Resistência a PEC 55 no reduto político de Mendonça Filho

Enviado por Josimar

do Marco Zero – Conteúdo

Estudantes ocupam salas de Instituto e resistem à PEC 55 em Belo Jardim, reduto político do ministro Mendonça Filho

Por Laércio Portela e Samarone Lima

No quadro da sala de aula um aviso lembra aos estudantes : “Faz 22 dias que estamos ocupando”. Eles têm entre 17 e 25 anos e, assim como outros milhares de jovens espalhados pelo Brasil, protestam contra a PEC 55 e a reforma do Ensino Médio. Mas sofrem uma pressão única: mobilizam a resistência no reduto político da família do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM).

Isolados sob o sol escaldante do município de Belo Jardim, no Agreste pernambucano, a 184 quilômetros do Recife, desde o dia 26 de outubro os estudantes ocupam um dos blocos do campus do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE).

O prefeito de Belo Jardim, João Mendonça (PSB), é primo e desafeto do ministro. A estátua do pai do ministro e tio do prefeito ocupa espaço nobre no centro da cidade, bem em frente ao hotel da família, na avenida que leva o nome do patriarca José Mendonça Bezerra, antiga Avenida Siqueira Campos.

Mendonça Filho não apoiou a candidatura à reeleição do parente, depositando suas fichas em Dr. Maneco (SD), terceiro colocado nas eleições. Ainda é possível ver pela cidade cartazes com a foto do ministro e seu candidato.

Ação fora do campus

Foram mais de oito horas de debate antes de os alunos decidirem no voto pela ocupação. Mesmo contra a vontade da coordenação do grêmio estudantil. O apoio dos professores e técnicos administrativos aos estudantes ficou sacramentado no dia 3 de novembro em assembleia das duas categorias, que estão em greve desde a sexta-feira (11).

Mas nada é simples em Belo Jardim. A reportagem da Marco Zero Conteúdo esteve no campus na tarde da quarta-feira (16) e pode constatar que alguns professores continuam dando aulas nos blocos desocupados e registrando a falta dos alunos ausentes.

Para alguns professores que apóiam o movimento dos estudantes da ocupação, o boicote à greve e a postura mais intransigente de alguns colegas estão relacionados à própria história da fundação do então Colégio Agrícola de Belo Jardim, em 5 de maio de 1970, em pleno governo do general Garrastazu Médici. Uma história “repleta de autoritarismo”, explicam.

Durante muitos anos, a maior parte dos professores e técnicos eram escolhidos por indicação política. Alguns desses foram integrados permanentemente ao Corpo Docente, mas a maioria do quadro funcional atual é de concursados.

Seja como for, os estudantes não têm se deixado levar pela pressão. Ao contrário, decidiram conduzir a mobilização para fora do campus. No início de novembro criaram uma comissão e visitaram oito escolas estaduais de ensino médio da região.

Fizeram contatos com os professores e diretores e passaram nas salas de aula explicando as razões do movimento e convocando os secundaristas para a passeata que organizaram pelas ruas da cidade no dia 3.

“A gente quer levar a luta para fora do campus. Queremos mobilizar outros estudantes por isso fomos às escolas e fizemos as passeatas no centro da cidade. Explicamos o que é a PEC e porque a gente ocupou o Instituto”, conta Wilson Braz, 25, que faz o curso técnico de agropecuária.

Ele diz que a iniciativa deu certo e levou muitos secundaristas para as ruas na passeata do começo deste mês. Mas também houve resistência. No Erem João Monteiro, a diretoria não deixou os jovens entrarem e conversarem com os alunos. O mesmo aconteceu na escola Maria Galvão.

 

Organização

No bloco ocupado pelos estudantes, eles reservaram um sala para dormitório com colchões e uma barraca de camping. Uma outra sala virou uma espécie de copa, onde conservam os alimentos que recebem em doações de professores, amigos e simpatizantes do movimento.

Numa terceira sala, guardam as faixas, tintas e equipamentos que utilizam nas mobilizações e passeatas dentro e fora do campus. Em todas elas, vários cartazes lembram aos estudantes as obrigações de manter o espaço limpo e preservar o patrimônio.

O campus Belo Jardim do IFPE tem cerca de 800 alunos, 200 deles internos, porque moram em municípios vizinhos. Conta com 96 professores e 68 funcionários, que garantem o funcionamento de cinco cursos: agropecuária, agroindústria, informática e enfermagem (nível técnico), e o curso superior de música (licenciatura).

