Delação de Messer é bilionária, mas recuperação do montante não está garantida

Pelo acordo, doleiro deve cumprir pena de até 18 anos e renunciar a 99% do seu patrimônio, estimado em R$ 1 bilhão

Por Rafa Santos

No Conjur

Bilionário, o acordo de colaboração premiada de Dario Messer — pomposamente apelidado de “doleiro dos doleiros”  — foi propalado com certa ostentação. Justamente quando a atuação da “lava jato” — e de outras investigações que se valeram de modus operandi semelhante — vêm sendo colocada em xeque.

Pelo acordo, Messer não apenas deverá cumprir pena de até 18 anos e 9 meses de prisão — com progressão de regime prevista em lei e regime inicial fechado —, mas, também, deve renunciar a 99% do seu patrimônio, estimado em R$ 1 bilhão.

A recuperação desse dinheiro, no entanto, ao menos no volume divulgado, está longe de ser tangível ou garantida. Consultados pela ConJur, especialistas brasileiros e paraguaios — boa parte do valor está no país vizinho — são uníssonos em apontar a complexidade da operação entre os dois países.

Da fortuna estimada em R$ 1 bilhão de Messer, ao menos US$ 150 milhões — cerca de R$ 815 milhões pelo câmbio desta sexta-feira (28/8) — correspondem a imóveis residenciais, terrenos, carros, fazendas, lojas e gado mantidos em território paraguaio, e que se encontram bloqueados pela Justiça daquele país.

Logo após a divulgação do acordo com o Ministério Público Federal brasileiro, o ministro Anticorrupção do Paraguai, René Fernández, afirmou que o país tem direito a fatia desse patrimônio porque parte dos bens de Messer foi obtida graças a delitos praticados lá. Ele afirmou à rádio ABC de Assunção que os dois países terão que negociar a porcentagem que é devida a cada um.

Desde o anúncio do acordo, chama a atenção a diferença de tom nos discursos do braço fluminense da “lava jato” e do Ministério Público do Paraguai. Enquanto os brasileiros esbanjam confiança de que o país deve ficar com ao menos R$ 500 milhões da fortuna de Messer, os procuradores paraguaios adotam um tom mais sóbrio.

Em entrevista ao periódico ABC Color, o procurador Sergio Coscia disse que a divisão será definida pela representante da Secretaria Nacional de Administración de Bienes Incautados y Comisados (Senabico), Teresa Rojas, pela procuradora Liliana Alcaraz e por um representante da chancelaria paraguaia ainda não definido. Ao mesmo jornal, uma fonte do MP paraguaio afirmou que o trabalho é orientado para manter os bens de Messer que se encontram no país.

Tramites da repatriação
O advogado Paulo Cunha Bueno, professor de Direito Penal pela PUC-São Paulo, é otimista e diz acreditar que os dois países vão chegar a um bom termo. “Não existindo acordo, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), junto com o Itamaraty, poderia fazer um com base no princípio da reciprocidade”, explica.

A reportagem fez um pedido de entrevista ao procurador regional José Augusto Vagos, que costurou o acordo de delação de Messer. O MPF-RJ, no entanto, afirmou que procurador irá se abster de se manifestar até que o caso avance. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, contudo, ele afirmou estar confiante na repatriação.

“Se forem respeitados os tratados internacionais que o Brasil e o Paraguai subscreveram, não haverá batalha alguma. O produto de crimes praticados em dois países deve ser dividido. Messer responde por crimes de lavagem no Paraguai, cujos crimes adjacentes foram fruto da organização criminosa que comandou no Brasil”, disse ao periódico.

O otimismo do procurador brasileiro esbarra na falta de um acordo bilateral para repatriação de ativos decorrentes de crime entre os dois países.

Com larga experiência nesse tipo de caso, Vladimir Aras, procurador Regional da República em Brasília e ex-secretário de cooperação jurídica internacional da Procuradoria-Geral da República, reconhece a sutileza do caso.

“A situação é bem complexa porque ele [Messer] tem processos lá e aqui. Começamos pelo cenário mais fácil. Vamos imaginar que ele seja absolvido nos processos de lá. Nesse caso, a regra é que a repatriação poderia acontecer por meio de um acordo chamado asset sharing. Trata-se de um acordo de partilha de ativos, que é uma matéria que ainda não é bem regulada no direito brasileiro. Nesse caso, os estados fazem um acordo entre eles para que se defina quanto vai ficar para cada um”, explica.

