MP dos Portos e governabilidade
Por Rafael Valim e Guilherme Luna
A reforma do setor portuário, após vinte anos de espera, consumou-se no bojo de um meteórico processo legislativo. Em menos de quarenta e oito horas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram a conversão Medida Provisória nº 595/2013 em lei. Aliás, entre o recebimento do texto aprovado pela Câmara, o processamento do projeto de lei de conversão e a votação no Senado transcorreram incríveis seis horas.
Seria um prodígio dos nossos parlamentares? Lamentavelmente, parece-nos que não. O processo de aprovação da MP dos Portos, para além de retratar o embate entre diferentes modelos de regimes de concessão da atividade portuária, escancarou a precária e inconstitucional relação entre os Poderes Executivo e Legislativo.
Sabe-se que o propalado “equilíbrio” entre esses Poderes, na prática, é mantido com base na troca de apoio político por cargos e fatias do orçamento federal. Eis o sistema de freios e contrapesos à brasileira, a tropicalização de Montesquieu à revelia de nossa Constituição.
É, porém, a abundante e vergonhosamente inconstitucional produção de Medidas Provisórias que coroa a patológica relação entre os Poderes Executivo e Legislativo.
A medida provisória, com a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal, tem servido aos interesses de todos os governos. Basta ver que, desde a promulgação da Constituição de 1988, foram seiscentas e quinze medidas provisórias expedidas, em uma média de vinte e quatro por ano, o que resulta em dois casos de relevância e urgência por mês.
A primeira e mais óbvia consequência da adoção inconstitucional das medidas provisórias é o abarrotamento das pautas de votação do Poder Legislativo.
A segunda é o deslocamento ou, melhor dizendo, o esvaziamento da discussão sobre a matéria legislada. Em vez do debate público, aberto, próprio do processo legislativo ordinário, instalam-se debates confinados aos gabinetes do Poder Executivo, seguidos de uma açodada apreciação do Poder Legislativo. A MP dos portos é um exemplo incontestável do que estamos a afirmar: votação às pressas, convocação de parlamentares em regime de urgência para “fazer número” no plenário, a sessão de votação mais longa dos últimos vinte e dois anos da Câmara dos Deputados e Senadores admitindo que participaram da votação sem sequer terem lido a proposta.
Em última análise, os graves problemas institucionais por que passa o Brasil atualmente revelam um profundo desrespeito com a Constituição Federal, cuja invocação constitui, para muitos, uma atitude passadista. Impõe-se, urgentemente, a reafirmação das normas constitucionais e a responsabilização dos agentes públicos – de todos os Poderes, inclusive do Poder Judiciário – que solenemente as descumprem.
Rafael Valim e Guilherme Luna são membros do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji).
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