Parecer de Janot sobre súmula vinculante 69 cai como bomba nos governos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Valor Econômico

Todos “matutando” sobre o parecer de Janot
 
Por Ribamar Oliveira
 
O parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pela aprovação da súmula vinculante 69 do Supremo Tribunal Federal (STF), caiu como uma bomba nos governos estaduais, principalmente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Janot rejeita todos os argumentos contrários à súmula e propõe que ela seja editada imediatamente, nos termos em que foi inicialmente apresentada pelo Supremo. Ou seja, sem qualquer modulação dos efeitos da decisão.
 
Os governadores e secretários de Fazenda estão, nesse momento, “matutando sobre as implicações do parecer”, como sintetizou ao Valor um secretário. Para alguns, a manifestação de Janot adiciona um ingrediente a mais no quadro de insegurança jurídica em que estão mergulhadas as empresas que realizaram investimentos com incentivos estaduais. Com isso, os novos investimentos, que já estavam travados, podem ser adiados.
 
Em abril de 2012, depois de julgar várias ações e decidir pela inconstitucionalidade de benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), concedido pelos Estados sem aprovação prévia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Supremo apresentou a proposta de súmula vinculante 69. Ela prevê que qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional.
 
Se a súmula for editada sem a modulação dos efeitos da decisão, como recomenda o procurador-geral, todos os incentivos fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos Estados sem aprovação prévia do Confaz, deixarão de existir. Assim, o Ministério Público moverá ações na Justiça para que as empresas beneficiadas pelos incentivos recolham o ICMS que deixaram de pagar aos cofres estaduais.
 
Em seu parecer, Janot considera desnecessário adiar a edição da súmula até que sejam analisadas outras ações que envolvem a aprovação de convênios ainda pendentes de julgamento pelo STF. Entre essas ações está a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 198, que questiona a constitucionalidade da exigência de unanimidade de votos dos representantes dos Estados nas reuniões do Confaz para a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS.
 
Para Janot, o texto da súmula vinculante sugerido pelo Supremo “não faz alusão à forma e ao quórum, mas apenas à aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz”. Assim, no entendimento do procurador-geral, a discussão quanto a tais aspectos da aprovação dos convênios não pode ser vista como condição preliminar e prejudicial ao julgamento da proposta.
 
Ao analisar essa questão, Janot deixa claro a posição da Procuradoria-Geral sobre o quórum do Confaz para decisão de benefícios fiscais. Segundo ele, a exigência de decisão unânime dos Estados representados nas reuniões do Confaz “não viola o princípio democrático, pois tem o objetivo – legítimo – de assegurar o pacto federativo, mediante a inibição da ‘guerra fiscal’ entre os Estados”.
 
Para Janot, o argumento de que a aprovação dos incentivos fiscais pelo Confaz está regulada pela Lei Complementar 24/1975 “não é suficiente para a rejeição formal da proposta, pois não afasta a natureza constitucional da matéria”.
 
O procurador-geral observa que o Supremo vem repudiando todas as tentativas legislativas e administrativas dos Estados em conceder benefícios fiscais unilateral e indiscriminadamente, “valorizando, de modo inequívoco, o primado da federação”.
 
Para ele, a celebração de convênios no âmbito do Confaz, cuja obrigatoriedade é reafirmada na súmula vinculante, “visa exatamente a evitar essas práticas que, em última análise, provocam a desestruturação do pacto federativo, mediante o exorbitante favorecimento do ente público desonerador, em prejuízo dos demais entes da federação”.
 
Na opinião de Janot, a proposta de súmula vinculante pretende evitar a concessão de benefícios unilaterais. “A proposta assegura, portanto, a indissolubilidade da federação”, sentencia.
 
O procurador-geral contesta os argumentos contrários à proposta de que a interrupção abrupta dos incentivos fiscais implicará, para a maioria dos Estados brasileiros, problemas como o desemprego, insolvência de empresas, aumento da violência e degradação dos serviços públicos mantidos pela arrecadação do ICMS. Esses argumentos foram apresentados pelos governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em reuniões com ministros do Supremo.
 
Janot observa que apenas, e exclusivamente, a União pode estabelecer políticas que afetem a competitividade, em prol do desenvolvimento de regiões mais pobres do país. “Essa é a única forma de redução de desigualdades equânime, sustentável e considerada constitucional”, diz o parecer. Os Estados e municípios “não têm tal responsabilidade, a não ser que concordem, por unanimidade, com uma política comum de incentivos”.
 
Por fim, Janot argumenta que a modulação dos efeitos da decisão “parece não ser necessária”. Primeiro, porque a proposta de súmula está pautada em entendimento que já vem sendo reiteradamente adotado pelo STF ao tratar de ações que envolvem a “guerra fiscal”. Depois, porque, caso a súmula vinculante seja aprovada, todos os incentivos concedidos após a sua vigência, em desacordo com a regra nela estabelecida, deverão ser considerados inconstitucionais. “Dados os benefícios do novo caminho, mais célere, que pode ser inaugurado com a aprovação da proposta, não há razões para postergá-lo; pelo contrário, deve-se permitir a sua imediata utilização”, conclui.
 
