A rota inversa de Ciro e Eduardo Campos

Do Valor

De volta para o Ceará

Maria Cristina Fernandes
30/04/2010

Ciro Gomes já ficou outros anos sem mandato, mas sempre pôs a boca no trombone para não perder audiência nacional. Desta vez, apesar de ter idade para começar tudo de novo, há vários sinais de que o ostracismo pode empurrá-lo para de volta para o Ceará. As circunstâncias distintas das que marcaram outros períodos de entressafra podem ser resumidas em dois nomes: Dilma Rousseff e Eduardo Campos.

Por mais que recomponha boas relações com a candidata que já disse não estar preparada para conduzir o país em meio a uma crise, Ciro não terá como acumular o mesmo cacife político que em 2003 lhe deu um ministério no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Circulou com desenvoltura e lealdade no governo forrado pelos 10 milhões de votos com os quais apoiou o candidato petista no segundo turno de sua primeira eleição.

Desta vez, além de lhe faltarem votos, pode também lhe fazer falta um partido. Em 2006, quando deixou o governo para disputar um mandato de deputado federal tinha em mente consolidar no PSB uma liderança que se construiu fora dele.

Ofereceu sua votação, que acabou sendo a de deputado proporcional mais votado do país, para ajudar a salvar o partido da cláusula de barreira. Estreou combativo, mas acabou como um parlamentar apagado e ausente. Não havia como não ser cúmplice da estudada indignação de Ciro com seu isolamento na Câmara enquanto sobravam cargos na estrutura da Casa para os reis da negociata parlamentar.

Por trás do voluntarismo, começavam a ficar aparentes os prejuízos à sua carreira do poder sem alternância no seu berço político. Na definição de um conterrâneo seu, a ausência de oposição no Ceará, que já dura uma geração, deseducou Ciro para a política.

O PT, que, nesse período, elegeu duas prefeitas de capital, não se viabilizou como polo alternativo. O cabo de guerra armado pela prefeita Luizianne Lins em torno do estaleiro que o governador Cid Gomes tenta levar para Fortaleza é apenas o sinal mais visível de uma liderança à qual sobra carisma e falta jogo de cintura.

A aliança entre Ciro e Tasso Jereissati é mais longeva que a dos tucanos em São Paulo. Sua preponderância sobre uma economia 18 vezes menor e menos dinâmica explica porque a longevidade no poder asfixia mais os cearenses que os paulistas.

É a rota inversa do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB de crescentes antagonismos com Ciro. Depois de amargar o 5º lugar na disputa pela Prefeitura do Recife (1992), Campos se tornaria o braço direito do avô no governo do Estado (1995-98). Com a derrota acachapante de Miguel Arraes na tentativa de reeleição, Campos iniciaria lenta trajetória de reconstrução de seu campo que passaria pela adesão ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, do qual acabaria ministro.

Entrou na disputa pelo governo do Estado em 2006 como a terceira força. De um lado, estava o candidato do governador duas vezes bem avaliado, Jarbas Vasconcelos (PMDB). Em torno de Mendonça Filho (DEM), que já governava Pernambuco desde a desincompatibilização de Jarbas, reunia-se a tríplice aliança PMDB/DEM/PSDB, uma das poucas sobreviventes ao fim do governo Fernando Henrique Cardoso.

Essa aliança aglutinava os principais interesses empresariais do Estado. Ao contrário do que aconteceu no Ceará, onde a ascensão da dupla Tasso-Ciro se fez com o engajamento de uma nova elite empresarial no pacto contra os coronéis, em Pernambuco, a ascensão de Campos margeou esses interesses. Só ao longo de seu mandato, com os caminhões de dinheiro que o governo federal tem despejado no Estado, é que a nova dinâmica da economia local alinhavou-se com o Palácio do Campo das Princesas.

Segunda força do Estado, o PT tinha na candidatura de Humberto Costa o beneficiário natural da popularidade do presidente da República no seu Estado natal. No terceiro mandato na Prefeitura do Recife, o PT sempre foi uma barreira importante à construção de uma hegemonia em torno do governador.

A equação local em torno da aliança PSB-PT, assim como em outros Estados, foi determinante ao malogro da candidatura Ciro. Lula hoje tem 95% de ótimo e bom em Pernambuco, mas o governador temia os ruídos da transferência dessa unanimidade numa disputa entre dois palanques locais. No primeiro turno de 2006, Campos e Humberto, somados, ficaram a 666 mil votos (59%) dos votos do que o presidente teve por lá na reeleição (71%).

O malogro da candidatura própria do PSB trouxe à tona o que, cedo ou tarde, acabaria se evidenciando: o partido talvez fique pequeno para Ciro e Eduardo. Em ambas as vezes em que se pronunciou por escrito sobre a decisão do partido, Ciro usou termos duros para se referir aos comandantes do PSB. Na primeira, disse que não estariam à altura do que a história lhes impõe. Por derradeiro, escreveu que democracia não se faz com donos da verdade.

No comando de um Estado que cresceu 3,8% no ano passado, ante o recuo de 0,2% no PIB nacional, Eduardo Campos é um dos poucos governadores que ainda não sabem quem será o adversário à sua reeleição. Sob sua presidência, o PSB tornou-se majoritário no Nordeste, governando um eleitorado (Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte) superior ao do PT (Bahia, Piauí e Sergipe).

Se reeleito, deixará o governo do Estado como o equivalente, para o campo de forças hoje reunido em torno de Lula, ao que Aécio é hoje para a oposição: nomes da geração pós-1964, que, ao contrário de Serra e Dilma, cresceram na micropolítica herdada do PSD de seus avós e que, mesmo sendo economistas, parecem mais à vontade num encontro de prefeitos do que numa mesa redonda sobre o nó cambial.

Para se viabilizar nacionalmente, Campos depende que seu campo político se desloque do PT. Nome de visibilidade nacional muito mais evidente, Aécio ainda precisa esperar que o eixo de seu partido se desloque de São Paulo. Não acontecerão se um Lula 3 for posto em marcha, mas anunciam a perspectiva de temperança num cenário em que, noves fora Ciro, Serra ou Dilma vão elevar a temperatura da política.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: [email protected]

Luis Nassif

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