Quinze alunos têm se revezado na ocupação do bloco A. O grupo é pequeno, mas seu gesto político tem tido ampla repercussão na cidade. O presidente da Câmara Municipal, Gilvandro Estrela (PV), quer “de todas as formas” que os estudantes estejam presentes em uma audiência do processo de impeachment movido contra o prefeito por improbidade administrativa.

“Ele faz questão que a gente vá lá e possa falar sobre o nosso movimento. Isso deve acontecer na próxima semana”, conta David Cavalcanti, 22, do curso de agropecuária.

O assédio também veio dos apoiadores do ministro. Os alunos dizem ter sido procurados pela candidata a vereadora Aracelly Pimentel (PEN) se colocando como interlocutora de uma “possível” conversa dos jovens com Mendonça Filho (DEM). Desconfiados, eles não levaram o assunto adiante.

Na entrada do bloco A, ocupado pelos estudantes, estão fixados cartazes contra a reforma do Ensino Médio, a PEC 55 e o governo Michel Temer.

Na entrada do bloco A, ocupado pelos estudantes, estão fixados cartazes contra a reforma do Ensino Médio, a PEC 55 e o governo Michel Temer.

Tolerância e Enem

Um dos atos que teve maior repercussão na ocupação foi o convite para uma roda de conversa com Júnior Camarim, mais conhecido como Júnior Olorixá Candomblecista de Oyá. Ele fez uma palestra sobre Tolerância Religiosa para mais de 50 alunos.

“O retorno foi muito grande, os que participaram agradeceram muito porque o assunto foi tema da redação do Enem uma semana depois”, contou Ademilson Barros, 18 anos, aluno de agroindústria.

Nem sempre os encontros promovidos pelos estudantes ocorreram num clima de tranqüilidade. Embora o campus funcione das 6h até 22h, uma roda de conversa sobre feminismo foi interrompida pelos seguranças às 21h, alegando que havia “pessoas estranhas” à instituição no local.

Os jovens gravaram a intervenção dos guardas e postaram na internet. “Tudo que a gente faz aqui, a gente filma, fotografa e posta para mostrar como aconteceu”. Não por acaso, eles observam que desde o início da ocupação a internet ficou “absurdamente lenta”.

Outro incidente aconteceu numa roda de conversa sobre as conseqüências da PEC 55 realizada no feriado de Finados. O professor Rodrigo Novaes do Colégio Diocesano e o estudante de psicologia Renan Araújo foram barrados pelos guardas sob a alegação de que a entrada no campus nos finais de semana e feriados só poderia acontecer com a aprovação do diretor.

Depois de muita insistência, eles finalmente entraram. O que chamou a atenção dos estudantes é que nos finais de semana e feriados o campus sempre fica aberto para o acesso do público externo.

Sem música, ministro?

A reportagem da Marco Zero Conteúdo acompanhou uma reunião entre professores, funcionários e alunos do Instituto na tarde da quarta-feira (16). O encontro aconteceu em uma das salas do bloco do curso de licenciatura em música, criado há cinco anos, bem avaliado pelo MEC (tem nota 4), atualmente com 80 alunos matriculados. As salas de aula de música estão totalmente vazias.

É que a Medida Provisória 746, que tira a obrigatoriedade das aulas de música do ensino médio, praticamente inviabiliza o futuro profissional dos jovens que resolveram investir sua formação na área.

Em outras palavras, se a MP for adiante, as escolas do ensino médio em Belo Jardim não precisam mais ter aulas obrigatórias da disciplina. A contradição é que no município de Mendonça Filho, a música tem mais valor. A A lei 1.549, aprovada em 2002 pela Câmara de Vereadores, obriga o ensino de música na rede municipal. Em 2008, a lei federal 11.769 também determinou a obrigatoriedade do ensino de música na educação básica (infantil, fundamental e ensino médio) de todo o país.

Tudo cai por terra com a MP 746. “É uma grande incoerência”, afirma a pedagoga Andreza Cordeiro, professora de licenciatura em música do IFPE.

Ela observa que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), que retomou a obrigatoriedade do ensino de artes na educação básica depois da ditadura, tramitou por oito anos. “Como é que se assina uma Medida Provisória assim tão rapidamente, interferindo no futuro de tantas pessoas, sem nenhuma discussão?”, questiona.

