As elites agem politicamente para manter os juros altos?

Enviado por Photios Andreas Assimakopoulos

Por Carlos Drummond

Na CartaCapital

A confirmação, pelo Banco Central, na quarta-feira 31, dos juros mantidos há mais de um ano em 14,25% cristaliza o País como caso raro de estabilidade no topo em um mundo com predominância de taxas zero, insignificantes ou cadentes. À ineficiência econômica e ao exotismo da situação no contexto internacional, acrescenta-se outro recorde incômodo, o da maior taxa real média nos últimos 19 anos. A situação foi identificada em uma amostra de 11 países estudada por Thereza Balliester Reis e apresentada em dissertação de mestrado em junho, na Universidade de Paris.

À banca examinadora composta de representantes da instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.

Entre 1996 e 2014, período da estabilização da moeda nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é política e consiste nopoder crescente dos rentistas, instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável aos seus interesses.

A minha análise incluiu a queda da taxa real durante o governo Dilma e a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas, industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.

A financeirização é a crescente dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro, alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua atividade principal. 

O resultado da financeirização, segundo vários autores, é a fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo responsáveis pela manutenção dos juros elevados.

Quando um país adota o regime de metas de inflação, diz a economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta que a de outras economias similares sob regime de metas.”

O grupo analisado inclui Chile, Colômbia, Indonésia, México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul. Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em 1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa 

Tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises empírica e econométrica.

“Um aspecto importante não levado em conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais forte do que nos demais países, e essa é a principal razão para a discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento sob o mesmo regime monetário.”

A teoria do domínio da economia pelo rentismo é discutida por vários autores, no País e no exterior. “A hipótese da dissertação é de que as elites brasileiras agem politicamente para manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da Unicamp, orientador de Thereza Reis.

“A análise da economia política brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas, industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a ‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”

A diretriz foi, no início, apoiada por industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com baixas taxas de juro: mais empregos e mais produção, de curta existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego.

O Brasil é refém da influência do rentismo na determinação da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012, de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.

Defendida por John Maynard Keynes, em 1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre outros, aquela proposta supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.

“Assim, os baixos retornos aos aplicadores seriam eficazes também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”, explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”. Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque visam à inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”. 

A crescente independência dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade de Londres, mencionados na dissertação.

A crise financeira de 2008 evidenciou, nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade. 

O próprio regime de metas teria de ser revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”

Além disso, o Brasil é um dos poucos países a adotá-lo no ano-calendário. “Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da dívida pública, na posição de maior credor. 

Redação

9 Comentários

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  1. Sob a desculpa de acabar com
    Sob a desculpa de acabar com a inflação, mais da metade de nossos impostos vai para as mãos de alguns poucos com as altas taxas de juros dos títulos federais. Não só deixando de evitar a inflação mas aumentado o valor da inflação com a diminuição do valor do real para que as multinacionas e o agronegócio possam prosperar, sacrificando o restante do país em nome das políticas exportadoras que beneficiam os setores do agronegócios e exportadores de matéria prima. E como a maioria dos produtos são importados e a moeda pouco vale… Há uma hiperinflação no valor dos produtos. Não é atoa que automóveis no país tenham o preço muitas vezes superiores a maioria dos países do mundo. O Brasil é quase completamente voltado para as exportações. Por isso estão asfixiando os cidadões brasileiros com uma alta taxa de juros e um corte nos investimento. O Brasil só interessa no mercado interncional graças às suas terras e minérios. O povo brasileiro está sendo destruído aos poucos, não interessa a elite mundial. Apenas uma fração para que possam colher alimentos ou retirar minérios da terra. É o que vejo. De que adianta as multinacionais e o agronegócio lucrar, se o estado está sendo afundando na lama das dívidas? Não há investimentos em educação para a população prosperar, não há crédito na praça… Se a balança comercial do país depender só das exportações de produtos alimentícios e minerais… O estado voltará a ser totalmente agrícula. Vamos todos aos campos produzir alimentos e explorar minérios para os outros países desenvolvidos. 

  2. Realmente, quem ganha
    Realmente, quem ganha realmente no Brasil são as multinacionas, o agronegócio e os rentistas. O Brasil é um paraíso para os minérios, agronegócio e rentismo. Para todo o resto é uma Cuba. E ainda têm preconceito contra a Cuba. Como poderiam ter preconceito contra Cuba, se estão fazendo com os brasileiros aquilo que os cubanos sofrem? Sendo que pelo menos por lá eles procuram garantir saúde e educação garatuita para todos? é um hipocrisia o que a mídia e os zumbis midiáticos espalham por aí. Faz parte de uma agenda para nos manter adormecidos e na mediocridade internacional.

  3. Não´há e nunca houve em Pais

    Não´há e nunca houve em Pais algum uma unica ELITE, há varias elites com interesses antagonicos. No Brasil a elite rentista é uma parte do todo e ela consegue dominar a politica economica porque as demais elites não são fortes, unidas e  com uma visão clara de seu papel e de seus interesses. As CONFEDERAÇÕES e FEDERAÇÕES de INDUSTRIA E COMERCIO estão anuladas em poder porque foram capturadas por oportunistas que as usam para seus projetos individuais e com isso não tem força moral para enfretar o LOBBY FINANCEIRO que hoje domina 100% da politica economica com a expulsão de todos os demais interesses.

