Jose Luis Fiori
José Luís Fiori - Professor emérito dos Programas de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ), da UFRJ. Coordenador do GP do CNPQ, “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, e do Laboratório de “Ética e Poder Global”, do NUBEIA/ UFRJ,
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A nova ordem mundial do petróleo, por José Luís Fiori

na AEPET

A nova ordem mundial do petróleo

por José Luís Fiori

Nas duas últimas décadas do século passado, a Guerra Irã-Iraque, entre 1980 e 1988, a Guerra do Golfo, entre 1990 e 1991, e o fim da URSS, em 1991, atingiram em cheio alguns dos maiores produtores e exportadores mundiais de petróleo, dividindo e enfraquecendo a OPEP, e destruindo a capacidade de produção russa. Foi um período de anarquia no mercado mundial de petróleo, e ocorreu no mesmo momento em que as grandes corporações petroleiras privadas promoveram uma grande desconcentração e “desverticalização” do seu capital e de suas estratégias, enquanto o petróleo era transformado num “ativo financeiro” cujo preço era renegociado diariamente nas Bolsas de Nova York e Londres. Entretanto, no final dos anos 90 e início do século XXI, esta tendência foi revertida de forma abrupta e radical. E tudo começou, surpreendentemente, pelas próprias petroleiras privadas anglo-americanas, que comandaram – a partir de 1998 – uma nova revolução na indústria privada do petróleo, envolvendo-se num processo gigantesco de fusões de empresas que já eram as maiores do mundo, e que deram origem às atuais Exxon-Mobil, ConocoPhillips, Chevron, BP, Total, ou mesmo, à norueguesa StatoilHydro.

Esse terremoto inicial assumiu logo em seguida novas formas com a reestatização e reorganização das grandes empresas energéticas russas, chinesas e indianas, junto com a expansão das empresas estatais da Arábia Saudita e de vários outros países incluindo o Brasil, sobretudo depois da descoberta do petróleo em águas profundas, em 2006. E de um passo decisivo com as novas formas de exploração intensiva do petróleo de xisto que recolocou os EUA entre os três maiores produtores mundiais de óleo. Uma transformação tão rápida e profunda que levou o grande especialista norte-americano, Michael Klare em petróleo, a afirmar que o mundo havia entrado numa “nova ordem energética internacional”, caracterizada pela hiperconcentração do capital petroleiro privado, pela multiplicação das grandes petroleiras estatais, e pela crescente hegemonia do nacionalismo econômico e do “nacionalismo energético”, entre as grandes potências do sistema mundial, mesmo entre as chamadas “potências liberais”, incluindo os Estados Unidos de Donald Trump, o último dos “conversos”. E de fato, 20 anos depois do início desta transformação, cerca de dois terços das reservas de petróleo do mundo se concentram no território de 15 países, e em 13 deles são de propriedade estatal; das 20 maiores empresas petroleiras do mundo, 15 são estatais e controlam 80% das reservas mundiais. As outras cinco empresas são privadas e controlam menos de 15% da oferta mundial do petróleo. Por isso, tem toda razão Daniel Yergin – outro grande especialista americano – quando diz que nos dias de hoje as principais decisões relativas ao petróleo – da definição dos preços ao traçado das grandes estratégias – são tomadas pelos Estados nacionais e suas grandes empresas públicas.

É muito difícil identificar uma causa única que explique esta revolução na ordem mundial do petróleo. Mas é possível pelo menos destacar algumas turbulências fundamentais, que ocorreram simultaneamente. No plano econômico, o enorme crescimento dos países asiáticos e, em particular, da China e da Índia, que produziu um verdadeiro “choque de demanda” sobre o mercado mundial de petróleo. Por outro lado, no plano geopolítico, a guerra quase contínua no Oriente Médio, que já se prolonga desde 2001, provocando um verdadeiro “choque de expectativas” negativas no mercado mundial, com a perspectiva de uma guerra permanente envolvendo as grandes potências, e quase todos os países de dentro e fora daquela região com grandes reservas de petróleo. Por fim, como consequência destes acontecimentos intensificou a concorrência das grandes potências, e sua luta para conquistar e monopolizar os novos recursos descobertos neste período, sobretudo no Canadá, Venezuela e Brasil. Assim mesmo, olhando de maneira mais ampla, se pode dizer também que esta nova “ordem do petróleo” é de fato um produto de longo prazo da expansão do sistema interestatal capitalista, ocorrida na segunda metade do século XX. Não se trata apenas da entrada da China e da Índia; trata-se de um sistema com 200 Estados nacionais que disputam hoje um recurso absolutamente escasso, concentrado e essencial para sua sobrevivência como sociedades e economias nacionais, mas também como unidades territoriais soberanas que participam de uma luta sem quartel pelo poder e pela riqueza mundial.

