Contradições da construção de alianças estaduais para uma nova governabilidade federal: o caso do Espírito Santo

Pela importância da disputa presidencial em 2022, montagem de palanques políticos estaduais ganhou contornos mais complexos; leia mais no GGN

Palácio Anchieta, sede do governo estadual no Espírito Santo: Foto: Glauco Martins – via Wikipedia

A montagem dos palanques estaduais sempre foi uma obra intrincada para os partidos e grupos políticos no complexo contexto da enorme fragmentação partidária brasileira. Neste ano, pela importância da disputa pela Presidência da República entre duas lideranças de forte apelo popular, Lula (PT) e Bolsonaro (PL), essa montagem ganhou contornos ainda mais severos.

Não é “apenas” a Presidência que está em jogo em 2022, mas sim o futuro do Brasil enquanto nação e sociedade. Desde 2019 o Brasil vem passando por uma experiência política desastrosa, desconstrucionista e regressiva, cujos efeitos deletérios se farão sentir nas décadas vindouras, quando são considerados os desmontes e os estragos civilizatórios operados pelo atual governo Bolsonaro.

Trata-se de algo inegável os retrocessos institucionais e socioeconômicos operados deliberadamente pelo governo Bolsonaro (PL), que contou com apoio parlamentar de partidos diversos, inclusive do PSDB.

As forças políticas e o pensamento conservador foram sequestrados pelo atual governo, de extrema direita, que passou a verbalizar e a praticar narrativas e atos que têm o condão de contaminar a agenda política, inscrevendo a prática política em níveis não civilizatórios, haja vista o profundo desprezo e a notória repulsa do governo a quaisquer tipos de controles e limites impostos pelo aparato estatal republicano.

Em razão desse cenário, os palanques estaduais ganharam uma importância ainda maior no pleito deste ano. A eleição presidencial já está polarizada desde 2021, e não há condições objetivas de normalidade que venham a alterar os atores que, de fato, irão disputar o voto majoritário, Lula e Bolsonaro.

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As tentativas de construção de novas candidaturas fracassaram. Não funcionou a “terceira via” neoliberal, como também não funcionou a tentativa do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) de apresentar-se como a alternativa aos dois candidatos mais bem pontuados. Os arroubos autoritários e antidemocráticos de Bolsonaro encontram eco em vários personagens conservadores e liberais, bastando que se verifique a sólida base que ele possui junto ao agronegócio e outros agrupamentos empresariais.

A emergência da derrota do governo de extrema direita tem guiado os partidos e segmentos de oposição democrática, ainda que eles não tenham conseguido uma unificação programática mais ampla, nem tenham renunciado ao comportamento e a posições hostis ao candidato Lula e ao seu partido, o PT.

Mas há uma mudança no imaginário de grande parte do eleitorado, que se afasta daquela narrativa construída que, no limite, levou à satanização da classe política e ao encapsulamento do principal partido na esfera dos assuntos criminais.

Essa consciência da emergência está levando a que, em muitas unidades federativas, palanques sejam construídos unindo partidos e forças políticas que sempre antagonizaram. Tal arquitetura, entretanto, traz consigo alguns elementos perigosos: o abandono da perspectiva estadual, suplantada pela situação nacional, e o risco de imobilismo político pelo poder de veto que os atores terão nas coligações.

Na prática, tal arquitetura pode levar ao sepultamento de candidaturas que trazem consigo a perspectiva de ruptura com o modelo oligárquico de governança vigente e, mais, que avancem no sentido de construção progressista de alternativas sólidas de mudanças na economia, nos padrões de vida e na própria lógica da política estadual.

Revezamento entre Hartung e Casagrande

Esse é o caso que assistimos no Espírito Santo (ES), o menor e menos populoso Estado da região Sudeste. Há 20 anos o Estado vem sendo governado por duas pessoas, que se revezam no comando do Poder Executivo capixaba: Paulo Hartung (sem partido) e Renato Casagrande (PSB). Ambos passaram a representar, a partir de 2014, duas lideranças antagônicas em razão de seus projetos pessoais e dos grupos políticos aos quais estão ligados.

Entretanto, tal antagonismo desaparece quando observamos os financiadores históricos de ambos e, principalmente, o papel relevante que sempre deram a uma organização denominada “Movimento Empresarial”.

Essa organização, e seus integrantes, exercem uma clara influência na definição das políticas públicas e no modelo de governança que Hartung e Casagrande exercem desde 2003, aliados até 2014, baseado no arrocho salarial dos servidores públicos, no corte brutal do custeio da máquina pública e no quase desparecimento de áreas onde se pensava o Estado, substituídas pelas consultorias pagas pelo Movimento Empresarial.

O modelo de governança capixaba desistiu de possuir meios próprios para o planejamento e a definição de diretrizes estratégicas, transferindo grande parte de tais atribuições ao Movimento Empresarial.

Hartung e Casagrande, este secretário-geral da Executiva Nacional do PSB, iniciaram a vida pública nos anos 1980, em movimentos democráticos de oposição à ditadura. Ambos possuem passado progressista.