    1. Meu entendimento é

      Meu entendimento é infinitamente menor que o seu nessa área, mas tenho cá comigo que o problema nem é enfraquecimento da elite industrial, AA, e sim o que eu chamaria de promiscuidade econômica.

      A minha pequena cidade é de micros, minis e pequenos empresários. Todo mundo que conheço e que não está devendo no banco tem aplicações, desde a tradicional poupança a fundo de ações. Aliás, mesmo alguns que vivem renegociando dívidas com os bancos públicos não deixam de investir, ou seja, são empresários da indústria, comércio e serviços – este, item fortíssimo na cidade – mas também são especuladores (alguns abusam e fazem agiotagem ilegal, direta, pois). Logo, com interesse diretamente ligado à taxa de juros. Desta forma fica difícil a aplicabilidade de qualquer medida clássica para reduzir a taxa de juros e domar o rentismo.

      Nosso país teve a sina de no seu início pra valer – século XVII – enfrentar a selvageria do rentismo holandês – chegaram a cobrar 40% ao ano, segundo o próprio último governador, Hendrick Haecxs – que em seguida foi o costume apropriado pelos jesuítas que dominaram o mercado até sua expulsão em 1759, quase sempre de modo extorsivo e aqui com um agravante: a ameaça do inferno.

  4. http://www.diariopopular.com.

    http://www.diariopopular.com.ar/notas/140913-ypf-firmo-un-acuerdo-chevron-la-explotacion-vaca-muerta

    Um importantissimo acordo entre a YPF, a petroleira estatal argentina, que foi privatizada e depois reestatizada e a CHEVRON, para exploração do campo petrolifero de VACA MUERTA, equivalente ao nosso pre-sal, com investimento pela CHEVRON de US$1 bilhão, não foi sequer noticiado pela imprensa brasileira.

  5. Juros zeros dá guerra civil

    Juros zeros dá guerra civil no Brasil…

    O numero de pessoas encostadas pelos juros é IMENSO…

    Nem se voltar a escravidão, as empresas brasileiras vão se achar no mundo dos negócios!

    Aprenderam a ganhar no overnight e isso estragou o tal espirito animal dos empresários brasileiros…

    Outra coisa que precisa ser feita é uma auditoria na divida pública para saber o que realmente ainda é dívida!

    1. “(…) e isso estragou o tal

      “(…) e isso estragou o tal espirito animal dos empresários brasileiros.”

      Nunca o tiveram, no sentido de empreendimento. Nunca! Quem ousou fazer diferente, como Irineu Evagelista de Souza e logo depois Delmiro Gouveia foi trucidado, para não dar “mau exemplo”.

      Os primeiros engenhos de açúcar por aqui já foram financiados pelo rei. Em 1656 chegou em meu hoje estado um ouvidor especial para processar e prender os revoltosos da primeira rebelião contra impostos da História do Brasil, com epicentro em minha hoje cidade e que invadiram a capital em 5 de novembro daquele ano. Um ano depois, após algumas prisões, deportações ou desterros e o ouvidor especial pediu um empréstimo ao rei “como é de praxe” pra montar um engenho de açúcar. Dois sucessores depois, ou seja, sob D. Pedro II (de Portugal), e o rei mandou cobrar a dívida que o dito tinha esquecido de pagar. Só que já morrera. E ficou por isso mesmo. A documentação colonial está repleta desse tipo de história de empreendedor. Foi por isso o intenso ódio a D. Pedro II (o nosso), quando a Princesa Isabel libertou os escravos: eram eles, os escravos, quem fazia tudo e de graça. Trabalhavam cinco dias na semana pro senhor e apenas no sábado pra plantar o que comer, às vezes nas piores terras da fazenda.

      Bando de preguiçosos! Poses e preguiça.

  6. Pois tenham certeza de que é

    Pois tenham certeza de que é isso que está acontecendo.

    Todo esse papo-furado de combate a corrupção é para escamotear a verdadeira briga: a drenagem da renda da população, via taxa de juros, para o sistema financeiro, concentrando a riqueza nas mãos dos ultra-ricos. No processo a economia real é sacrificada ou destruída, o que já está acontecendo. A beleza da história é que poucos veem isto acontecer e assim (quase) todo um país é feito de idiota.

    Mas tenhamos fé: os economistas picaretas monetaristas que tomaram de assalto o Governo Federal garantem que as reformas que eles implantarão (que visam apenas facilitar a drenagem da renda) vão resolver os problemas do país. Dos ricos eu tenho certeza. Dos pobres, eu duvido. Da classe média midiotizada e imbecil, duvido mais ainda. Mas pelo menos esta última vai poder dizer que é “informada” e quando cair a ficha para uns poucos (porque pensar não é o forte para a maioria dessa gente. Pensar dá trabalho…) vão poder dizer que o papo do combate a corrupção serviu para fazê-los de idiotas…. de novo. 

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