A prova do crime: o Decreto Supremo 4078 de Jeanine Áñez, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao cumprir a ordem de reprimir a maioria que elegeu Evo Morales, os membros das Forças Armadas da Bolívia não atuam de maneira legítima

A auto-proclamada presidente da Bolívia assinou um Decreto com o seguinte conteúdo:

“El personal de las Fuerzas Armadas, que participe en los operativos para el restablecimiento del orden interno y estabilidad pública estará exento de responsabilidad penal cuando en cumplimiento de sus funciones, actúen en legítima defensa o estado de necesidad, en observancia de los principios de legalidad, absoluta necesidad y proporcionalidad, de conformidad con el Art. 11 y 12 del Cod. Penal Ley 1760 y el Código de Procedimiento Penal.”
https://www.brujuladigital.net/politica/gobierno-libera-de-responsabilidad-penal-a-las-ffaa-que-intervienen-en-conflictos

A ordem e a estabilidade pública foram rompidas quando Jeanine Áñez se recusou a aceitar o resultado da eleição que reconduziu Evo Morales à presidência da Bolívia. A desordem foi confirmada no exato momento em que ela mesma se auto-proclamou presidente do país sem ter sido eleita para esse cargo.

É ilegítima a submissão dos militares a um presidente que não foi eleito. Ao cumprir a ordem de reprimir a maioria que elegeu Evo Morales, os membros das Forças Armadas da Bolívia não atuam de maneira legítima. Inexiste legalidade num país em que o exercício do poder desrespeita o que está prescrito no art. 21, ítem 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.”

Num regime democrático o Código Penal e o Código de Processo Penal são aplicados pelos juízes e não pelo chefe do Poder Executivo. A jurisdição é exercida em casos concretos referentes a fatos passados. Ela nunca é exercitada de maneira genérica e preventiva para isentar de responsabilidade fatos que ocorrerão no futuro.

O documento assinado por Jeanine Áñez pode ser considerado válido e eficaz dentro da Bolívia. Mesmo que isso ocorra, dificilmente uma Corte Internacional isentará de responsabilidade policiais e militares que decidam matar e mutilar cidadãos que ocupem as ruas para tentar fazer valer seus votos e o resultado de uma eleição.

No caso da Bolívia pode ser aplicada a “teoria do domínio do fato” de Claus Roxin? A resposta é sim, pois segundo o eminente jurista alemão não basta o superior ter conhecimento do fato criminoso. Para ser responsabilizado pelo crime ele tem que ter dado a ordem que foi obedecida pelo subalterno.

“A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.”
https://www.conjur.com.br/2012-nov-11/claus-roxin-teoria-dominio-fato-usada-forma-errada-stf

Tudo bem pesado, o referido Decreto Supremo 4078 de Jeanine Áñez somente terá valor jurídico numa hipótese: ele poderá ser utilizado como prova inequívoca da ordem ilegal para cometer crimes que foi dada aos policiais e militares da Bolívia. Se a “teoria do domínio do fato” não for aplicada pelos juízes bolivianos ela certamente não deixará de ser empregada pelo Tribunal Penal Internacional.

A competência do TPI para processar e julgar os crimes que estão sendo cometidos por policiais, militares e políticos bolivianos é inafastável. A Bolívia aderiu voluntariamente àquele Tribunal https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Penal_Internacional. O Brasil também faz parte do TPI. Portanto, a diplomacia brasileira errou ao apoiar o regime criminoso de Jeanine Áñez.

Pode um chefe de Estado se tornar co-autor dos crimes cometidos em outro país a mando de quem se auto-proclamou presidente daquele Estado? Essa é uma questão que pode e certamente será levantada no TPI em algum momento.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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