Inconformados, os alunos de música do Instituto decidiram criar um Diretório Acadêmico, para engrossar a luta.

Até aguentar

Na reunião, muitos professores lembram de uma greve em 2012, que teve praticamente 100% de adesão. Mas era por outro motivo, questões basicamente salariais. “Hoje, é uma greve política mesmo, em função de uma sociedade que a gente quer defender, contra um projeto que a gente quer derrotar. É uma greve em defesa da educação pública”, frisa a pedagoga Bernardina Araújo.

“Mobilizado todo mundo está, de uma forma ou de outra”, diz a professora Andreza.

Serena e sorridente, a jovem Stefany dos Santos Silva, de 17 anos e estudante de agroindústria, brinca dizendo que os estudantes da ocupação são muito resistentes e manda um recado: “A gente vai ficar aqui até agüentar”.

 

 Cultura personalista vem de longe

“A base de informação das pessoas é a Rede Globo e isso acaba colocando muitos pais e setores da comunidade contra os estudantes”, lamenta o professor de informática do IFPE, João Almeida, que faz um trabalho de extensão na Penitenciária de Pesqueira, a 30 quilômetros de Belo Jardim.

“Muita gente aqui é torcedor. A cidade é dividida entre os admiradores de José Mendonça e admiradores de Cintra Galvão (antigos rivais políticos já falecidos). Eles sempre se colocaram como os políticos que trouxeram tudo para a cidade. Ocupam um lugar de reverência. São os pais de Belo Jardim. E não é fácil romper com o pai”, explica a professora Bernardina Araújo.

Enquanto a reportagem da Marco Zero se reunia com os professores para entender a mentalidade conservadora do mundo político de Belo Jardim, um deles pede silêncio: “Acabei de receber uma informação no zap. Tem um professor dizendo que aqueles que participaram da passeata da sexta-feira vão todos responder a processo administrativo”.

Na última sexta (11), dia nacional de mobilização contra a PEC 55, estudantes da ocupação, alunos secundaristas, representantes de sindicatos e movimentos sociais e professores do IFPE tomaram as ruas centrais de Belo Jardim num protesto contra as reformas do ministro Mendonça Filho.

Ao passar pela estátua de José Mendonça, patriarca do clã, os estudantes penduraram um cartaz com os dizeres “Xô, Mendonça. Educação é prioridade” e colocaram um adesivo tapando a sua boca. A manifestação gerou polêmica. Alguns blogs da cidade chegaram a falar em “movimento criminoso”.

A estátua de José Mendonça Bezerra, no centro de Belo Jardim, pai do ministro Mendonça Filho e tio do prefeito João Mendonça

A estátua de José Mendonça Bezerra, no centro de Belo Jardim, pai do ministro Mendonça Filho e tio do prefeito João Mendonça

“Ninguém pichou nada. Ninguém vandalizou nada. Colocamos um cartaz em defesa da educação e depois tiramos. Qual é o mal nisso?”, pergunta um estudante. “Na verdade, eles constroem a polêmica para dar visibilidade à família. Eles têm medo que com o tempo as pessoas esqueçam de quem é aquela estátua”, afirma um professor.

A quase 200 quilômetros do Recife, estudantes, professores e servidores estão empenhados mesmo é em não deixar os belo jardinenses esquecerem os males da PEC 55 e da reforma do Ensino Médio encaminhadas pelo seu filho “ilustre”.

Caminhões circulam pela cidade de Belo Jardim vendendo tonéis de mil litros de água. Falta crônica de água atinge torneiras das casas há pelo menos 5 meses

Caminhões circulam pela cidade de Belo Jardim vendendo tonéis de mil litros de água. Desabastecimento crônico atinge torneiras das casas há pelo menos 5 meses

Corte da água chegou antes do que o corte na educação

A manifestação dos estudantes do IFPE contra os cortes na educação não é o único tema que tem mobilizado a opinião pública em Belo Jardim. A cidade atravessa uma das maiores secas da sua história. Já são mais de cinco meses sem o fornecimento regular de água nas torneiras. E não estamos falando da zona rural. A escassez atinge em cheio os bairros urbanos do município.

“Antes a gente tinha quatro dias com água e quinze sem água. A situação era muito difícil, mas pelo menos dava para armazenar. Agora nem isso. É seca total”, conta o moto-taxista Antônio Cícero, 28 anos.

