Delação premiada e sadismo: na cloaca sombria da espécie humana, por Sebastião Nunes

Eles imaginam que são justos, mas uma das atividades mais pavorosas a que o homem se dedica é a de julgar outro homem

Suponhamos que um tribunal de exceção, que são todos os tribunais e todos os juízes da Terra, tenha condenado você a cumprir 999 anos de prisão.

            “Por que 999”, se perguntará você, “idade que jamais alcançarei, mesmo com as progressões de regime existentes?” Por nada. Apenas para aterrorizá-lo.

            Cabisbaixo, contristado, infeliz, humilhado, deprimido, amargurado, encarando a sério a hipótese de suicídio, você sai dali algemado, escoltado por alguns brutamontes, e é trancafiado numa cela de 5x5m, com 222 outros condenados.

            A cela fede, você fede, suas roupas fedem, tudo fede.

            Chega o jantar. É uma paçoca grudenta de arroz duro com feijão aguado e dois toletes de gordura amarelada disputando espaço com uma rodela de tomate podre e uma folha de alface murcha.

Só isso? Não. Reparando bem, você poderá notar, misturados à gororoba, fios de cabelo, asas de mosca, cascas de barata, pedaços de unha.

            Você examina o guisado e as opões disponíveis: engolir tal imundície, alimentar a chama da vida, ou morrer de fome e desesperança?

 

OS QUE JULGAM

Eles imaginam que são justos, mas uma das atividades mais pavorosas a que o homem se dedica é a de julgar outro homem.

Por quê? Porque, dizem os que julgam, existem inocentes e culpados. E os culpados devem pagar pelo que fizeram aos inocentes.

E quem são os que julgam?

São aqueles que certo dia, perdido nas dobras do Tempo, se tornaram servidores dos que dominaram, usando força, esperteza ou riqueza, os outros homens da tribo.

Desde então se perpetuou a espantosa divisão: do lado dos dominadores e dos que julgam, os inocentes; do outro lado, os culpados.

Para julgar quem é inocente ou culpado, e já que a maioria dos dominadores têm outras obrigações, criaram-se escolas de justiça (ou de direito) e ali se formata os que julgam, que se dividem em julgadores de tribunais inferiores e julgadores de tribunais superiores. Com gradações, é claro. Porque chegar aos tribunais superiores exige força, esperteza ou riqueza. Ou seja: as mesmas virtudes exigidas para se tornar dominador.

 

OS QUE TORTURAM

Para auxiliar os julgadores, que condenam, mas não sujam as mãos torturando os culpados, foram criadas certas categorias obscuras, ligadas pelo objetivo de empregar o máximo de crueldade contra os culpados.

São sempre indivíduos sádicos e violentos, dotados dos mais grosseiros padrões de comportamento, reservas sempre disponíveis de maldade, violência e dor.

Tais categorias são formadas pelos policiais e pelos auxiliares dos policiais.

A eles cabe prender os culpados e tratá-los da maneira mais cruel possível. Não precisam, necessariamente, pensar. Precisam apenas ter força suficiente para fazer jorrar sangue e causar o máximo de sofrimento, se possível sem deixar marcas.

 

OS DELATORES PREMIADOS

Judas não foi o primeiro nem será o último. Mas Judas é um personagem vago, havendo quem o considere o mais fiel discípulo de Cristo, e o único a compreender sua divindade, daí ter optado pela delação, cumprindo o destino que lhe estava reservado.

Ao contrário, os delatores premiados pensam apenas em si mesmos.

Podemos agora esmiuçar a questão que nos trouxe até aqui.

Se, em troca de inculpar um outro, você conseguir se safar com apenas, digamos, 9 anos a cumprir de sua condenação inicial, dois terços deles em regime semiaberto e o restante em prisão domiciliar, o que você decidiria?

E se, além dessa colossal redução de pena, fossem confiscados apenas 20% de seus ganhos como corrupto (passivo ou ativo, não importa), mantendo, além de sua fortuna, os demais bens acumulados e a boa vida que só a riqueza e o poder permitem?

Se você for um dos raríssimos seres humanos incapazes de trair, mentir, vender, omitir, deturpar, você certamente cumprirá a parte necessária de sua pena.

Mas se você for um Antônio Palocci, um Alberto Youssef, um Paulo Roberto Costa, um Delcídio do Amaral, um Nestor Cerveró, um Fernando Baiano, um Léo Pinheiro – ou qualquer outro dos 176 delatores que até outubro de 2018 haviam firmado acordos de delação premiada, você deve se juntar imediatamente a Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e a todos os que, como eles, traíram a espécie humana, tornando-se apenas vermes escrotos condenados, não ao Inferno de Dante, mas aos mais sombrios pântanos da cloaca que esconde, desde que o mundo é mundo, a escória de nossa espécie. 

            Quando as religiões mandavam no mundo, havia um pecado sem perdão, aquele que ofendia o sagrado nome de Deus.

            Este novo pecado sem remissão, que se crava no coração da espécie humana, se chama delação premiada.

Sebastiao Nunes

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