Barroso e os problemas do modelo político brasileiro

Comentário ao post “Barroso e a corrupção política do STF

Mensalão – reflexões institucionais do Min. Luís Roberto Barroso

(degravação livre de um áudio)

A sociedade brasileira está exausta da prática política no país. A catarse representada pelo julgamento da AP 470 é um dos muitos sinais visíveis desta fadiga institucional.  Significou a condenação de um modelo politico, aqui incluído o sistema eleitoral e o sistema partidário.  A inquietação social p qual tem passado o Brasil nos últimos meses se deve em parte relevante à incapacidade da politica institucional de vocalizar os anseios da sociedade. 

As principais características negativas do modelo político brasileiro são: ¹O papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas;  ²A irrelevância programática dos partidos, que funcionam como rótulos para candidaturas, bem como para obtenção de recursos do fundo partidário e o uso do tempo de televisão;  e ³Um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações  caso a caso a cada  votação importante no  congresso nacional.

Nada do que eu estou dizendo é novidade ou desconhecido. Por ocasião da minha Na sabatina tive oportunidade  de conversar com as principais lideranças do congresso nacional quando pude constatar que esta percepção é geral, transpartidária. Tome se um exemplo emblemático: uma campanha para deputado federal, em alguns estados, custa, em avaliação modesta, 4 milhões de reais. O limite máximo de remuneração no serviço público é um pouco inferior a 20 mil líquidos, de modo que em 4 anos de mandado, em 48 meses o máximo que um deputado pode ganhar é inferior a um milhão de reais. Basta fazer a conta para descobrir a onde está o problema.  Com esses números não há como a politica viver estritamente sob o signo do interesse publico. Ela se transforma em um negócio. Uma busca voraz por recursos públicos e privados. 

Nesse ambiente proliferam as amazelas do financiamento eleitoral não contabilizado, as emendas orçamentarias para fins privados e a venda de facilidades legislativas. Vale dizer: o modelo politico brasileiro produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política.

A conclusão que se chega ineditamente é que a imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento da Ação Penal 470 terá sido em vão se não forem tomadas providencias urgentes de reforma do modelo politico, tanto do sistema Eleitoral quanto do sistema partidário. Após inicio do IP que resultou na AP 470, com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e a s negociações para formação das maiorias politicas que assegurem a governabilidade.  

O País precisa, com urgência desesperada, de uma reforma politica; não importa se feita pelo Congresso Nacional, ou se por deliberação dele, mediante participação popular direta. Mas é preciso fazê-la com os propósitos enunciados: barateamento das eleições; autenticidade partidária e formação de maiorias políticas consistentes.  Ninguém deve supor que os costumes políticos serão regenerados com direito penal, repressão e prisões. É preciso mudar o modelo politico com energia criativa, visão de futuro e compromisso com o país e sua gente. 

Minha primeira reflexão.

Sem reforma politica tudo continuará o que sempre foi. A distinção será apenas entre os que foram pegos e outros tantos que não foram.

Avanço senhor presidente.  A AP 470 apurou fatos que teriam custado ao País, em termos de dinheiro público, cerca de 150 milhões de Reais. De parte o custo pecuniário, não se deve descurar do custo moral e institucional, representado por dinheiros não contabilizados, compra de apoio politico e mal feitos diversos. É impossível exagerar a gravidade e o caráter pernicioso de tudo que aconteceu. Porém, a bem da verdade, é no mínimo questionável, a afirmação de se tratar do maior escândalo politico da historia do País. Talvez o que se possa afirmar, sem margem de erro, é que foi o mais investigado de todos, seja pelo MP, pela PF ou pela imprensa. Assim como foi, também, o que teve a resposta mais contundente do poder judiciário. Deve-se celebrar a resposta institucional dada ao episódio, como uma reação à aceitação social e à impunidade de condutas contrárias à ética e a legislação, mas não se deve fechar os olhos ao fato de que o chamado Mensalão não constituiu um evento isolado na vida nacional, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo. Justamente, ao contrario ele se insere em uma tradição lamentável que vem de longe. Nos últimos tempos, com o despertar da cidadania e pela benção que é a liberdade de imprensa e de expressão, tais fatos passaram a se tornar conhecidos e repudiados pela sociedade.

E começam a ser punidos.  

Em ligeiro esforço de memória, remontando aos últimos 20 anos, é possível desfiar um rosário de escândalos que custaram caro ao País. Também aqui, custo pecuniário e moral.  Em 1993 veio a público, para o espanto geral, o escândalo dos anões do orçamento que envolveu o desvio bilionário de recursos públicos via emendas parlamentares à lei orçamentária. Em 1997, o escândalo dos títulos públicos ou dos precatórios revelou um esquema que importou em perda de alguns bilhões para a fazenda pública; o escândalo da construção do prédio do TRT em São Paulo que veio à tona em 1999, implicou em desvio de muitas dezenas de milhões; o escândalo do Banestado, investigado em 2003, relacionou-se com a remessa fraudulenta para o exterior de mais de 2 bilhões de Reais. A lista é longa e pouco edificante.

Uma segunda reflexão.

Não existe corrupção do PT, PSDB ou PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior, dos nossos ou dos deles. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada.

Faço, senhor presidente, uma observação final.   

A sociedade brasileira tem cobrado um choque de decência em muitas áreas da vida pública. E é preciso mesmo. Seria bom, por igual, aproveitar essa energia cívica, para a superação de inúmeras práticas privadas que inibem o avanço civilizatório, das pequenas às grandes coisas.   Por exemplo, acabar com a cultura de cobrar preço distinto, com nota ou sem nota.  Não levar cachorro para fazer necessidade na praia, sabendo que pouco depois uma criança vai brincar na mesma areia. Não estacionar carro na calçada e obrigar o pedestre a caminhar pela rua, ou ultrapassar pelo acostamento, criando riscos ou obtendo vantagem indevida. Nas licitações, não fazer combinações ilegítimas com outros participantes ou fazer oferta de preço abaixo do custo para, em seguida, exigir adicionais após obter o contrato. Para não mencionar as obviedades, não dirigir embriagado, não jogar lixo na rua e respeitar a fila. As instituições públicas são um reflexo da sociedade: não adianta achar que o problema está sempre no outro; não viver o que se prega.

Portanto, uma terceira e última reflexão.

Cada um deveria aproveitar este momento que é visto, amplamente, como um ponto de inflexão e fazer a sua autocrítica, a sua própria reflexão pessoal, e vê se não é o caso de promover em si, a transformação que deseja para o País e para o mundo. 

Luis Nassif

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