A falta de água fez crescer o comércio do produto vindo de outras cidades do estado. É praticamente impossível andar pelas ruas de Belo Jardim sem cruzar de cinco em cinco minutos com um dos caminhões que vendem tonéis de água de mil litros. O preço varia de R$ 40,00 até R$ 60,00. Cada caminhão vende diariamente entre 6 e 8 mil litros.

Severino Manoel Oliveira, 80 anos, nascido em São Bento do Una e morador há 60 anos de Belo Jardim, diz que nunca presenciou uma seca tão forte como essa. “De vez em quando eu boto água na caixa para lubrificar e não enferrujar os canos de casa e também fiz a vedação deles para não entrar bicho e entupir tudo”, conta o pedreiro que já construiu prédio em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Seu Severino diz que ouviu falar da manifestação dos estudantes e não sabe no que ela vai dar, mas não poupa criticas ao ministro Mendonça e aos políticos da cidade. “Ele só aparece aqui em período de eleição. Recentemente teve aqui para apoiar seu candidato. Isso não existe. Eu é que não voto nesses políticos. Você veja: tamo vivendo uma seca danada, um sofrimento sem fim e ninguém mexe nisso. E nós aqui se acabando”.

Seu Severino gasta R$ 100,00 por mês com a compra de água. “Eu ainda tenho meu dinheirinho da aposentadoria, mas fica muito pesado. E olhe que lá em casa sou só eu e a mulher. Tem gente por aí em situação muito pior”.

Belo Jardim dos Mendonças

Nas últimas eleições para deputado federal, em outubro de 2014, um total de 14.195 moradores de Belo Jardim saíram de suas casas para votar em Mendonça Filho. Esse número representava mais de 42% dos eleitores da cidade do Agreste pernambucano e, obviamente, fez do atual ministro da Educação do governo Temer o candidato mais votado da cidade naquela disputa. Tamanha quantidade de voto tem uma explicação: o sobrenome Mendonça.

Há décadas a família Mendonça influência a política local.

João Mendonça (PSB) cumpre o seu terceiro mandato no comando do Executivo municipal, foi reeleito no mês passado, mas não sabe se tomará posse pela quarta vez. Ele teve seu registro indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Pernambuco acusado de improbidade administrativa e aguarda julgamento de um recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na ruas de Belo Jardim ainda é possível ver fotos do ministro Mendonça Filho em apoio ao Dr. Maneco, terceiro colocado nas eleições municipais deste ano

Na ruas de Belo Jardim ainda é possível ver fotos do ministro Mendonça Filho em apoio ao Dr. Maneco, terceiro colocado nas eleições municipais deste ano

Os dois representam a “nova” geração da família na política. O deputado e ministro, com 50 anos, e o prefeito, com 49, seguem o caminho aberto por José Mendonça Bezerra. Mendonção, como era conhecido, morreu em 2011 como principal “chefe” político da cidade. Sua primeira eleição foi para deputado estadual, em 1975, pela Arena (partido que apoiava a ditadura). Entre 1979 e 2010 cumpriu sete mandatos como deputado federal. Na sua última eleição, em 2006, obteve 15.245 votos na sua cidade natal (40,1% do total de votantes).

Mendonção foi o principal avalista da aliança do PMDB de Jarbas Vasconcelos com o PFL (atual DEM) de Roberto Magalhães. A coligação União por Pernambuco comandada pelos dois partidos garantiu dois mandatos de vice-governador a Mendoncinha, entre 1999 e 2006, na chapa encabeçada por Jarbas.

Em 2010, Mendonção resolveu não se candidatar a deputado federal. Em seu lugar, lançou o filho. O resultado final comprovou a “fidelidade” da cidade à família. Apuradas as urnas, Mendoncinha conseguiu incríveis 15.324 votos em Belo Jardim. Praticamente a mesma votação do pai quatro anos antes.

Líder da oposição no Congresso Nacional, Mendonça Filho foi convidado a assumir o Ministério da Educação logo após o afastamento da então presidenta Dilma Rousseff, em maio, antes mesmo da confirmação do impeachment que só aconteceu no final de agosto. Desde então sua agenda de reformas e cortes na educação tem mobilizado contra ele e o governo Michel Temer milhares de estudantes secundarias e universitários por todo o Brasil. Mais de mil escolas secundarias e 150 campus universitários estão ocupados pelo país contra a PEC 55 e a reforma do Ensino Médio que tira a obrigatoriedade do ensino de artes, educação física, sociologia e filosofia nas salas de aula.

 

Redação

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