A (des)articulação da Política Externa e da Política de Defesa

Do Blog de Mariana Maia Ruivo

          Após o atentado sofrido pelos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, o mundo se deparou com uma nova agenda mundial de segurança, configurada pela política de defesa norte-americana, centrada na guerra contra o terrorismo. A reação estadunidense desencadeou a guerra do Afeganistão e do Iraque, que até o momento tem duração indeterminada e repercussões em todo o mundo. Nota-se, dessa forma, que a América do Sul, como o Brasil, considerada região neutra, não permanecerão indefinidamente à margem das tensões que dividem o cenário internacional. Hoje, as ameaças são de alcance global, exigindo dos Estados uma maior participação no processo decisório da política internacional e uma participação mais ativa para a manutenção da paz e da segurança coletiva. Ou seja, pressupõe o reconhecimento dos Estados como interlocutores na esfera mundial.

            O Brasil pretende se colocar à altura de tal reconhecimento, como uma potencia regional, conquistando um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, demonstrando disposição em participar de operações de paz, como faz hoje no Haiti. A agenda da política externa brasileira está voltada para transformar o país em um ator global, no entanto, a agenda de segurança e defesa é estritamente regional, abrangendo a América Latina, como o caso da Unasul.

            Possuir voz ativa nas decisões de escala global não é apenas uma forma de afirmação internacional do Brasil, mas uma postura cautelar de soberania.  O envolvimento do Brasil na esfera da segurança coletiva é também limitado pela inexistência de conexões entre a política de defesa e a política externa, impossibilitando o uma melhor avaliação das demandas que exijam a cooperação mútua da diplomacia e da estratégia de defesa. Desde o final do século XIX, o país não viveu conflitos de defender suas fronteiras através das forças singulares, embora possua fronteiras com quase todos os países da América do Sul. Lembrando que o último confronto militar direto que o Brasil participou na região, foi há mais de 130 anos, com o Paraguai.

            Dessa forma, teve como conseqüência, a percepção de que as principais ameaças não envolviam questões ligadas á segurança e defesa, atribuindo à diplomacia a incumbência de superar as vulnerabilidades e neutralizar fatores externos. Desde os anos 60, com a política externa conhecida como Operação Panamericana (OPA), foi introduzido o tema do multilateralismo. Para a sua efetivação, era necessário que fossem desenvolvidas condições tanto no plano interno quanto no plano externo, A política externa independente, que sucedeu a OPA, pode ser caracterizada pela mundialização das relações internacionais do Brasil, alargando seus horizontes, buscando ampliar suas relações comerciais, dando ênfase na segmentação Norte – Sul; atuando de forma isenta de compromissos ideológicos, desejando, assim, uma maior participação dos povos e da não intervenção.

            Embora na atual política externa brasileira possa se observar uma relativa aproximação entre as duas corporações, a diplomacia continua descartando a utilização do poder militar como complemento à busca de soluções negociadas. No Brasil, não presenciamos uma cultura política de defesa, nem o assunto é debatido da forma que deveria ser dado a sua importância. Há uma grande e rápida necessidade de mudar pensamento militar no Brasil. Durante anos o Exército continuou voltado para um hipotético conflito no Prata, a Aeronáutica para o controle da aviação civil e a Marinha, com a defesa do tráfego marinho do Atlântico Sul.

            O MRE é um órgão centenário, com amplo reconhecimento no sistema internacional, com política própria, altamente hierarquizado e estruturado. Em compensação, o MD é um ministério recém criado, apenas em 1999, em fase de desenvolvimento e que carece de uma política própria e da necessidade de se firmar na política brasileira, mostrando a sua finalidade e importância. As forças singulares ainda atuam de forma isolada politicamente e a PDN,que tem como objetivo traçar a política externa da caserna, permanece de forma primária e superficial, mesmo com a revisão de 2005. Inclusive com a Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008, que acabou como uma releitura das duas PDNs.

            O maior problema entre o Itamaraty e a Defesa está no campo institucional, em face da ausência de conversação na tomada de decisões e estratégias, levando a cada ministério a se comportar, na agenda de defesa internacional, como se possuíssem políticas próprias, independentes; como se quisessem demonstrar suas forças e competências, de forma individual. Após a nomeação do jurista Nélson Jobim para comandar o MD, as relações entre as duas instituições estão melhores do que antes, mas a desarticulação interna ainda existe. São poucos os diplomatas que possuem conhecimento sobre defesa e sobre as precariedades que as Forças Armadas vêm passando.

            Não há necessariamente uma rivalidade, mas sim uma disputa por poder. O Itamaraty sempre exerceu papel de destaque na política brasileira, e continua em busca de maior prestígio, pois muitas temáticas que eram de exclusividade do MRE, foram repassadas à outras instituições. As prioridades da PEB estão voltadas para promoção do comércio exterior, deixando a defesa e outros assuntos relacionados à segurança em segundo plano. Pode-se especular, inclusive, que a PDN não é considerada um instrumento importante para a concretização das aspirações brasileiras no cenário internacional. Assim, o Ministério da Defesa ainda não conseguiu determinar até que ponto pode ocorrer a articulação e o MRE, centralizando as questões de defesa da paz e da segurança internacional, como tem ocorrido na MINUSTAH.

            Embora a participação brasileira na Missão de Paz no Haiti esteja atrelada a objetivos comuns entre ambos os ministérios, como a paz, segurança, a promoção da política nacional voltada a conquistar um assento no Conselho de Segurança, essa operação não representou mudanças significativas nas políticas setoriais praticadas pelo MRE e pelo MD. Foi possível perceber que a relação entre os órgãos ocorre de forma superficial, com a realização de palestras, cursos, algumas viagens em conjunto nas operações de paz da ONU, mais especificamente no Haiti. Essas são poucas situações capazes de reunir as mais altas esferas institucionais para tratarem de assuntos pertinentes à defesa e segurança.

            Fica evidente que o Itamaraty utiliza o braço forte como instrumento de respaldo na MINUSTAH. No entanto, seria surpreendente que essa missão, apesar de sua importância, fosse capaz de modificar uma política tão concreta como a do MRE, fazendo com que intensificasse a sua articulação com o MD. O mesmo fato ocorre com os militares,que talvez ainda não tenham se adaptado  com a criação de um único ministério como órgão regulador das forças singulares, inclusive sendo comandados por um civil, visto que durante décadas conviveram como uma política que lhes concedia total autonomia. Dessa forma, se torna praticamente improvável que uma missão modificasse esse quadro. Na verdade, a mudança desse quadro, visando articular a Política Externa e a Política de Defesa, é tarefa do sistema político.

            A solução efetiva para a ausência de uma real cooperação entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa só poderá ocorrer quando todos os interessados tiverem conhecimento sobre os assuntos relacionados com defesa e segurança, incluindo o Executivo e o Legislativo. Deve ser um trabalho conjunto, centrado na demonstração da necessidade de que ambos ministérios possuem áreas comuns e deveriam atuar de forma mais articulada. Para isso, deve-se, também, aproximar a sociedade dos debates sobre política externa e defesa, através de publicações das informações sobre as decisões, questões econômicas e políticas, criando uma cultura política de defesa e segurança. A fim de que, no futuro, o Brasil possa galgar o posto de um global player no sistema internacional.

Luis Nassif

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