A negativa ao PMDB, por Janio de Freitas

Da Folha

JANIO DE FREITAS

O caminho

O PMDB viu-se diante de contrariedade: Dilma negou à bancada da Câmara o domínio de Furnas

O PRIMEIRO PASSO, que nem se esperava, está dado. Não vem com ele a certeza de que se seguirão os demais necessários, mas o primeiro é sempre uma perspectiva e uma promessa. Contra a modalidade de relações há tempos vigente entre bancadas da Câmara e a Presidência da República. Ou seja, contra os métodos flagrantes de permanente busca de sujeição do Executivo pelo Legislativo, para apoderar-se de cargos públicos.

Sem os ônus morais que se tornaram comuns, a deformação das relações começou quando menos conviria, na restauração do poder civil. O poderoso Ulysses Guimarães assentou o então imenso PMDB sobre a Presidência Sarney, com as boas e malsucedidas intenções de impor linhas de ação que nenhuma corrente, na “nova democracia”, tinha ainda bem definidas.

Nas relações com as bancadas partidárias, e sobretudo com o PMDB, Lula adotou uma solução prática, mas deplorável sob todos os outros pontos de vista. Cedeu logo, cedeu sempre, cedeu por antecipação ao simples olhar ganancioso de algum grupo do PMDB voltado para um cargo, mesmo que de ministro.

AmuiA muitos, não só peemedebistas, bastou fazer com que fosse publicada a insatisfação ou a condição fixada por um parlamentar para juntar-se ao governo, e logo a dádiva caía do céu planaltino. Parece caricatura de uma situação, mas a constância foi essa mesma. Com aqueles resultados nos Correios, em Furnas, na Anac, com ministro Silas Rondeau, e em tantos casos mais.

O “é dando que se recebe” e o “compra-e-vende”, que se fizeram expressões simbólicas no decorrer do governo de Fernando Henrique, chegaram ao governo Lula como a verdadeira “herança maldita”, e não rejeitada.

Foi a herança que ficou, e estendeu-se no tempo e entre as instituições políticas como uma nova naturalidade do regime. E assim passou a ser herança também de Lula.

Mas o PMDB, que não seguiu a degradação, encabeçou-a, viu-se há pouco diante de uma contrariedade às novas regras: Dilma Rousseff, além de resistências aqui e ali, negou aos controladores da bancada peemedebista, na Câmara, o continuado domínio da fortuna de Furnas Centrais Elétricas. E, menos importante, dada a praxe dos inquéritos e julgamentos, mas ainda assim incômodo, deixa correr o boato de investigações das evidências de barbaridades financeiras feitas lá por marionetes do peemedebismo.

Em resposta, o PMDB entrou na chantagem explícita. O líder da bancada na Câmara, Henrique Eduardo Alves, expôs a preferência, à falta de Furnas, pela retirada de todos os peemedebistas do governo. E mais: ameaça de CPI, salário mínimo contrário ao governo, e outras.

Foi bom. Dilma Rousseff decidiu triplicar com a suspensão de todas as nomeações para o segundo escalão até que haja a votação do mínimo (repórter Ana Flor, na Folha de domingo). Para a corrente que degenera o PMDB e o conduz, o numeroso segundo escalão é até mais ambicionado do que um ou outro ministério, cuja atividade é mais concorrida e vigiada. Se, porém, na votação do mínimo houver condutas incompatíveis com o apoio próprio de “governistas”, não serão admitidas nem reivindicações dos recalcitrantes. E, em qualquer caso, Furnas já se foi e não volta.

Desde que o jogo sujo entre Legislativo e Executivo se instaurou, é a primeira vez que há, por parte da Presidência da República, a determinação de não se submeter. Talvez seja episódica. Se não, é o único modo de elevar as relações entre Executivo e Legislativo ao nível da democracia, das instituições constitucionais e, para encurtar, da decência. Seria então outro Congresso, seria outro governo, em outro país. 

Luis Nassif

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