Segundo Aras, “essa regra de 50% só prevalece se não houver um acordo entre países, que nesse caso não existe”. “Não temos nenhum acordo específico sobre partilha de ativos. Precisaremos fazer um acordo entre Brasília e Assunção para definir quanto vem. E isso vai depender bastante do tipo de ação penal que o Messer responde no Paraguai”, explica.

Aras explica que, se ficar comprovado que os crimes de Messer atingiram o estado paraguaio, a situação se complica. “Se o MP brasileiro conseguir provar que o estado brasileiro foi vítima, irá facilitar a situação negocial do Brasil. E do lado de lá, a mesma coisa”, diz.

Outro ponto levantado por Aras é na legislação paraguaia. “Se qualquer país pedisse o bloqueio de ativos no Brasil de criminosos, e esses ativos estivessem ligados a lavagem de dinheiro, o estado brasileiro poderia requerer 50% desses valores, porque isso está escrito na nossa lei de lavagem. No Paraguai existe um dispositivo semelhante, mas que não diz exatamente a porcentagem dessa partilha”, comenta.  A lei paraguaia, nesses casos, prevê um acordo ad hoc (específico) para essas situações.

“Se for comprovado dano ao erário brasileiro, também poderia ser usada a regra da Convenção de Mérida, que prevê que o Estado vítima pode requerer que se devolva tudo. Imagino que, em uma soma tão grande, como R$ 1 bilhão, deve ter direito de todo tipo”, explica.

Entraves
O advogado paraguaio Fernando Airaldi diz acreditar que a repatriação dos valores ventilados pelo MP brasileiro será bastante difícil. “Acredito que esse processo será muito complicado. Não existe uma porcentagem definida do ponto de vista legal. E também não há acordo bilateral”, explica.

Airaldi diz que existe também uma grande pressão política em torno do caso e isso pode dificultar as coisas. A ligação de negócios de Messer com o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, que deixou o poder em 2018, tornando-se senador vitalício, por exemplo.

Conforme a Constituição de 1992, ex-presidentes no Paraguai se tornam senadores vitalícios com direito a imunidade. O atual presidente, Mario Abdo Benítez, é considerado um desafeto de Cartes, apesar de serem do mesmo partido, o Colorado. Contudo, ambos ensaiaram recentemente uma aproximação, o que torna tudo ainda mais complexo.

Apesar de admitir que existe a possibilidade de um acordo pela via diplomática ou mesmo o uso de tratados internacionais subscritos pelos dois países, Airaldi diz que a situação irá demandar muito tempo e paciência. “Por conta do aspecto político, esse processo se tornou uma questão de Estado. O processo aqui é político”, comenta.

Ouro de tolo
O advogado José Augusto Marcondes de Moura Jr., que representa a ex-advogada de Messer Maria Letícia Bóbeda Andrada — filha do ex-senador paraguaio José Manuel Bóbeda —, é cético em relação à repatriação dos bens de Messer.

“O Paraguai não vai entregar nada. Acredito que essa divulgação em torno da delação foi mais midiática do que prática. Esses bens teriam que ser alienados, depositar os valores. Existem débitos dele no país. Isso é o famoso ‘ouro de tolo’. Tem também ações trabalhistas contra o Messer em solo paraguaio. Como faz? Não é dinheiro puro e simples que você vai pegar. Tem fazenda. Tem gado. Tem administração do gado”, comenta.

A própria cliente de Marcondes de Moura Jr. move ação contra Messer no Paraguai para que o doleiro pague os seus honorários como advogada.

Sobre ações trabalhistas contra Messer no Paraguai, o procurador Vladimir Aras lembra que esses valores deveriam ser pagos diretamente por Messer, sob o risco de infringir o acordo de delação. “Pela lei brasileira, o dinheiro referente a ações trabalhistas representa créditos privilegiados. Você pode considerar como patrimônio comprometido já. Eu não conheço o acordo para saber se essas questões foram contempladas. Não é possível dispor de patrimônio que está onerado. É como se eu te desse um apartamento para sanar uma dívida, mas o imóvel está cheio de pepino. Isso seria descumprir o acordo”, argumenta.

Redação

1 Comentário

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  1. Desse patrimônio, a grande maioria localizado no Paraguai, não veremos quase nada. Esse acordo de delação premiada não vai punir, nem fazer justiça. Os figurões que se utilizaram dos serviços de Messer já vem agindo para manter a imputabilidade,desde os tempos da CPI do Banestado. Mais uma vez, elite brasileira vai se safar de qualquer acusação e condenação. Nem os políticos, nem as polícias e nem o judiciário tem interesse em tirar o véu de cima dessa bosta toda, pois são corporativistas, se defendem entre si e muitos dos seus seriam réus.

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