Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Lula e o custo da taxa Selic, por César Locatelli

A resposta de Lula à Belluzzo foi que não entendia porque ninguém “gritava” com os juros cobrados nos financiamentos do comércios e dos bancos

Lula e o custo da taxa Selic

por César Locatelli

Anda cada vez mais difícil discordar do ex-presidente Lula. A cada entrevista, sua avaliação sobre o Brasil, seu povo, sua elite, seu problemas sociais e políticos parece ficar mais clara e mais próxima daquilo que muitos de nós acreditamos.

Nessa última, ao Jornal GGN, no entanto, teve um momento de defesa às decisões de taxa de juros do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que motivou um ligeiro reparo do professor Belluzzo e, talvez, mereça aprofundamento. 

Lula revelou que ficava chateado com a chiadeira geral – da imprensa, da Fiesp, dos sindicatos, dos deputados – quando o Banco Central anunciava a elevação da taxa básica de juros da economia brasileira, a taxa Selic.

Disse o professor Belluzzo: “você se lembra, nas reuniões que a gente fazia, no meio da crise ele aumentou a taxa de juros”. Talvez essa frase tenha passado despercebida, mas embute uma crítica importante à atuação do Banco Central, sob Meirelles e Lula. Se a teoria ensina que a taxa de juros contém a inflação, via contração da demanda, por que diabos aumentá-la quando o país está em crise com demanda caindo?

Meirelles foi muitas vezes à imprensa dizer que o Banco Central tinha tomado uma decisão “conservadora” e aumentado os juros. Falava como se o aumento da taxa Selic pouco efeito tivesse na vida de todos. De fato, o freio que impõe à economia e, consequentemente, ao emprego nem sempre são percebidos. Muitos menos conhecidos são o custo e o efeito concentrador de renda do pagamento dos juros sobre a dívida pública federal.

A resposta de Lula à Belluzzo foi que não entendia porque ninguém “gritava” com os juros cobrados nos financiamentos do comércios e dos bancos: “E não tem uma revolução por isso? A gente briga tanto com a taxa Selic e não briga com o spread bancário que é que mata o povo? Esse mata o povo. Esse é na veia. Esse é exatamente na veia.”

Para ilustrar que Lula está coberto de razão tomamos, como exemplo, as taxas do cheque especial divulgadas pelo Banco Central, para o período de 10/9 a 16/9 passado: Bradesco (297% ao ano), Banco do Brasil (300%) e Banco Itaú (312%). Ressalte-se que a meta da taxa Selic está em 5,5% ao ano.

Lula disse que no crédito consignado, aquele que o banco cobra diretamente do INSS ou do empregador de quem tomou o empréstimo, “1,6 sobre 1,6 é muito mais do que a taxa Selic”. Ora a taxa do crédito pessoal consignado, para pensionistas e aposentados pelo INSS, na Caixa Econômica Federal está em 1,59% ao mês, o que significa 20,86% ao ano, nessa altura em que a taxa Selic está em 5,5% ao ano. As taxas do mesmo tipo de empréstimos do Banco do Brasil (25,03%), do Bradesco (21,43%) e do Itaú (24,78%), estão ainda mais altas.

Bem, mas em que pese o ex-presidente estar coberto de razão quanto ao spread estratosférico, não podemos esquecer do dano causado pela taxa Selic em si. Recordemos que as operações que dão origem à média Selic são operações de um dia, overnight, feitas com garantia de títulos públicos federais entre os bancos, com o Banco Central entre eles. Em resumo, são operações praticamente sem risco de crédito, por conta do lastro ser título público federal e, normalmente, o valor considerado para a operação tem o título subavaliado em relação só mercado (PU da resolução 550), e sem risco de liquidez, por serem operações de curtíssimo prazo.

A taxa Selic, mesmo oferendo baixíssimo risco de crédito e grande liquidez, tem, tradicionalmente, embutido juros reais, aquela parte dos juro que superam a inflação, extremamente altos. Na maioria dos países as taxas básicas, controladas pelos Bancos Centrais, são muito próximas à inflação, o que significa juros reais zero ou mesmo negativos, como ocorre hoje.