A questão agora é saber quanto tempo o Supremo levará para editar a súmula, e se ele acolherá a opinião de Janot, de que não seja feita modulação dos efeitos da decisão. O mais sensato seria o Confaz chegar logo a um acordo sobre os incentivos fiscais já concedidos e as regras que valerão no futuro, permitindo ao Senado votar a proposta de reforma do ICMS, engavetada no ano passado. Mas tudo indica que isso não ocorrerá neste ano de eleições gerais.
 
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

14 Comentários

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  1. icms

    E o caso da lei kandir feita sob medida para a Vale privatizada? Também não isentou de icms exportadoras de matérias primas em claro favorecimento de particular com o empobrecimento do estado? Quero entender ou nesse caso não tem nada a ver?

  2. em SC

    Se assim for aprovada e posta em prática, Santa Catarina vai pro saco, literalmente, haja vista a quantidade de incentivos, contrários à regra, desde sempre concedidos em função da criação e manutenção de currais eleitorais. Não arriscaria dizer que os mesmos também beneficiam outros negócios, não tenho provas eou evidências formais e materiais. O preclaro LHS não irá gostar. Nem os bornhausens agora socialistas desde criancinhas.

    1. Voce imagine um produto que

      Voce imagine um produto que se vende por 1.000 reais, tem 180 reais de ICM a pagar em Santa Catarina, o consumidor em São Paulo ao pagar 1.000 reais pelo produto está pagando 180 reais de ICM que DEVERIA ser recolhido ao Estado de Santa Cararina MAS o Estado desde os anos 60 , com inflação brava, permitia pagar esses 180 reais de ICM EM 10 ANOS,

      quer dizer o fabricante podia usar esse dinheiro sem correção e sem juros por DEZ anos. Com isso esse fabricante formaria o seu capital de dgiro DE GRAÇA, o que deveria ser pago de ICM ele paga em 10 anos, os 180 reais vale centavos, quer dizer esse ICM DIFERIDO É NA REALIDADE UMA DOAÇÃO DO ESTADO Á EMPRESA.

      O que aconteceria com seus concorrentes em São Paulo? FECHARIAM. E foi exatamente o que aconteceu, fecharam centenas de fabricas de atoalhados, cobertores, procelana e artefatos de vidro. Havia em São Paulo grandes fabricas de motores eletricos, GE, Arno, Bufalo, Brasil. FECAHRAM TODAS em beneficio da WEG que se capitalizou com o ICM não recolhido por 40 anos. Ninguem consegue competir com esse modelo.

      A ARISCO em Goiás liquidou com a CICA de Jundiai, que tinha 6.600 empregados. São Paulo perdeu milhares de industrias por causa desse TRUQUE fiscal. E tem gente que acha isso certo, doar dinheiro publico para empresas privadas, distorcendo toda a estrutura industrial do Pais, que tornou-se um mar de maracutais fiscais da pior especie.

      A concessão desse beneficio fiscal se dá em um pano de fundo de “”vantagens”” que dependem de uma ASSINATURA,

      quanto vale essa assinatura? Então o mecanismo de concessões no campo do ICM se imbrica na POLITICA, porque é uma DOAÇÃO DE DINHEIRO PUBLICO A UM EMPRESARIO mediante uma simples assinatura. Quanto vale? Deixo para a imaginação do leitor.

      Infelizmente a Sumula veio muito tarde, depóis de imensos estragos feitos.

  3. A ordem é: TRAVAR. Que se

    A ordem é: TRAVAR. Que se danem os cidadãos, os eleitores. Os ministros e o PGR foram eleitos e, como expert em Economia, podem criar regra, fazer leis como lhes convêm a sua sede de poder. Que se lasquem!

  4. campeão mundial em processos judiciais relativos a tributos.

    O que se tem no Brasil é o caos tributário. Muitas leis, portarias, súmulas tratando dos impostos pagos pelo contribuinte. Uma teia incompreensível.

    Não é sem motivo que o Brasil é o campeão mundial em processos judiciais relativos a tributos.

    Improvável existir uma empresa sem processos ou pendências no setor tributário, o que faz a festa de advogados e adevogados.

     

     

  5. Querem arrastar uma questão

    Querem arrastar uma questão que é do domnio da politica para o da tecnocracia jurídica, das divindades do judiciário, inacessiveis e inatacáveis!

    Isso é tipo exdruxulo de conversão da jurisdicionalização em forma de governo, descartanto a soberania popular no processo, é claro!

  6. É canetaço para todo lado.

    Quanto vale uma canetada do governo para uma isenção fiscal? Some-se a esta, a notícia de que o senado prepara a PLS323/2010 que trada da substituição tributária.  Que caos é este?  Ah, so pra lembrar: cadê a reforma tributária? Se para complicar a vida de quem empreende, somos campeões. O “legal” é que ninguem faz nada contra isso!