Nesse contexto geopolítico, e nessa nova ordem mundial do petróleo, só uma elite inteiramente corrompida e rebaixada, do ponto de vista moral, e completamente imbecilizada, do ponto de vista intelectual, pode abrir mão do controle estatal de seus recursos energéticos nacionais já conquistados. Julho de 2018

Obs: Este artigo foi, inicialmente, publicado em GEEP e faz parte de uma série sobre as mudanças internacionais dos últimos anos, analisadas a partir da estratégia dos seus principais atores, e de sua posição dentro dos principais tabuleiros geopolíticos e geoeconômicos mundiais.

Obs: José Luís Fiori é Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, e do Programa de Pós-Graduação em Pós-Graduação em Bioética e Ética Aplicada da UFRJ; Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq/UFRJ, “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, www.poderglobal.net, e do Laboratório de “Ética e Poder Global”, do PPGBIOS; e consultor do GEEP-FUP.

 

Jose Luis Fiori

José Luís Fiori - Professor emérito dos Programas de Pós-graduação em Economia Política Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ), da UFRJ. Coordenador do GP do CNPQ, “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, e do Laboratório de “Ética e Poder Global”, do NUBEIA/ UFRJ,

6 Comentários

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  1. A nova ordem do petróleo é o 

    A nova ordem do petróleo é o  fim.

    Em menos de 20 anos, terá a mesma utilidade que uma lamparina nos arrebaldes desse mundão.

       Ou vela mesmo.

      1. SÓ NOS FALTAM AS PENAS. MAS DIRÃO: A CULPA É DO TRUMP !!

        (azissem : perfeito.) Nova Ordem Mundial? Mas nossa Ingenuidade Tupiniquim inflada por Ong’s Internacionais renomadas, fazendo o jogo das Petrolíferas dos seus países (coincidência a maioria ser dos mesmos países das maiores petrolíferas?) alavancando Candidaturas e Posições dentro de Partidos dito Progressistas e de Esquerda, não é mesmo Dona Marina? E o discurso era fácil: o petróleo não é mais nada daquilo. Não terá mais interesse e mercado mundiais. O Aquecimento Global destruirá o Planeta. A queima destes Combustíveis os tornará inviáveis e aumentará o tal Aquecimento. O petróleo está acabando com as Calotas Polares. Vendam suas Empresas e suas Reservas. Nós, das maiores Petroleiras e Governos, não temos interesse. É uma Indústria em decadência. Os preços do petróleo em decadência inviabilizarão novos campos e novas explorações como o Pré-Sal Brasileiro. Em poucos anos não terá mais petróleo, nem seu mercado. E estamos nesta situação por causa do ‘malvado’ capitalismo e colonialismo na figura do Trump?!! Realmente é difícil caminhar para a frente, com duas pernas. Com quatro, a dificuldade dobra. Nem as penas nos suportam mais. O Brasil é de muito fácil explicação.  

  2. bom post.

    Muito  bom como sempre. 

    “Só uma elite inteiramente corrompida…” e nós temos essa elite, e isso explica tudo.

  3. Falhou a educação.

    Em algum momento, a formação educacional de nossa elite falhou. Percebe-se sua recusa em conduzir os destinos do país. Como ser um país desenvolvido se a elite que detém o poder econômico e financeiro se nega a participar. Nos países desenvolvidos é ela quem comanda a vida econômica e política, inclusive a formação de seus descendentes. Dito isso, volto à educação. O sistema educacional, nos países desenvolvidos, faz saber aos seus frequentadores quais as necessidades do país para que continue sendo um país desenvolvido. E é aí que entra a procura, o acesso, o domínio de fontes de matérias prima, onde o petróleo é o carro chefe. Países industrializados ou não, não podem abrir mão desse bem, até aqui, insubstituível. É ele que dá o suporte aos fundamentos da economia – produção, circulação e consumo –, visando o bem estar de todos. Não se iludam, apoiados em seus poderes econômico, financeiro e, porque não dizer, bélico, esses países vão buscar o petróleo onde quer que esteja, pois a população não aceitaria ver seus empregos e, consequentemente, seu estilo de vida, virarem pó no futuro.

    Parece que nos países não desenvolvidos isso não é ensinado. A população conta com o Estado para controlar e, se possível, explorar as matérias primas mais importantes para seu desenvolvimento. E é aqui que entram os detentores do poder. Abrir mão dessa tarefa é perder o bonde da história e colocar a população na condição de eterno subdesenvolvimento. Será que nossa classe dominante está dizendo que nada aqui nos pertence?

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