“Devo dizer que, na minha ignorância, nunca encontrei teorias ou pesquisas econômicas que pudessem justificar uma taxa básica de ‘equilíbrio’ de 10% em termos reais – muito menos juros básicos de 14% como os atuais. Ninguém explica, convincentemente, por que o Brasil é obrigado a praticar juros reais sete vezes maiores do que a média observada nos principais mercados emergentes”, observou Paulo Nogueira Batista Júnior, em sua bem humorada coluna da Folha de S. Paulo em 8/9/2005.

“Se considerarmos a média aritmética das taxas anuais reais do quadriênio 1999 – 2002 contra a média do quadriênio 2003 – 2006, teremos 10,24% ao ano no primeiro período e 11,26% ao ano no segundo. Em outras palavras, o governo Lula, com inflação sempre decrescente, praticou taxas de juros reais no overnight, deflacionadas pelo IPCA, um ponto percentual superiores àquelas praticadas no governo anterior”, afirmei em minha dissertação de mestrado em 2009. Qual o incentivo para se aplicar recursos em investimento reais se a aplicação sem risco e com liquidez rende 11% acima da inflação?

Nos últimos anos, mesmo com forte recessão, gastamos algo entre 5% e 6% do PIB para pagar juros da dívida pública. Gastamos 401 bilhões de reais em 2017 (6,12% do PIB), 379 bilhões de reais em 2018 (5,55% do PIB) e nos últimos 12 meses, terminados hoje (30/09), foram 349 bilhões de reais (4,96% do PIB). Valores que nunca entram na discussão dos déficits públicos, possivelmente por serem tidos como ‘imexíveis’ pelos arautos do mercado financeiro.

Desnecessário apontar para que bolsos têm caminhado, há muitos anos, esses bilhões de reais e seu devastador efeito concentrador de renda e riqueza. Uma máxima do mercado financeiro é que é impossível conseguir aplicações financeiras que tenha segurança, liquidez e boa rentabilidade. A taxa Selic desmente a regra.

Assim, apoiar a política de juros de Henrique Meirelles, conquistar apoio do sistema financeiro e governabilidade, para poder realizar os programas sociais teve ganhos indiscutíveis. E custos não desprezíveis.

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

8 Comentários

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    1. Por que não vão a tv explicar ao povo……

      Até isso tem medo de fazer…..os bancos mandam e desmandam e estão matando o país do povo com sua ganância…..

  1. Quando Dilma tentou baixar a SELIC houve gritaria sim, da Globo…

    Mas por que o PT nunca forçou o spread pra baixo via bancos publicos?? Tai uma coisa para o proximo mandato de Lula…

    1. Dilma fez isso. Usou os bancos públicos p/ forçar os demais reduzirem o spread. Naquele dia o destino dela foi selado. Nunca esqueço do pronunciamento dela na TV

  2. Este é um excelente critério para separar os que combatem a desigualdade na sociedade ou apenas fazem de conta – colocar luz e ênfase nos escorchantes spreads bancários e juros via Selic. Pelo volume, esta é a verdadeira corrupção. Esperar pelo poder de disseminação e conscientização da Rede Globo ou dos evangélicos? Difícil, pois vão contra os interesses deles.

  3. Minha sugestão é aumentar a taxa de imposto com relação a taxa Selic, exemplo: se o banco cobrar 2x o valor da taxa Selic deve pagar 15% de ganho de capital, se cobrar 3x sobre a taxa sobe pata 25% , assim por diante.

  4. Acho gozado que no tempo do Lula aqueles que ajuntaram um dinheirinho aplicava e ganhava um juros que daria para tirar e gastar e fazer a economia girar hoje não podemos fazer isto o porquê…Com está porta da Selic baixa nos não ganhamos nada irei tirar meu dinheiro do banco porque não vou ficar emprestando o dinheiro para eles ganharem milhão encima da gente…Falam que tem que baixar a Selic para a enconomia girar até agora não vejo nada as coisas continuam mesma coisa os juros do cartão estão abusivo as mercadorias no mercado só Deus tão Alta são TDS um bando de ladrões principalmente este ministro da economia.

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