Desatino monetário, por Luiz Sérgio Guimarães

Desatino monetário

Por Luiz Sérgio Guimarães

Do Brasil Econômico

A taxa de desemprego medida pelo IBGE subiu de 4,3% em dezembro para 5,3% em janeiro, 5,9% em fevereiro e 6,2% no mês passado

O rendimento real do trabalhador caiu 2,9% em março e já havia diminuído 2,7% em fevereiro. Sobre março do ano passado, a contração foi de 3,8%. Quem não perdeu o emprego está ganhando menos. A expectativa unânime dos analistas é de que o desemprego persistirá aumentando. E o ajuste fiscal ainda nem começou. O efeito é severamente contracionista sobre o consumo e atividade. O subproduto desejável é a compressão dos preços dos serviços, vilões do IPCA.

Detalhe: esse quadro trágico do mercado de trabalho reflete uma taxa Selic de 11%, a que vigorava há seis meses, tempo mínimo necessário para uma decisão de política monetária chegar até à economia real. Não espelha ainda a alta de 1,75 ponto percentual feita pelo Copom do final de outubro até março. A atual Selic de 12,75% vai impactar a atividade lá por setembro, quando a taxa de desemprego pode estar se aproximando de 7,5%. E hoje à noite, se vingarem as apostas do mercado, o Copom vai cometer o paradoxo inconsequente de subir o juro básico para 13,25%.

Até o começo do ano, o diagnóstico do Banco Central era de que a inflação resistia em patamar elevado por causa de três fatores: custo unitário do trabalho, preços administrados e taxa de câmbio. Mais recentemente, excluiu o primeiro. Hoje, nenhum dos três está mais presente. O rendimento do trabalho vem sendo achatado pela recessão e pelo dólar alto. O tarifaço público já foi feito. E o dólar tomba como efeito da retomada hesitante dos EUA e da protelação do aperto monetário do Federal Reserve (Fed).

E hoje o Copom vai subir a Selic, aumentando o rendimento real dos investidores, já o maior do mundo, na faixa de 7% ao ano. A alta faz crescer a dívida pública bruta, indexada, direta ou indiretamente (os títulos prefixados do Tesouro seguem a curva do DI futuro que, por sua vez, embutem a Selic) à taxa básica. Se a dívida cresce, amplia-se a necessidade do esforço fiscal para estabilizá-la enquanto proporção do PIB. Se já está muito difícil conseguir um superávit primário de 1,2% do PIB, mais complicado ficará a partir de hoje.

Na semana retrasada, o BC engrossou sua voz monetária. Até então vinha preparando o mercado para encerrar hoje, com uma alta simbólica de 0,25 ponto, o ciclo de aperto iniciado em abril de 2013. Tudo mudou depois que a presidente Dilma Rousseff, em entrevista a blogueiros, em diagnóstico equivocado, culpou a inflação pelo crescimento da desaprovação ao seu governo.

O repique inflacionário do primeiro trimestre resultou da correção de políticas desastrosas de 2013 e 2014, sobretudo a compressão dos preços públicos. No cerne da rejeição popular está um conjunto de fatores, cujo cerne pode ser encontrado na atabalhoada política desenvolvimentista, na falta de confiança dos empresários e nos escândalos de corrupção. A inflação é o efeito, não a causa. Será uma triste surpresa constatar no futuro que a desaprovação cresceu agora por causa do desemprego gerado pelo juro elevado. 

A poucas horas do resultado do Copom de hoje, não dá mais tempo de o BC reverter o sinal de elevação da Selic para 13,25%. O mercado futuro de juros da BM&F já trabalha desde segunda-feira com uma taxa de 13,25% de quinta-feira até 3 de junho. E dedicou-se ontem a afinar suas apostas para o próximo Copom, este do começo de junho. Por enquanto, a expectativa é que será finalmente encerrado o ciclo com uma elevação de 0,25 ponto. Mas não precisa ser assim. O único “guidance” de política monetária inscrito nos textos oficiais é o de que o esforço desinflacionário ainda não foi “suficiente”. Para manter essa orientação, alguma alta precisa ser feita hoje à noite. Basta uma de 0,25 ponto, com mudança do “statement”. 

