Taxa de juros e Reforma Monetária, por Paulo Kliass

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Foto Márcio Camargo/Agência Brasil

na Carta Maior

Taxa de juros e Reforma Monetária

Intelectuais orgânicos do financismo enchem a boca para defender as virtudes e necessidades de reformas como a previdenciária, a trabalhista e a tributária

por Paulo Kliass

Durante os dias 5 e 6 de setembro o Conselho de Política Monetária (COPOM) deverá realizar sua 209ª Reunião Ordinária. Como acontece a cada 45 dias, os integrantes da diretoria do Banco Central do Brasil assumem um uniforme distinto e debatem a respeito das diretrizes de política monetária do governo. Em particular, os diretores travestidos de conselheiros decidem quanto ao patamar da taxa oficial de juros, a SELIC. 
É sabido que os efeitos destruidores do austericídio sobre a realidade econômica e social de nosso País obrigaram os responsáveis pela política econômica a serem um pouco menos catastróficos em seu grau de ortodoxia. Assim, em outubro do ano passado, o COPOM decidiu por uma diminuição marginal na taxa, que saiu dos então 14,25 % para 14% ao ano. E a partir de então houve uma sequência de reuniões em que a SELIC foi sendo sucessivamente reduzida, até atingir os atuais 9,25%.
 
Ocorre que a recessão profunda da atividade econômica terminou por reduzir também o próprio ritmo de crescimento dos preços de uma forma geral. Assim é que o índice oficial de preços do governo federal (IPCA) registrava 9% anuais em agosto do ano passado e agora aponta para apenas 2,7% em 12 meses, segundo a última medição do IBGE realizada em julho recente. Isso significa que a taxa real de juros apresentou uma elevação, ao contrário do que a ilusão da queda nominal da SELIC nos leva a imaginar. A dimensão real da taxa se obtém ao retirar o efeito inflacionário da mesma.
 
Juros elevados: perversidade.

Os impactos da política monetária agressiva sobre o conjunto da economia são vários e de natureza diversa. O mais evidente se refere às consequências que carrega sobre a produção e o consumo, ao provocar um encarecimento dos custos financeiros de qualquer tipo de atividade. E nesse domínio a sociedade brasileira vem apresentando há décadas uma impressionante aptidão para ocupar o primeiro lugar entre as demais nações. A insistência dos magos do liberalismo das grandes corporações em manter a taxa de juros nas estrelas pode ser apontada como um dos principais fatores responsáveis pelo nível de desemprego e de falências que o Brasil alcançou ao longo dos últimos anos.
 
Além disso, é importante registrar a particularidade dos “spreads” praticados em terras tupiniquins pelos bancos e demais instituições financeiras. O órgão regulador do sistema não se manifesta a respeito desse mecanismo de extorsão institucionalizada e a banca segue intocável na exibição de seus lucros bilionários a cada novo período de apuração de seus resultados. Trata-se de um diferencial astronômico entre taxas de juros cobradas nas operações de crédito e de empréstimos quando comparadas às taxas que remuneram os recursos que os clientes deixam depositados. O setor real vai quebrando na mesma proporção em que os bancos seguem acumulando.
 
Por outro lado, a taxa oficial de juros é o fator de referência para a remuneração do estoque de nossa dívida pública. Em função disso, a sociedade acaba sendo obrigada a efetuar um enorme esforço para direcionar parcela expressiva dos recursos públicos para o pagamento das obrigações orçamentárias de natureza financeira. De acordo com as últimas informações oficiais, o Estado brasileiro gastou o equivalente a R$ 428 bilhões para o pagamento de juros da dívida pública no período compreendido entre agosto de 2016 até julho passado.  Uma loucura!
 
Queda na SELIC e alta no juro real.

As especulações em torno das instituições e profissionais do mercado financeiro ouvidos pelo próprio BC semanalmente apontam para uma eventual nova diminuição marginal da SELIC. É bem capaz que o comunicado ao final da reunião de quarta-feira mencione uma redução de mais um ponto percentual. Mas a realidade objetiva é que a diminuição da inflação estaria exigindo uma redução ainda mais acentuada na SELIC, para que seus efeitos sobre o estímulo do crescimento da economia sejam para valer e não dependendo de uma melhorazinha aqui ou ali no padrão de consumo das famílias. É preciso que não nos iludamos com a decisão do COPOM, ainda que trazendo a taxa para níveis próximos a 8% ao ano. Isso porque o IPCA caiu ainda mais no período recente e o efeito sobre o juro real não foi plenamente compensado.
 
Os intelectuais orgânicos do financismo enchem a boca para defender as virtudes e as necessidades de reformas como a previdenciária, a trabalhista e a tributária. Enfim, desnecessário dizer que são sempre propostas de mudanças pela ótica do conservadorismo e de defesa dos interesses do grande capital. No entanto, ninguém se manifesta a respeito de uma reforma essencial, que viria para promover uma transformação em profundidade dessa relação de dependência química de nossa sociedade com relação a juros elevados.
 
Refiro-me a uma reforma monetária em sentido amplo, em que o Banco Central recupere seu papel de instituição pública e deixe de operar como um mero puxadinho dos interesses dos banqueiros. Uma reforma em que a autoridade monetária passe a refletir os interesses do conjunto da sociedade e não apenas os desejos de meia dúzia de grandes conglomerados financeiros. Uma reforma monetária em que a taxa de juros esteja colocada em patamares, digamos, “civilizados”, em algum grau de consonância com as taxas praticadas nos demais países do mundo desenvolvido.

Reforma monetária: mudança necessária.

