Reforma tributária do governo promove desigualdade, dizem entidades em ação no STF

Fenafisco, Oxfam e CADHu recorreram no STF por reforma tributária que combata os efeitos econômicos da pandemia sem promover desigualdade

Foto: Divulgação
Da Fenafisco, Oxfam e CADHu

Diante do agravamento da pandemia de Covid-19 e seus efeitos sanitários, econômicos e sociais, em especial sobre a população mais pobre, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), com apoio da Oxfam Brasil e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), ingressou petição relacionada à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 655, protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) em março deste ano. A ação questiona a regressividade do sistema tributário brasileiro, que cobra proporcionalmente mais de quem ganha menos, promovendo, assim, desigualdade social.

Ao passo que o Governo Federal lança proposta de reforma tributária que a aumenta impostos sobre o consumo, ampliando a regressividade do sistema, a petição aponta para a urgência de soluções que não onerem os mais pobres e agravem a crise. “O acirramento da desigualdade social torna o sistema ainda mais injusto. Além disso, a enorme queda de arrecadação dos estados coloca a reforma no sistema tributário no centro de debate político, jurídico e institucional”, afirma a autora da peça, Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e advogada do CADHu.

O documento demonstra o quanto condições de vida em moradias sem saneamento e água tratada, pouco acesso à saúde e à alimentação adequada, e impossibilidade de adotar medidas apropriadas de isolamento social são fatores que tornam os impactos da Covid-19 mais graves para a população pobre. “A Covid-19 não está sendo igual para todos e escancarou o tamanho das desigualdades do nosso país. Os mais impactados são os que menos têm recursos e a garantia de seus direitos constitucionais. E são esses mesmos que ainda sofrem com a regressividade e injustiça do sistema tributário nacional”, observa a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Kátia Maia.

Estimativas da Oxfam Internacional apontam que se os países em desenvolvimento não adotarem medidas urgentes nesta crise, meio bilhão de pessoas podem ser empurradas para a pobreza (o equivalente a 8% da população mundial) e 40 milhões podem morrer. A pobreza, em termos globais, pode crescer pela primeira vez desde 1990 e representar, em algumas regiões do mundo, um retrocesso de até 30 anos.

Colapso nos estados – A petição endereçada ao STF destaca, ainda, o estrangulamento tributário pelo qual passam os estados em razão da queda de arrecadação. A diminuição no volume de recursos nas unidades da federação impede que adotem medidas de saúde, educação, assistência e proteção social necessárias à população.

Apesar da aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar 173/2020, que institui o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) para o exercício financeiro deste ano, a medida ainda é insuficiente, aponta a petição. “A lei estabelece regras de transferência de recursos e renegociação das dívidas dos estados com a União, com o intuito de aplicação de recursos prioritariamente ao enfrentamento da pandemia. No entanto, 13 dos 27 entes subnacionais não receberam transferências aptas a compensar a perda de arrecadação, o que certamente impactará a prestação de serviços públicos e políticas de proteção social necessárias ao enfrentamento da pandemia”, alerta o presidente da Fenafisco, Charles Alcantara.

ADPF 655 – De acordo com o artigo 3º da Constituição Federal, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Com base nisso, a ADPF 655 pede que o STF: reconheça que a regressividade do sistema tributário brasileiro cria um estado de coisas inconstitucional; determine ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo a elaboração de uma proposta de reforma constitucional tributária que resulte num sistema tributário progressivo em substituição ao atual, profundamente regressivo; e que seja feita uma reavaliação das renúncias e desonerações tributárias concedidas, para medir seu impacto na regressividade e sua a eficiência no estímulo aos respectivos setores produtivos.

Alíquotas favorecem os mais ricos – Em 1988, por exemplo, o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) taxava mais progressivamente as altas rendas, com alíquotas que chegavam a 45%, e não tratava tão assimetricamente as rendas do trabalho e as do capital. Hoje, o IRPF tem uma alíquota máxima de 27,5% e não incide sobre os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, reduzindo-se a um imposto sobre salários. Por outro lado, a hipertributação sobre o consumo reforça a condição do Brasil de um dos países mais desiguais do mundo, uma vez que onera desproporcionalmente os mais pobres, em favor dos mais ricos. Atualmente, cerca de 50% da carga tributária do Brasil estão em impostos sobre o consumo, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 32,4%.

No Brasil, o IRPF é dividido em cinco faixas de renda agregando pessoas com níveis muito diferentes de renda em um mesmo grupo. Com isso, cria-se ainda mais desigualdades, já que quanto maior a renda em salários mínimos maior a participação da renda isenta. Por exemplo, quem declara renda superior a 240 salários mínimos mensais chega a ter 70% da renda isenta e não tributável, ao passo em que aqueles que ganham entre três e cinco salários mínimos têm pouco mais de 10% da renda isenta e não tributável.

 

Redação

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