Ao invés do sucinto texto da reunião anterior – “Avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic em 0,50 p.p., para 12,75% a.a., sem viés” –, pode escrever outro mais eloquente, explicitando o encerramento do ciclo. Ou pode construir um placar divergente, com votos vencidos a favor da parada imediata, cujo efeito seria idêntico, o de indicar o fim do caminho. Qual o impacto disso no mercado de juros? Queda expressiva dos DIs futuros. Ou seja, o Copom tomaria uma decisão e o seu efeito seria exatamente o contrário. O “guidance” seria respeitado, mas o resultado seria o inverso. 

Não deve fazer isso porque precisa salvaguardar a sua “reputação” e a sua “credibilidade” — os dois pilares de sustentação de um regime de metas de inflação. Se a sociedade acredita no BC, se tem confiança no seu tino monetário, de que tudo fará para manter a inflação na meta, o freio é natural. Se não tem, acontecem situações constrangedoras. Do tipo: o BC endurece o teor da sua comunicação e o mercado continua projetando para 2016 um IPCA de 5,6%. Tal prognóstico significa que o BC já não desfruta de credibilidade junto aos economistas do mercado. Por que temer perder aquilo que não se tem? 

O câmbio persistiu ontem refém da guerra entre “comprados” e “vendidos” travada nos pregões de derivativos da BM&F. O dólar, derrubado pelos “vendidos”, chegou a cair para até R$ 2,8857. Mas, na sessão vespertina, os “comprados” reagiram, permitindo que a moeda fechasse em alta de 0,70%, cotada a R$ 2,9422. Nesta empreitada, foram ajudados pelo mercado secundário de títulos do Tesouro americano. Às vésperas de reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), os mais paranoicos sempre vendem “treasuries” temendo surpresas.

E a taxa da T-Note de 10 anos avançou de 1,92% para 1,99%. Esta alta tende a ser revertida se forem confirmadas as expectativas para a reunião de hoje. A previsão é de que o Fomc sugira a impropriedade de subir a taxa básica de juros na próxima reunião, a de junho, empurrando o momento crucial para o encontro de setembro. Hoje não haverá clima para um comunicado menos “dovish”. Antes do Fomc, será divulgado o desempenho da economia americana no primeiro trimestre. Espera-se alta anual do PIB de apenas 1%, em desaceleração frente aos 2,2% registrados no quarto trimestre do ano passado. 

Não foi só para comemorar antecipadamente a nova Selic que os contratos de juros futuros fecharam em alta ontem no mercado futuro. O mercado já trabalha na reconstrução da credibilidade do BC. Para tanto, precisa convencê-lo a não abandonar tão cedo a insana trilha da alta. A taxa para a virada do ano subiu de 13,49% para 13,50%. O juro para janeiro de 2021 avançou de 12,56% para 12,62%.

Redação

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. E até agora nada,

    E até agora nada, absolutamente nada,  para que os ricos ajudem a pagar a conta.

    Para os pobres, chibata(desemprego, arrocho, roubo na pensão das viúvas, etc etc), para os ricos, aumento do bolsa rentista, etc  etc.

    É Dilma, assim estamos muito mal.

    1. como assim?
      os ricos estão pagando, sim, com aumento de IOF, fim das desonerações e, sobretudo, desvalorização cambial.
      Contudo, concordo que um imposto sobre herança federal seria mais que cabível, ao menos por questão de justiça tributária.

  2. Vem aí um Tsunami de dólares

    E para a alegria dos sacoleiros de Miami, e desgraça da balança comercial, o dólar vai cair abaixo de R$ 2,50, de novo. 

  3. Os de sempre $$$

    Nassif,

    Alta estapafúrdia da Selic e consequente impacto nas contas do governo federal e taxa de desemprego, pela primeira vez desde 2003 em ciclo de alta, tudo isto para reduzir a relação dívida/PIB.

    Tal desejo não deverá se efetivar, mas o desemprego provocado pela direção escolhida certamente punirá dezenas de milhares de famílias, e a tendência de taxas de inflação já está aí, à vista de todos.