Penso em uma reforma monetária que diminua drasticamente a espoliação praticada pelo sistema financeiro, tal como ocorre há tempos por meio de “spreads” absurdos praticados nas operações e tarifas imensas cobradas pelos serviços prestados. Uma reforma monetária em que o órgão regulador passe a atuar para corrigir distorções de um modelo absolutamente assimétrico, onde dezenas de milhões de correntistas são obrigados a aceitar a imposição de alguns poucos agentes financeiros operando sob a forma de oligopólio. Uma reforma monetária que recupere o necessário protagonismo do Estado como provedor de recursos a custos mais razoáveis e como regulamentador de um sistema que é desigual por sua própria natureza.
 
Enfim, uma reforma que contribua para uma mudança cultural e social, onde os índices de rentabilidade financeira em geral sejam menos exorbitantes. Uma reforma monetária em que conjunto da sociedade passe a conviver em ambientes onde a economia real, a produção e os serviços efetivos sejam colocados em posição de maior relevância quando comparados à hegemonia atualmente exercida pelos ganhos do parasitismo financeiro e especulador. Uma reforma monetária que introduza mecanismos de tributação para que o sistema financeiro passe a contribuir para o fundo público, a exemplo de impostos sobre o patrimônio e a grande movimentação financeira.
  
 Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É o ponto principal a ser atacado!

    Se não mudarmoss os padrões de juros pessoais, PRINCIPALMENTE A TAXA SELIC, bem como os  custos de serviços bancários que são cobrados em tôdas operações que fazemos em nossas contas, somente este setor de sacanas, canalhas e FDP conseguem enriquecer, enquanto o resto do Brasil, inclusive grande parte dos tais coxinhas que apoiaram o golpe, somente perde e muito!

  2.  O que está acontecendo na

     O que está acontecendo na economia?

     

    Nos últimos dias, fomos bombardeados por “ótimas” notícias, comemoradas entusiasticamente por “analistas econômicos” da Folha e da Globo News. O impagável “economista de Deus”, para usar uma expressão do Nassif, chega a comemorar o fracasso dos keynesianos.

    Fazer previsões é muito, muito difícil em economia, ao contrário do que pensam os maus econometristas (e apenas os maus, tenho enorme respeito pelos econometristas). Para tentarmos entender o que está acontecendo, a primeira coisa é não brigar (nem omitir) os dados; a segunda, é torná-los ininteligíveis, atribuir-lhes significado.

    Não há, no mundo de hoje, ação política eficaz sem análise econômica séria (aliás, não foi a toa que Lenin pesquisou e escreveu sobre desenvolvimento capitalista na Rússia). Sem nenhuma pretensão de prever o futuro, alinho algumas observações.

    A taxa de desemprego caiu, segundo o índice móvel trimestral para 2017. No trimestre jan/fev/mar ela era de 13,7; no de mai-jun-jul foi para 12,8. Uma redução importante de 0,9.

    Ocorre que esse indicador apresenta o seguinte comportamento nos anos “normais”, para os mesmos trimestres móveis: 2012 (acumulado: -0,5); 2013 (ac.: -0,5); 2014 (ac. -0,3).

    Já nos anos em que a crise está se agravando (2015, 2016), esse comportamento se altera: as taxas trimestrais desses períodos aumentam. Parece, então, que há um certo padrão: em situações mais ou menos estáveis, a taxa de desemprego apresenta um pico no primeiro trimestre, diminui nos trimestres seguintes e aumenta novamente no final do ano.

    Estável não significa, obviamente, melhora. Não obstante, os dados de 2017 podem sugerir que a crise está se estabilizando, ou, quem sabe (como esperam os neoliberais, e o povo desempregado), começando a ser revertida.

    PIB, segundo a série (PNAD) trimestral dessazonalizada, indicam um desempenho excepcional da agropecuária (nos dois primeiros trimestres) e um pequeno crescimento dos serviços no último trimestre móvel.

    Mas é importante olharmos para o PIB por componentes da demanda. Segundo a PNAD trimestral, dessazonalizada, o que observamos é: (1) um crescimento do consumo autônomo (aquele que não é explicado pelo aumento da renda); um aumento da demanda externa (exportações); uma redução das importações (no último trimestre), o que significa a produção doméstica aumentou a sua participação no atendimento dos outros componentes da demanda (consumo das famílias, etc.).

    O que tudo isso sugere para o futuro? Os analistas tipo Folha, dizem que os dados são maravilhosos, pois… o consumo é a parcela mais alta do PIB. É uma aritmética correta, mas que leva a inferências equivocadas. O consumo em relação ao PIB é muito estável. Para o Brasil, por exemplo, a média, de 1996 a 2017, é de 63,6; a máxima foi de 67,7 (no último trimestre de 2014) e a mínima de 59,12 (segundo trimestre de 2004). A oscilação pode parecer alta, mas é muito menor do que ocorre em relação aos outros componentes da demanda agregada. Neste segundo trimestre de 2017, essa taxa foi de 66,2. Há, portanto, pouco espaço para um crescimento autônomo do consumo.

    A esperança do golpismo, é, como sempre, que os investimentos privados (e apenas eles, visto que os do governo colapsaram) aumentem em função desse acréscimo da demanda de consumo. Pode ser que ocorra, mas como pautar decisões de investimento em aumento do consumo autônomo? Esse aumento do consumo não parece ser sustentável no tempo.

    Se eu fosse um empresário não faria investimentos hoje; principalmente, com a altíssima taxa de juros real e enorme capacidade ociosa. Melhor esperar. O que eu faria seria diminuir os meus estoques desejados. Aliás, pode ser que a alta da taxa real de juros explique o aumento do consumo, via redução dos estoques desejados, que levam a liquidações, etc.

    1. investimento privado

      Eu aproveito e substituo meus estoques por importados já que é previsivel neste cenario a valorização do real e manteria o capital nos juros e bolsas (que estao bombando)

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador