Como a Fapesp espera tornar a ciência paulista mais mundial

Por Vinicius Carioca

R$ 1 bi na mão e um projeto ambicioso

“Não pode ter só gente prática que vai resolver problemas. Tem que ter gente que entende coisas”, diz Brito sobre pesquisas cujo foco não é em empresas ou saúde.

Do Valor Econômico, Publicado No Jornal da Ciência

Ele é chamado de “o professor Brito” até pelos seus pares. A reverência ao carioca Carlos Henrique de Brito Cruz, de 56 anos, tem a ver com seus títulos, seus cargos, seu discernimento e seu poder. Engenheiro eletrônico, doutor em Ciências, ex-presidente da Fapesp e ex-reitor da Unicamp, é, desde 2005, o diretor científico da fundação. Isso o torna uma espécie de ministro da ciência paulista. Ele não decide sozinho, claro, se um mestrando terá seu projeto aprovado, se é hora de investir recursos públicos em pesquisas sobre o câncer ou comprar um navio oceanográfico que desvende a costa e o mar do Brasil. Mas está sempre na banca que escolhe o destino de quem faz ciência em São Paulo.

Nos últimos tempos Brito tem conduzido a Fapesp a um projeto ambicioso: tornar a ciência paulista mais mundial. A fundação busca, agora, fortalecer o intercâmbio entre pesquisadores daqui e de fora, estreitar laços com empresas grandes e pequenas e seguir uma estratégia que faça de São Paulo um “hub” científico global. Há grandes defasagens – no Estado há um terço dos cientistas que existem na Espanha – mas o nível da pesquisa local amadureceu e ganhou respeito lá fora. O vigor financeiro também é invejável: o orçamento da Fapesp neste ano bate em R$ 1 bilhão.

Nesta entrevista, Brito fala também por que algumas pesquisas curiosas são importantes: “É para que a humanidade fique mais sabida”. Entre os brasileiros, acredita, “não pode ter só gente prática que vai resolver problemas. Tem que ter gente que entende coisas”. É aí que entra o segredo do bico do tucano – e ele está falando do pássaro mesmo.

Valor: Quais são os desafios da Fapesp agora?

Carlos Henrique de Brito Cruz: Um deles é aumentar o impacto intelectual, econômico e social da pesquisa que é feita em São Paulo.

Valor: O que isso quer dizer?

Brito: Buscar ideias mais ousadas e que sejam determinantes no futuro daquela área de pesquisa. Um projeto de saúde que encontre maneiras de atenuar os efeitos da diabetes, por exemplo. Outro no qual exames genéticos descubram alguma tendência para desenvolver certo tipo de câncer. Bons projetos de pesquisa para tratar de doenças, reduzir pobreza, melhorar a educação. Impacto econômico pode acontecer com pesquisadores fazendo projetos com a Embraer, a Braskem, a Vale, a Microsoft, nas pequenas empresas. Mas esse é apenas o primeiro desafio.

Valor: Quais são os outros?

Brito: O segundo desafio é ter mais cientistas. O número de cientistas de São Paulo é um terço do que tem na Espanha, um sexto do que existe na Coreia do Sul, mais ou menos duas vezes o que tem no Brasil. São Paulo está melhor que o Brasil, mas pior que a Espanha e pior que a Coreia do Sul. Se a gente quer competir no mundo, a proporção da população que está criando ideias precisa ser similar à deles, não é? São Paulo é do tamanho da Espanha. Deveria ser capaz de competir em ciência e tecnologia com a Espanha, portanto. E nós não somos. Fazemos menos patentes, menos artigos científicos, nossa ciência tem menos impacto.

Valor: Precisamos de mais gente pesquisando na universidade?

Brito: Não é bem isso. É preciso ter muitas pessoas tendo ideias para ter ideias boas. Significa ter mais cientistas no mundo acadêmico e mais cientistas no mundo empresarial. Mais cientistas empregados de empresa, não só professores de universidade. Este é o terceiro desafio: intensificar a atividade de pesquisa nas empresas do Estado de São Paulo.

Valor: Por que buscar a internacionalização?

Brito: É um dos elementos mais importantes da estratégia da fundação para o desenvolvimento científico do Estado. A ideia é conseguir que a ciência feita aqui tenha mais impacto mundial, seja mais vista e usada por cientistas de todos os lugares. Um caminho importante, ao lado de financiar projetos de pesquisa mais competitivos internacionalmente, é criar oportunidades para que haja mais colaboração entre pesquisadores. Tanto com outro colega de São Paulo ou do Brasil, com pesquisadores em alguma instituição de pesquisa fora do Brasil ou com cientistas que trabalhem em empresas.

Valor: Por que isso agora? Porque é hora?

Brito: Porque é hora e porque precisa. A ciência feita em São Paulo assumiu um tamanho visível mundialmente. Em número de artigos científicos representa metade do que é feito no Brasil, embora no Estado existam 25% dos cientistas do país. Por outro lado, há também o fato de que a intensidade da colaboração científica internacional, e também com empresas, é menor do que poderia ser. É hora de estimular esse tipo de cooperação. Muitas empresas no Brasil estão percebendo a necessidade de ter mais pesquisa para competir. O Brasil também está sendo mais visto pelo mundo. Isso tudo cria um território bom para desenvolver essas cooperações.