    Se os do governo federal soubessem se defender da chuva ininterrupta de ataques vindos da oposição durante meses, a “temperatura” seria outra e nada disto estaria acontecendo, a agenda do país não teria se transformado numa vergonhosa LavaJato, a Petrobras não precisaria ter lançado (R$ 6 bilhões) em seu balanço a título de preço de corrupção ( tais valores ainda carecem de compovação factual, podem ser maiores ou menores). A tal da postura extremamente covarde que atende pelo nome de postura republicana, como se vê, apenas confirma que não é capaz de oferecer bom resultado.

    Como sempre, os grandes ganhadores $$$, neste momento os maiores do planeta, são a meia dúzia de sempre, os da banca e alguns poucos privilegiados.

    E a nova regulação da mídia, cadê?

  4. Esse governo está levando o país

    para uma recessão brava na esperança que depois , com desemprego alto e bolsa rentista nas alturas , os empresários vão tirar seu rico dinheirinho do rentismo e reinvestir na produção.

    Isso não vai dar certo.

  5. A Presidenta não é do Brasil, mas dos Bancos

    Presidenta insana é tudo que temos e a tendência é piorar. Onde estão os compromissos de campanha?

    Realmente, é a demonstração que assim como o Universo, a estupidez também é infinita.

    Quero meu voto de volta. Se fosse criança estaria fazendo a maior birra para isso acontecer.

    Faltam Líderes no Brasil que lutam por uma causa que não seja apenas o PODER!

     

  6. 7% deremuneração pela

    7% deremuneração pela SELIC…

    Quando digo que essa é a renda fixa dos ricos… Quem vai investir em qualquer outra coisa com 7% de remuneração garantida?

    Ficam os bancos exibindo lucros trimestrais de bilhões e bilhões e só entesourando. Nem imposto pagam.

    E ainda combinam preço; e o governo ainda pergunta quanto eles querem “indexando” a SELIC à tal “pesquisa” focus…

    Essa que é a Lei do Mercado.

    “Falta de confiança dos empresários”… Eles querem é favor do governo e desemprego, afinal, “os salários subiram demais”.

    É pra isso que se ataca um governo trabalhista.

  7. Era pra isso que o PT queria

    Era pra isso que o PT queria ganhar a todo custo as eleições? Talvez com Armínio Fraga a Selic nem aumentasse tanto.

  8. Cenário mudou
    No cenário em que começou o ano, a trìade ia ganhando força, puxada por sinais cada vez mais inequívocos da recuperação americana. Nesse caso, o câmbio tendia a 3,30, 3,50, talvez com uma desinflada a seguir.
    Não digo que não houvesse melhor opção: melhor seria um desmonte mais rápido dos swaps cambiais e uma consolidação fiscal mais clara. Como se dependeria de uma melhor coordenação com o Congresso – ou ao menos de alguma coordenação – para que funcionasse, pode-se compreender o, digamos assim, excesso de zelo do Copom.
    Não podemos tapar o sol com a peneira: a inflação já estava muito alta e difundida. Não fazer contracionismo com um choque tarifário brutal no preço da energia combinada com um câmbio descontroladamente ascendente poderia ser jogar pólvora no fogo.
    Ocorre que o euro está fraquíssimo, o dólar não está tudo isso e o yuan também vai pelas tabelas.
    É impressionante que o Tombini, que sempre foi um cara que defendia a adaptação da gestão monetária a cada situação real particular, esteja cada vez mais parecendo um mero elo de transmissão das impressões e vontades do mercado. As últimas declarações, seguidas dessa decisão estapafúrdia, começaram a lembrar os tempos da ignomínia monetária liderada pelo Dr Meireles

  9. O autor se mostra preocupado

    O autor se mostra preocupado com o aumento da nossa dívida pública. Ora, o ministro da fazenda já declarou lá na matriz, que é o habitat dele, que dever é bom. Não sei bem como explicar isso ao cidadão que atrasou o pagamento do carnê das Casas Bahia, mas a falha deve ser minha, que não sei me expressar em neo- liberalês. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador