vem radicalizando a sua captura do Estado. Estará cavando a cova das conquistas sociais dos últimos trinta anos, afastando o Brasil do desenvolvimento democrático, inclusivo e soberano. 

Cristina Fróes de Borja Reis – professora de Economia e Relações Internacionais, coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos de Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade da UFABC

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. A inflação oficial vai cair apesar da redução da oferta

    A previsão é de que o PIB do Brasil vai cair abaixo de 1% em 2017. Apesar da redução da oferta, os preços não vão aumentar, pelo contrário, vão cair. Como explicar esse paradoxo?

    Ora, se os limites para as despesas primárias de cada um dos três Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União serão  equivalentes ao exercício imediatamente anterior corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial vai ser bem menor do que a inflação real.

    Essa é mais uma armadilha da PEC do fim do mundo.

  2. Cada líder político cria as

    Cada líder político cria as filas que deseja.

     

    Milhares de cubanos fazem filas para dar um último adeus ao homem que cuidou da Saúde e da Educação deles.

    Michel Temer só produz filas de desemprego e dor e quer economizar dinheiro deixando de cuidar e de educar os brasileiros.

     

     

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