Ocorre que, no exercício da governança capixaba, ambos foram se afastando gradualmente desse passado. Aderiram às agendas neoliberais, colaborando para a desconstrução da máquina pública estadual.

Casagrande, como Hartung, se afastaram do PT, que, no Espírito Santo, em razão de uma definição política de seus líderes, optou por se transformar em um ator político menor, que adere ao governo de plantão de forma acrítica, em troca de espaços, sempre insignificantes, na estrutura pública.

Casagrande tem operado a montagem de um palanque que excluía o PT neste ano. No entanto, ele foi pego de surpresa com a mais recente pesquisa de opinião, do Ipec, divulgada pela Rede Gazeta, na qual Lula, contrariando o senso comum local, se mostrou eleitoralmente mais forte do que o próprio governador e Bolsonaro no Espírito Santo.

Isso provocou um terremoto nas bases da aliança forjada por Casagrande, na qual se misturam partidos de centro esquerda e do conhecido fisiologismo representado pelo centrão. Nesse arranjo continuísta, Casagrande sempre afirmou, até um mês atrás isso, que não havia espaço para o PT no seu palanque.

O governador capixaba recebeu no Palácio Anchieta o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro, então no Podemos, que saiu da disputa presidencial pela porta dos fundos. Casagrande tentou ser construtor da terceira via para rivalizar com Hartung.

Agora, além dos resultados da pesquisa, há denúncias de corrupção apresentadas à Polícia Federal pelo prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que foram remetidas à Procuradoria Geral da República contra o governo Casagrande.

Este foi então obrigado a fazer uma séria inflexão política, buscando blindar-se e robustecer a sua candidatura, assediada por segmentos liberais e de extrema direita no Espírito Santo. A pesquisa do Ipec demonstrou que Casagrande, após quase cumprir dois mandatos como governador, goza, apenas, do patamar de 40% das intenções de voto, e isso em um cenário político no qual a oposição ao seu governo é quase inexistente ou de baixa qualidade, sendo que um segmento intelectualmente qualificado foi silenciado por pressão da máquina pública.

No segundo turno presidencial de 2014, Casagrande apoiou Aécio Neves (PSDB) e, no segundo turno de 2018, se manifestou neutro na disputa entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL então).

O fator Fabiano Contarato

Hoje, Casagrande quer “apenas” afastar a candidatura popular, democrática e progressista do senador Fabiano Contarato (PT), que mesmo sem andar pelo Estado, como vem fazendo o governador com seus aliados próximos semanalmente, e sem a garantia institucional de sua candidatura, já possui 11 % das intenções de voto, e tem o condão de resgatar sonhos e projetos originários de setores democráticos e progressistas da sociedade, que sempre pensaram o Espírito Santo e seu futuro, tendo sido esquecidos ao longo dos anos desde 2003.

Casagrande vai além. Especula-se que deseja ter como seu vice-governador o empresário Leonardo de Castro (PSDB), ex-presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo e ligado ao Movimento Empresarial, que apoiou todas as políticas regressivas no campo social e econômico implementadas desde o governo Temer, a partir de 2016.

A perspectiva da presença de Leonardo na chapa traz o PSDB para o palanque de Casagrande, especialmente a participação de um personagem fundamental no desmonte da legislação trabalhista: o ex-senador Ricardo Ferraço, que tinha como suplente o pai do próprio Leonardo.

Nos bastidores da política capixaba há uma certeza se cristalizando. Os financiadores históricos de Hartung e Casagrande não desejam a continuidade das escaramuças entre ambos, pois elas colocam em risco alguns de seus interesses maiores. Nesse sentido, Leonardo como vice seria uma solução “ideal”.

Casagrande comanda o PSB com mãos de ferro, não tendo formado lideranças competitivas em termos eleitorais. Todos sabem que ele deseja disputar o Senado em 2026, o que transformaria o empresário Leonardo de Castro em governador e potencial candidato à reeleição.

Na prática, o Movimento Empresarial assumirá, de direito e de fato, sem intermediários, o comando do Poder Executivo capixaba em abril de 2026.

Contra isso, a candidatura do senador Fabiano Contarato (PT) representa uma alternativa viável ao projeto hegemônico vigente desde 2003. Padece, entretanto, da falta de entusiasmo e do adesismo dócil que guia o destino de seu partido nas terras capixabas.

Não é o PT quem ficará sem candidato, caso Contarato não seja homologado. O Espírito Santo será privado da possibilidade de transformação das relações políticas, mantendo-se prisioneiro de uma agenda regressiva e plutocrática.

Não convém esquecer que a lógica das contradições eleitorais estaduais afetará, em boa medida, a agenda nacional, que clama por medidas que revertam as políticas regressivas implementadas desde 2016. A extrema direita esperará pacientemente em 2026.

Redação

4 Comentários

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  1. “desconstrutiva” é eufemismo. Por que não dizer “destrutiva”? Esse foi o termo empregado por Bolsonaro e Steve Bannon.

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