Perdidos na transição; artigo de Otaviano Canuto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Publicado no Valor Econômico, 09/12/2013

Perdidos na transição (traduzido de meu Project Syndicate mais recente)

Por Otaviano Canuto

Os mercados financeiros e a mídia noticiosa têm uma coisa em comum: tendem a oscilar rapidamente entre a euforia e a tristeza. Em nenhuma circunstância isso fica mais evidente do que nas análises das perspectivas das economias emergentes. Nos últimos meses o entusiasmo em torno da capacidade de superação econômica pós-2008 desses países e de seu potencial de crescimento deu lugar a perspectivas sombrias, com economistas como Ricardo Hausmann declarando que “a festa dos mercados emergentes” está chegando ao fim.

Muitos acham agora que a recente desaceleração generalizada do crescimento nas economias emergentes não é cíclica, e sim um reflexo de erros estruturais subjacentes. Essa interpretação contradiz os que (como eu), não muito tempo atrás, previam uma mudança de módulo nos motores da economia mundial, com as fontes autônomas de crescimento das economias emergentes e em desenvolvimento compensando a força contrária representada pelas economias avançadas às voltas com dificuldades.

Certamente, o cenário referencial da “nova normalidade” do pós-crise sempre englobou um crescimento econômico mundial mais lento do que o vivido durante o “boom” pré-2008. Para as principais economias avançadas, a crise financeira, cinco anos atrás, marcou o fim de um prolongado período de consumo interno financiado por endividamento, baseado nos efeitos sobre a riqueza da insustentável supervalorização dos preços dos ativos. A crise levou, assim, ao fim do modelo de crescimento da China, puxado pelas exportações, que tinha ajudado a aquecer os preços das commodities e, por sua vez, a impulsionar o crescimento do PIB dos países em desenvolvimento exportadores de commodities.

Só se reconhecerem as fragilidades dos velhos modelos e fizerem as necessárias reformas estruturais é que as economias emergentes poderão conquistar um crescimento do PIB sólido e exercer seu potencial de principais impulsionadoras da economia mundial.

Contra esse pano de fundo, uma volta aos padrões de crescimento pré-crise não é um pressuposto razoável, mesmo após as economias avançadas terem concluído o processo de desalavancagem e recomposto suas contas públicas. Mas ainda se esperava que o desempenho econômico dos países em desenvolvimento se descolasse do dos países desenvolvidos e puxasse a produção mundial por meio da descoberta de fontes de crescimento novas, relativamente autônomas.

Segundo essa visão, balanços públicos e privados saudáveis e os gargalos de infraestrutura operantes abririam espaço para a expansão dos investimentos e para um aumento da produtividade total dos fatores em muitos países em desenvolvimento. A convergência tecnológica e a transferência da mão de obra excedente para atividades comercializáveis mais produtivas persistiriam, apesar do crescimento anêmico das economias avançadas.

Ao mesmo tempo, as classes médias em crescimento acelerado em todo o mundo em desenvolvimento constituiriam uma nova fonte de demanda. Com o aumento de sua participação no PIB mundial, os países em desenvolvimento sustentariam uma demanda relativa por commodities, impedindo que os preços voltassem aos baixos níveis das décadas de 1980 e 1990.

As melhorias na qualidade das políticas econômicas dos países em desenvolvimento na década anterior à crise – refletidas no amplo raio de ação de que dispunham para reagir a ela – reforçaram esse otimismo. De fato, os países emergentes reconheceram em grande medida a necessidade de uma estratégia abrangente, que englobasse políticas direcionadas e reformas estruturais profundas, para desenvolver novas fontes de crescimento.

Ficou patente, no entanto, que os entusiastas dos mercados emergentes subestimaram pelo menos dois fatores. Em primeiro lugar, a motivação das economias emergentes de transformar seus modelos de crescimento era menor do que se previra. O ambiente econômico mundial – caracterizado por enormes volumes de liquidez e por baixas taxas de juros, derivadas da política monetária pouco convencional das economias avançadas – fez com que as economias emergentes usassem seu espaço político para fortalecer os propulsores de crescimento já existentes, em vez de desenvolver novos.

Mas os retornos do crescimento minguaram, enquanto os desequilíbrios se agravaram. Países como Rússia, Índia, Brasil, África do Sul e Turquia empregaram o espaço disponível de expansão do crédito para respaldar o consumo, sem o correspondente aumento do investimento. A dívida corporativa não financeira da China aumentou drasticamente, em parte devido a investimentos imobiliários questionáveis.

Além do mais, nada foi feito no sentido de prevenir o fim dos ganhos nas relações de troca nos países ricos em recursos naturais, como Rússia, Brasil, Indonésia e África do Sul, que enfrentam custos salariais e limites da capacidade de abastecimento crescentes. E a fragilidade fiscal e do balanço de pagamentos ficou mais aguda na Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia.

O segundo problema das previsões referentes às economias emergentes foi sua falha em considerar o vigor com o qual grupos de interesse e outras forças políticas resistiriam às reformas – um descuido relevante, em vista da heterogeneidade dos esforços de reforma desses países antes de 2008. O inevitável lapso temporal entre as reformas e os resultados agravou ainda mais as coisas.

No entanto, na mesma medida em que as perspectivas das economias emergentes foram nitidamente festejadas com excesso de euforia na esteira da crise, os prognósticos sombrios que dominam as manchetes de hoje são exagerados. Existe ainda uma série de fatores que indicam que o papel das economias emergentes na economia mundial vai continuar a crescer – só que não de maneira tão rápida ou drástica quanto se pensava anteriormente.

No terceiro trimestre deste ano, a mera sugestão de uma reversão da política monetária nos Estados Unidos impulsionou uma escalada dos retornos dos bônus, que desencadeou uma venda em massa de ativos de várias das maiores economias emergentes. Talvez essa experiência sirva como um alerta para os dirigentes desses países. Apenas se reconhecerem as fragilidades dos velhos modelos de crescimento e se implementarem as necessárias reformas estruturais é que as economias emergentes poderão conquistar um crescimento do PIB sólido, estável e sustentável – e exercer seu potencial de principais impulsionadoras da economia mundial.

(Tradução de Rachel Warszawski)

Otaviano Canuto é assessor-sênior e ex-vice-presidente do Banco Mundial. Copyright: Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

 

 

 

Lourdes Nassif

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