Valor: É o que a Fapesp tem feito?

Brito: Sim. Temos vários projetos com empresas e criamos oportunidades para que pesquisadores em São Paulo possam se associar com colegas de outros países e ter projetos de pesquisa financiados pela Fapesp e agências de outro país. Assim conseguimos que os pesquisadores se conheçam, interajam e comecem a trabalhar juntos. É o que os anglo-saxões chamam de “seed funding”, um financiamento-semente para que eles preparem um projeto de pesquisa maior que seja submetido a essas agências. É uma grande iniciativa de colaboração científica.

Valor: Para eles também é vantajoso?

Brito: A gente vê coisas interessantes. Os pesquisadores britânicos estão começando a perceber que, na situação fortemente competitiva que têm lá, onde só 15 ou 16% dos projetos são aprovados, aumentam suas chances quando se associam a um bom pesquisador em São Paulo. Também diminui o orçamento que vai solicitar no conselho de pesquisa britânico porque a pesquisa será feita aqui.

Valor: Começa a ter também um fluxo de pesquisadores de fora para o Brasil?

Brito: A estratégia da Fapesp de internacionalização é baseada também em trazer pesquisadores para cá. Já trouxemos mais de mil bons cientistas. É um projeto grande, não é mais do mesmo. São iniciativas que incluem colaboração acadêmica e com empresas, trazer estudantes, mandar pesquisadores, trazer pesquisadores, ter bolsistas.

Valor: A Amazônia desperta interesse?

Brito: A pesquisa feita aqui em Amazônia, biodiversidade e bioenergia atrai muito.

Valor: Como se distribuem os recursos financeiros da Fapesp?

Brito: A comunidade mais numerosa de pesquisadores é a da saúde e é para essa área que vai o maior pedaço do dinheiro, entre 25% e 30%. Depois vem biologia e engenharia. E então ciências humanas e sociais.

Valor: Onde o senhor vê oportunidades?

Brito: Temos três programas importantes relacionados com ambiente: biodiversidade, bioenergia e mudança climática global. Isso reflete o que me parece ser uma das grandes oportunidades para o Brasil hoje, que é a chance de ter benefícios comerciais, sociais e intelectuais ao entender melhor a natureza. O Brasil precisa entender essa biodiversidade. Tem terra para plantar, precisa entender como faz para a agricultura ser mais produtiva. Tem a Amazônia, precisa conhecer a floresta.

Valor: E as pequenas empresas?

Brito: Entram também. Em 1997 a Fapesp criou um programa chamado Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, Pipe, no qual há mais de mil empresas. Tem empresa que fez um revestimento para a broca do dentista durar mais, outra que fez um sistema para reciclagem de lâmpada fluorescente. É uma carteira enorme. Uma equipe analisou 300 projetos concluídos há algum tempo e verificou que, para cada real que a Fapesp aplicou, as empresas faturaram outros R$ 11. É um retorno de investimento alto para o Estado.

Valor: O senhor costuma contar uma história sobre tucanos. Qual é?

Brito: É importante buscar as aplicações da ciência, mas não é bom uma agência de financiamento, governo ou instituição só pensar em pesquisa que tem aplicação visível imediatamente. Porque muitas das descobertas de hoje resultam de ciência que foi feita sem pensar na aplicação. Tem que haver um equilíbrio entre essas coisas. Tem a pesquisa que faz a empresa ficar mais competitiva, a que faz o doente ficar são, o pobre ficar rico. Todas superimportantes. Mas tem um outro tipo de pesquisa, a que faz a humanidade ficar mais sábia. Os brasileiros também querem entender isso. A pesquisa do tucano ajuda a ilustrar este ponto.

Valor: Não entendi…

Brito: Uma das coisas intrigantes na natureza é por que as coisas são do jeito que são. O pesquisador queria saber por que existe um animal que tem o bico tão grande. O tucano carrega 40% do peso dele no bico e o que o bico faz de tão bom para ele que esse animal continua existindo depois de muitos milênios? Estudaram e descobriram que a função fisiológica do bico do tucano é trocar calor. Isso o ajuda a voar mais, a procurar mais comida, a se alimentar melhor, a atingir lugares aonde outros não foram.

Valor: O bico é um ar-condicionado?

Brito: O sangue do tucano passa no interior do bico, que tem cavidades. Ao passar, aumenta a superfície de contato e ele perde calor. Isso os pesquisadores somam com outros conhecimentos para chegar a conclusões sobre a teoria da evolução de Darwin, de como é que o animal chegou a esse ponto. Ninguém vai pensar: “Uh, esse pesquisador vai fazer uma fábrica de tucanos” ou “Vai usar o bico do tucano para curar o doente”. Não. A pesquisa vale pela sabedoria que ela criou. Tem pesquisadores da USP que são grandes especialistas na filosofia de Sócrates e Platão. Estudam e interpretam o que está escrito lá. Precisa ter isso entre os brasileiros. Não pode ter só gente prática que vai resolver problemas. Tem que ter gente que entende coisas.

(Valor Econômico)

Luis Nassif

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