    Natan 

     

  7. Haja confusão
    Quanto vale uma canetada governamental? Junte-se a esta, a notícia de que o senado prepara a PLS 323/2010 sobre substituição tributária e está formado o caos sobre legislação. Cadê a reforma tributária que colocaria ordem nas coisas? A grande verdade é que ninguém está ligando muito para isto não. No final quem irá pagar a conta será mesmo o consumidor final e os nossos eleitos não se preocupam que esta raça de besta não.

  8. E a autonomia do estado?

    Interessante: pacto federativo. Mas e a autonomia do estado e dos municípios, garantida pela Constituição Federal?

    Ora, o poder de tributar, de projetar alíquotas, pelos estados membros tem que ser respeitado pelo Judiciário, pois é muito importante para o desenvolvimento de cada um deles. Há uma desigualdade sem limites entre os estados e, neste caso, é importante que a sua autonomia seja respeitada para possibilitar-lhes o seu desenvolvimento e sua sobrevivência.

     

    1. Nada a ver. Autonomia se dá

      Nada a ver. Autonomia se dá dentro de regras constitucionais e para isentar mercadorias de ICM depende de aprovação do CONFAZ, o que a PGR fez foi confirmar o que sempre esteve na lei e é sistematicamente decumprido. Quando um Estado procede fora da lei PREJUDICA outros Estados e rompe o pacto fecerativo.

      1. É lei complementar e não faz parte da Constituição Federal.

        Mota

        Realmente existe uma lei complementar nº 24, de  7 de janeiro de 1975,  assinado lá no tempo da Ditabranda da Foia, assinada pelo saudoso e não arbitrário Ernesto Geisel.

        Mesmo sendo uma lei que pretende regulamentar a Constituição, objetivo de uma lei complementar,  face a sua omissão na Constituição,  deveria ser, no meu modesto entendimento, tida como inconstitucional. Foi feita para um momento histórico e anterior, ainda, a atual Constituição Federal, onde um dos pontos importantes, na Federação, é a garantia da autonomia dos estados e municípios.

        Infelizmente, penso que a súmula irá trazer sérios prejuizos ao desenvolvimento dos estados, máxime aqueles mais pobres, que buscam capital para possibilitar a criação de empregos e ter melhor produção, o que, indiretamente, queiram ou não os Ministros do STF, irão ser compensados com a coleta de outros tributos ou pelo mesmo, no sentido de que o ICMs é imposto sobre o consumo e, havendo mais empregos e rendimentos, haverá maior consumo, portanto, melhoria da tributação.

        É o que o próprio governo federal tem feito, v. gratia, com a linha branca.

        Retirar dos Estados o direito de deixar de tributar é um atentado contra a autonomia dos estados.

        Na verdade, a questão é histórica, pois fomos capitanias hereditárias, com um governo monarquico e central. Copiamos os americanos ao rumarmos para a Federação, mas ainda nossa cultura é  daquele velho tempo, infelizmente.

  9. O fato é que os estados tem

    O fato é que os estados tem que acordar para a realidade , tomar vergonha na cara e parar de descumprir a lei e depois alegar danos ” financeiros ” caso eles percam as açoes nas quais sao o lado errado

    O Janot esta correto, chega de sem vergonhice seguida de chororô para se safar…  

  10. A mentira dos incentivos

    A concessão de incentivos para atrair empresas para as suas areas, sob a ótica de promovem o desenvolvimento de empregos e de rendas é uma falácia. Incentivos concedidos pelas prefeituras, somados aos estaduais e ás vezes federais apenas fazem com que o povo financie empresas já ricas e com produtos de ampla oferta no mercado. Levar uma fábrica de carros para a Bahia, com concessão e enormes benefícios fiscais,  apenas fez com que, a Ford neste caso, aumentasse os seus lucros em um mercado de carros cartelizado, como o brasileiro. Para qualquer brasileiro, inclusive o baiano,  seria muito mais interessante que a ford pagasse impostos em qualquer lugar que ela escolhesse para estabelecer, do que drenar as finanças já pequenas do estado da Bahia.

    Conmcessão de benefícios fiscais para empresa de tecnologia de ponta, empresas inovadoras, micros empresas que utiliza-se de funcinários locais, empresas que complementassem a produção na localidade, enfim que trouxessem as razões que dizem que grandes empresas trariam, neste caso os benefícios fiscais seriam adequados desde que prazos mais curtos.

    Fazer guerra fiscal para beneficiar grandes grupos é uma pilantragem dos governos estaduais e municipais! 

  11. não sei se tem a ver, pois

    não sei se tem a ver, pois dei uma lida superficial pelo texto ser longo. Mas é conhecida aqui no Ceará (ouvi de mais de uma pessoa) uma história de que quando Tasso Jereissati era governador, ele editou uma medida provisória derrubando totalmente as alíquotas de importação de maquinários. Daí ele, que é empresário e um dos maiores donos da Coca-Cola no Brasil, importou todos os maquinários de sua fábrica e depois dane-se se derrubaram a MP, ele já tinha conseguido o que interessava. Em tudo o cara usa a mão política para favorecer seus negócios, impressionante.

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