Ciro e Tasso, amizade acima da política

Ciro Gomes é uma das personalidades fascinantes da política brasileira. Até hoje mantém seu estilo adolescente-explosivo – que é seu maior trunfo e, ao mesmo tempo, sua maior vulnerabilidade. Não consegue se enquadrar em nenhum partido, é o cowboy solitário do oeste, o gatilho rápido no discurso e na polêmica, mas sem parada.

Embora personalista, orgulhoso, articulado, sempre teve a necessidade de buscar apoio (muito mais emocional que político) em personalidades fortes.

Historicamente, esse papel sempre foi desempenhado por Tasso. Antes de 1995, por FHC. Chegou a brigar com Mário Covas porque este impediu Fernando Henrique de cumprir seu grande destino, vetando a ida do PSDB para o governo Collor. Tornou-se admirador fervoroso de Lula e respondeu ao apoio com enorme lealdade – especialmente no período agudo da crise política.

Essa necessidade de se amparar em personalidades fortes é explicada na própria entrevista. Nunca conseguiu utilizar todo o potencial de seu enorme talento político porque lhe faltava a perna da organização política, o padrinho político e a estabilidade emocional. Mais que isso, lembra muitos publicitários extremamente talentosos, mas que só se realizaram quando tiveram do seu lado o administrativo Sancho Pança, prático, objetivo e realista.

No fundo, Ciro sempre foi o Dom Quixote à procura do seu Sancho Pança.

Confiram nesse trabalho do Estadão, que está trazendo de volta às suas páginas as grandes reportagens.

Do Estadão

Ciro E Tasso, amizade dividida pelas urnas

Senador tucano não aprova, segundo amigos, o modo como o deputado aborda prefeitos de seu partido pedindo votos para o irmão Cid Gomes

Lourival Sant´Anna ENVIADO ESPECIAL / FORTALEZA – O Estado de S.Paulo

Urnas à parte? Tasso não foi ao casamento da filha de Ciro, em julho,  “para evitar constrangimentos”  

Ciro Gomes tem problemas com domicílio eleitoral, abomina os partidos grandes, está “contando os minutos para sair da Câmara dos Deputados”, que considera “uma vergonha”, e vive pagando pela língua. Parecem problemas graves, para um político. Em compensação, o homem é bom de voto.

A simples confusão entre ele e Ciro Moura, candidato ao Senado pelo PTC em São Paulo, que espertamente se registrou apenas com o prenome, catapultou o candidato nanico, que em 2006 tivera irrisórios 3.636 votos, para 19% no Datafolha, em empate técnico com Romeu Tuma (PTB) e Orestes Quércia (PMDB). Sem dinheiro nem máquina partidária, concorrendo pelo PPS, Ciro Gomes teve 7,4 milhões de votos na eleição presidencial de 1998, ficando em terceiro. Quatro anos mais tarde, caiu para quarto lugar, mas cresceu em votos: 10,1 milhões.

No Ceará, Ciro se elegeria para o que quisesse. Há quatro anos, lançou-se a deputado federal para salvar seu partido, o PSB, da cláusula de barreira que exclui do Parlamento os partidos com menos de 5% de votos no nível nacional. Foi o deputado mais bem votado do País, em termos porcentuais: 16%. De quebra, alçou seu irmão, Cid Gomes, também do PSB, ao governo do Estado. Antes disso, já havia sido o prefeito e o governador mais bem avaliados do País. Ciro coordena a campanha à reeleição de Cid, que tem 49% no Ibope – mais do que seus adversários somados, o que o dispensaria de segundo turno.

“Minha tragédia é que não tenho um partido. Nunca tive”, lamenta Ciro. Ele começou a carreira em 1982, quando se elegeu deputado estadual pelo antigo PDS – que apoiava a ditadura -, não por convicção ideológica, mas porque seu pai era prefeito de Sobral pelo partido e, pela lei da vinculação partidária, ele não podia apoiá-lo estando noutra legenda. Mas durante o mandato mudou para o PMDB, do qual saiu em 1989, para ajudar a fundar o PSDB. Deixou o partido – e o País – em 1994, depois de exercer por quatro meses o cargo de ministro da Fazenda, no final do governo de Itamar Franco. Voltou dos Estados Unidos um ano e meio depois e filiou-se ao PPS. Em 2003, trocou o PPS, que assumiu a oposição a Lula, pelo PSB, e tornou-se ministro da Integração Nacional.

Planalto 2014. Ciro ainda quer ser presidente da República. Mas diz que só se candidatará em 2014 se o PSB concordar: “Chega de mudar de partido.” Embora apoie o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff, Ciro diz que o PT “seria o último partido” ao qual se filiaria: “PT nem pensar, porque considero que fez bastante bem, e nisso prestou um grande serviço, falar mal das coisas erradas. Mas segue sendo um partido sem projeto de país, sem preocupação republicana.” Além disso, a aliança do PT com o PMDB o “incomoda profundamente, pela absoluta frouxidão moral e doutrinária que a preside”. Ele aponta as negociatas das emendas na Câmara: “Os petistas se tornaram aprendizes de mafioso.”

Sua admiração por Dilma tem como pano de fundo seu desprezo pelo resto do PT. Ciro participou da coordenação política durante a crise do mensalão, em 2005, junto com Dilma e os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos e da Fazenda Antonio Palocci: “Vi a Dilma na hora que boa parte da petezada encolheu toda, fugiu, correu com medo, bancou a frouxa, acovardou-se. Ela é que estava lá firme. Ela e poucos.”

