Ao capitalismo, o Brasil já é o que deve ser. O desenvolvimento será socialista

Por ALYSSON LEANDRO MASCARO*

Em A Terra É Redonda

As posições relativas dos países no desenvolvimento capitalista mundial não são devidas a incapacidades ou omissões ou ausência de vontades e de acordos suficientes para o progresso. São, fundamentalmente, posições materialmente bastantes de exploração, dominação e acumulação. Por isso, não cabe a imagem de um topo geopolítico mundial ao qual alguns países subiram por esforço e mérito, cabendo aos demais chegarem também.

A divisão de classes e as diferenças entre países e formações sociais no plano externo e interno são exatamente o modelo de reprodução social capitalista. O Brasil, mesmo sendo periférico no quadro mundial, é grande o suficiente para não poder se resolver de modo autônomo sem impactar os interesses do capital internacional, que se interpenetra de modo indissolúvel com o capital brasileiro. Nessa dialética de potência e limite, não faltaram meios econômicos, quadros nem ideias que ensejassem um pleno desenvolvimentismo capitalista brasileiro: faltam estruturas de sociabilidade.

A contradição do Brasil é exatamente a mesma contradição do capitalismo no plano mundial. Não será por melhor astúcia, acordo, suavidade, concórdia, boa razão, republicanismo, legalidade e cumprimento dos princípios constitucionais, ou por exaustão das mesmas tentativas, que o desenvolvimento estável e inclusivo então chegará ao Brasil: o erro é na forma da luta, não na arte do empreendimento. Pelo século XX, formações sociais de grande peso no mundo, como é o peso da brasileira, só cambiaram com êxito mediante revoluções socialistas.

Os casos russo e chinês dão demonstrações de refundações da sociabilidade e de suas instituições que se provaram suficientes para uma reescrita pujante de suas próprias histórias. Muito disso se deve à aglutinação social das classes trabalhadoras – via de regra forjada mediante guerras – e, em especial, pela tomada de poder autonomista e progressista que altera estruturalmente instituições como as forças armadas (no caso russo e chinês, reformuladas a partir de novo padrão, de exércitos populares) ou mesmo as funções institucionais executivas, legislativas e judiciárias (também reescritas em tais países mediante o centralismo de partidos comunistas).

Os casos de câmbio progressista dentro do sistema capitalista só se deram sob subordinação aos Estados Unidos e mediante estrito interesse geopolítico deste – Europa sob plano Marshall, Coreia do Sul e Japão como cunhas no oriente soviético-chinês. Mas o Brasil representa aos interesses dos EUA, exatamente, aquilo que já é. Tudo o que caminhar a ser distinto altera posições e sofre imediato bloqueio. E, no que tange às relações sociais internas, as classes capitalistas e os grupos dominantes do Brasil não esperam outro tipo de pujança nem se orientam pela igualdade e pelo progresso de pobres e trabalhadores, igual a qualquer outra classe capitalista e dominante de qualquer outro país capitalista do mundo.

A lógica do capital é a manutenção suficiente e ótima dos próprios padrões de acumulação já dados, ou a modulação apenas para sua ampliação. Por isso, uma transformação social progressista só pode se dar mediante as classes trabalhadoras. Sob condições capitalistas, o capital e suas instituições destroem as lutas inclusivas logo que tal processo comece a se concretizar. Somente a ruptura das formas, com novas coesões e forças de poder, ação e interesses, conduzindo ao término da dinâmica de acumulação do capital, é capaz de reestruturar a sociedade brasileira, bem como qualquer outra sociedade.

Todas as outras tentativas, operando dentro das formas do capital, são tragadas e bloqueadas pelas próprias formas e instituições já dadas. Avista-se, para as contradições estruturais das lutas sob o capitalismo, apenas uma fresta estreita na história, a revolução que altere o modo de produção. Os câmbios socialistas são difíceis como o foram e têm sido já há quase dois séculos por muitas plagas do mundo, mas, peculiarmente, são ainda assim mais fáceis do que mudar uma sociedade da exploração para a inclusão mantendo o quadro geral das formas e instituições que só operam a acumulação e que bloqueiam o câmbio progressista. A história é aberta. A utopia é concreta. O desenvolvimento é possível. Se existir de modo vitorioso e perene, ele será socialista.

*Alysson Leandro Mascaro é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Estado e forma política (Boitempo).

Redação

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  • É verdade, no fim do colapso do capitalismo nós teremos... ENFIM... o socialismo... e o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão... e no Paraíso finalmente então sobre a Terra, as barrancas serão de cuscuz, e rios de leite fresco correrão por entre elas...
    (Antônio Conselheiro, que era marxista sem o saber.)

  • Já é mesmo um enorme mercado consumidor de bugiganga e banalidades, e a nós é permitido ser um país industrial, desde que seja só de tubaina, bolachas, enfim um capitalismo periférico, que seja situado dentro dos interesses dos países que realmente possuem o dinheiro e o poder

  • Esse país é Hilário, o sujeito é mais quebrado que arroz de terceira, abre um comérciozinho mequetrefe prá tentar a subsistência, e começa a se achar capitalista. Kkkk

  • Talvez seja o caso, Leandro, de considerar os estudos mais recentes sobre a queda da taxa de lucro, que passou de sua fase de tendência, como apontada por Marx, para definitiva. Este blog publicou recentemente o estudo do economista Guglielmo Carchedi que demonstra que o lucro se encontra de fato em crise.

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