Brasil precisa consolidar política fiscal, avalia professor da Uerj

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Professor da UERJ, Luiz Fernando de Paula avalia que a economia brasileira necessita de uma consolidação fiscal gradual e de longo prazo. A medida evita a deterioração da percepção de risco e contribui para o aumento da confiança e o crescimento. Para ele, o desafio está em consolidar um programa fiscal que não comprometa os investimentos sociais e em infraestrutura. As dificuldades de se gerir isso, hoje, tem relação com o baixo crescimento da economia mundial e com a demora do governo em mudar o consumo de bens duráveis para investimentos em infraestrutura.
 
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Leia a entrevista completa.
 
Sugerido por Assis Ribeiro
 
Da Carta Capital

“Brasil precisa de consolidação fiscal gradual e de longo prazo”

Mudança no cálculo no superávit primário é “mal menor” diante da “contabilidade criativa”, diz professor de Economia da Uerj

A oposição e o sistema financeiro, em uma iniciativa previsível, rotularam como “manobra contábil” o projeto enviado pelo governo ao Congresso para abater os totais de investimentos do PAC e das desonerações até o fim deste ano, da meta fiscal. A aprovação da proposta poderia equilibrar as contas e é coerente com as respostas de outros países a uma economia mundial enfraquecida pela crise desencadeada em 2008. Em abril, apenas quatro países entre as 20 maiores economias (Brasil, Alemanha, Itália e Arábia Saudita) registraram superávit primário, mostram dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). No período de 2008 a 2013, o País obteve o segundo maior superávit primário do mundo.

O acolhimento do projeto aumentaria a liberdade para execução da política econômica e poderia resultar em ganhos para o País, principalmente se os recursos usualmente reservados para pagamento dos juros da dívida interna forem direcionados a investimentos em infraestrutura.

O sistema financeiro insiste na necessidade de um ajuste fiscal para evitar a chamada deterioração da percepção de risco e contribuir para o aumento da confiança e o crescimento. Considera um dos pontos mais importantes a obtenção de um superávit fiscal “multianual” de 2% a 2,5%, embora aceite como realista algo entre 1% e 1,3% no próximo ano. O setor aposta no chamado “pragmatismo sob coação”, na formulação do analista da Nomura Securities Tony Volpon, emanada em setembro, em plena campanha eleitoral. Supõe a inevitabilidade de adoção dos seus cânones pelo governo, se houver pressão suficiente.

A exigência corre o risco de se tornar anacrônica, a julgar pelos movimentos de mudança de concepções em curso no cerne do sistema. O FMI, por exemplo, fez uma autocrítica dos seus atos na crise desencadeada em 2008. Concluiu ter errado ao adotar a austeridade fiscal em 2010, ao não diferenciar as economias de moeda conversível das que não a tem e ao subestimar os efeitos negativos da contração fiscal.

O aumento das dificuldades na gestão fiscal nos últimos anos guarda estreita relação com a persistência do baixo crescimento da economia mundial e a degradação da situação interna por conta da demora de o governo mudar a ênfase do consumo de bens duráveis para investimentos em infraestrutura.

“O grande desafio da próxima gestão é apresentar e realizar um programa que realize uma consolidação fiscal gradual de longo prazo crível sem comprometer os investimentos sociais e em infraestrutura”, avalia o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que concedeu a entrevista a seguir:

CartaCapital: Como o senhor vê a situação fiscal?

Luiz Fernando de Paula: Há um problema na gestão fiscal que vem desde 2012, quando o governo disse que ia cumprir o superávit primário prometido e acabou só cumprindo com o uso da chamada “contabilidade criativa”. Desde então a autoridade econômica teve a sua credibilidade afetada e o mercado financeiro vem exigindo crescentemente um maior comprometimento do governo com um processo de ajuste fiscal. A situação fiscal acabou por se deteriorar pelo fato de que as desonerações fiscais realizadas a partir de 2012 tiveram reduzido efeito sobre a produção industrial – as firmas recompuseram suas margens de lucros (fortemente comprometidas) e não aumentaram a produção –, de modo que houve uma renúncia fiscal por parte de governo que não veio acompanhada de um maior crescimento econômico.

CC: Qual é o quadro de neste ano?

LFP: Em particular em 2014 a situação fiscal ficou comprometida pelo baixo crescimento da economia brasileira. Dada a rigidez de uma série de despesas de governo (transferências, programas sociais etc.), o resultado tem sido uma certa deterioração da situação fiscal, ainda que seja exagero falar em “gastança” e desequilíbrio fiscal insustentável.

CC: Quais são as alternativas do governo?

LFP: O governo parece ter se defrontado com um dilema ao final deste ano: cumpre o superávit primário fiscal com receitas extraordinárias e uso de contabilidade criativa, ou abate determinadas despesas (relacionadas a estímulos ao crescimento) do cálculo do superávit primário. Não há “first best solution” neste caso, pois qualquer das duas opções acarretam uma certa deterioração na credibilidade da autoridade econômica. Acredito que a primeira opção seria a pior de todas, pois significaria fazer uso de artifícios que têm sido fortemente criticados. Assim, o abatimento de desonerações e investimentos do PAC me parece um “mal menor”, mas justificável perante o mal desempenho da economia brasileira (ainda que criticável, pois ex-post as medidas de estímulo ao crescimento foram pouco efetivas).

CC: Como vê o papel desempenhado pelo sistema financeiro?

LFP: Em uma economia aberta como a nossa e com um sistema financeiro sofisticado e poderoso, o mercado financeiro está impondo a realização de um ajuste fiscal que reduza o déficit fiscal e a dívida pública bruta. O grande desafio da próxima gestão é apresentar e realizar um programa fiscal que realize uma consolidação fiscal gradual de longo prazo crível sem comprometer os investimentos sociais e em infra-estrutura.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Excelente entrevista!

    Tipo de texto impossível de ler no “Valor Econômico”, então nas revistas e diários das famílias Frias, Marinho e Civita nem pensar.

  2. com a palavra…

    … os nobres “congressistas” para votar a proposta de redução feita pelo executivo.

    O sistema financeiro quer reduzir a capacidade de manobra do governo brasileiro de administrar os JUROS.

    Para isso precionará os nobres congressistas a rejeitar a proposta, mas qualquer coisa diferente de aprovação será considerada ANTI PATRIÓTICA.

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