O PSDB também está descartado: “Ele virou uma deformação caricata do que nós queríamos para o Brasil. Virou a sede do pensamento criptoconservador modernoso dessa elite que pensa que Miami é a capital cultural da humanidade, que o financismo e não a produção, o trabalho, é que importa, que nação é um conceito “old fashioned” (fora de moda). Nação, projeto nacional, tudo isso é lixo para essa gente.”

O ex-governador de São Paulo José Serra, candidato do PSDB, “está numa esquizofrenia grave, porque a formação dele não é essa”, diagnostica Ciro. “Mas, como Lula ocupou inclusive a centro-direita, Serra está indo para a direitona.” Ele cita como exemplo oi apoio que o candidato tucano dá às denúncias de vinculação entre o PT e a narcoguerrilha colombiana.

Longa amizade. O único páreo para Ciro no Ceará é seu grande amigo e histórico aliado Tasso Jereissati (PSDB), três vezes governador, hoje senador candidato à reeleição. Embora mais novo que Tasso, de 61 anos, Ciro, de 52, entrou na política antes dele.

Conheceram-se em meados dos anos 80, quando Ciro já tinha sido prefeito de Sobral e exercia “oposição solitária” contra os “coronéis” da época na Assembleia Legislativa. Tasso, então um líder empresarial de ideias modernas, foi participar de um debate na Assembleia. Só Ciro ficou para assistir. Depois, foram tomar café na imobiliária de Tasso.

Em 1986, o empresariado convidou Tasso para se candidatar a governador. Ele foi consultar o amigo político, que o incentivou. Ciro levou Tasso para testar suas qualidades oratórias em seu primeiro evento político, no Teatro São João, em Sobral. “Foi impressionante”, conta Ciro, conservando sua admiração. “Eu disse: “Temos um homem aí.”” Tasso elegeu-se e Ciro foi líder de seu governo na Assembleia. Ambos saíram juntos do PMDB em 1989 para fundar o PSDB.

Nas eleições seguintes, em 1990, Tasso lançou Ciro ao governo. Ciro estava pronto para se candidatar a prefeito de Sobral, e já tinha vencido o prazo para mudar o domicílio eleitoral. O PSDB promoveu uma emenda na Constituição para que só naquela eleição o prazo de mudança do domicílio fosse reduzido de um ano para seis meses.

“Vivo sofrendo com essas merdas”, brinca Ciro, que foi convencido por Lula a transferir em outubro seu domicílio eleitoral para São Paulo. Lula queria que Ciro saísse a governador e bombardeasse o governo de Serra. Ciro queria ser candidato a presidente. O PSB, aliado de Lula, não o bancou. Ciro considerou-se “humilhado”.

A única vez em que Ciro brigou com Tasso foi depois de uma reunião em um restaurante em Brasília com Fernando Henrique e o ex-governador de São Paulo Mario Covas, em 1993, pouco antes do lançamento do plano de estabilização da economia, mais tarde conhecido como Plano Real. Segundo Ciro, Fernando Henrique, na época ministro da Fazenda de Itamar Franco, informou aos três que queria ser candidato a presidente, e perguntou se alguém tinha objeção.

Ciro achava que Tasso, então presidente do PSDB, era o candidato natural, e que Fernando Henrique devia cuidar da estabilização da moeda. Mas Tasso não quis opor-se a FHC, deixando Ciro furioso. Ciro saiu do PSDB em 1994, e Tasso permaneceu no partido. Desde então, estão “em caminhos distintos na política nacional”, como diz Ciro, mas a amizade ficou. Em 1998, quando Ciro disputou a Presidência, Tasso apoiou Fernando Henrique.

Mesmo assim, Ciro votou em Tasso para governador do Ceará. “Alguma nobreza existe nessa relação”, conclui Ciro. “Agora, é a mesma coisa. Ele era adepto do Serra e eu tentei muito ser candidato. Não consegui, mas minha turma não era a do Serra, a do PFL (sucessor do PDS e antecessor do DEM). Minha turma é a do PT, do PDT, do PC do B.”

A população do Ceará ignora essas divergências partidárias e enxerga os 24 anos que vão desde a primeira eleição de Tasso até o governo atual de Cid Gomes como um período contínuo de modernização. Tasso e Cid tentaram um “entendimento” este ano, no âmbito estadual. A ideia era que o PSDB não lançasse candidato ao governo nem apoiasse um segundo candidato ao Senado, além de Tasso. Cid apoiaria o deputado federal Eunício Oliveira (PMDB), aliado do PT, para a outra vaga do Senado. E o PT manteria o atual vice-governador, Francisco Pinheiro.

 

O acordo esbarrou nas pretensões do PT de disputar uma das vagas do Senado. O partido lançou o deputado federal José Pimentel. De acordo com as pesquisas, Tasso (hoje com 63% de intenções de voto, segundo o Ibope) assegura com facilidade a sua vaga no Senado, enquanto Eunício (com 27%, na mesma pesquisa ) e Pimentel (com 25%) estão tecnicamente empatados.

 

Algumas horas depois de o PSDB lançar o presidente da Assembleia, Marcos Cals, ao governo, no dia 22 de junho, Tasso e Ciro se reuniram no gabinete do senador em Brasília.

 

Numa conversa de mais de uma hora, os dois reafirmaram a amizade pessoal. De lá para cá, não se falaram mais. Segundo fontes próximas a Tasso, o senador se ressente da agressividade com que Ciro estaria abordando prefeitos do PSDB para pedir apoio a Cid. 

Luis Nassif

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