Guilhon, o professor de pesquisas e de isenção

Por Darlan Montenegro

Cumpre lembrar que o cientista político Guilhon de Albuquerque vaticinou, em 2002, que Lula não apenas não tinha qualquer chance de ganhar a eleição daquele ano como até, muito provavelmente, estaria fora do segundo turno. Ele falava no tal “teto” de 30 por cento do Lula, o que, então, já era uma bobagem, uma vez que o candidato petista cresceu sempre entre uma eleição presidencial e outra, tornando pouco sábio afirmar que seu “teto” seria de x ou y.

Os artigos assinados por ele estão no banco de dados da Folha e podem ser consultados pelos interessados.

Diante de um exercício tão evidente e desastrado de “wishful thinking”, fica difícil entender por que cargas d’água os órgãos de imprensa (noves fora as razões evidentes que movem William Waack) ainda o convidam para fazer apreciações sobre a capacidade analítica dos institutos de pesquisa. 

Da Folha. de 7 de agosto de 2002

TENDÊNCIAS/DEBATES

Ocaso de um sonho

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

Há um aspecto dos últimos resultados das prévias eleitorais, até aqui pouco considerado, que permite prever o ocaso de mais um sonho: o sonho de um partido que seja capaz de manter, simultaneamente, a primazia dos princípios e o pragmatismo do desempenho eleitoral. Refiro-me, é claro, ao PT; mas não se trata só das desagradáveis associações com corrupção nem da inusitada aliança oportunista com uma sigla de aluguel de direita. Trata-se do previsível adiamento -creio que se pode mesmo falar em sepultamento- do sonho de um PT finalmente amadurecido em sua vocação eleitoral e governativa.

Pois é nessa direção que as prévias eleitorais até aqui disponíveis parecem apontar. A tendência mais significativa, considerando-se tanto a atual fase da campanha como as séries históricas, é a trajetória aparentemente definitiva de Lula em direção a um patamar equivalente ao eleitorado tradicional do PT nas eleições precedentes.

Convém lembrar que, em maio de 1994, Lula atingiu seu teto de 42%, contra 16% de Fernando Henrique, e começou a declinar em junho. Em agosto, depois do início do programa eleitoral, as tendências se inverteram e FHC ultrapassou Lula pela primeira vez (36% a 29%). Com isso, a queda das preferências atribuídas a Lula se acentuou, para atingir 22% no primeiro turno.

Em maio de 1998, com o desemprego crescente, a estagnação da economia e a crise internacional batendo às portas, a aprovação do governo vinha caindo de 36%, em março, para 31%. As preferências eleitorais atribuídas a FHC vinham caindo de 41% para 34%, e continuaram caindo, para 33% em junho. Lula vinha subindo de 24% e praticamente empatou com Fernando Henrique em 30%, teto que manteve em junho. Sua queda começou em julho e se acentuou após o início do programa eleitoral, para finalmente atingir 26% no primeiro turno.

Em maio de 2002, Lula novamente chegou a seu teto de 42%, contra 16% de preferências atribuídas a José Serra, e logo começou a declinar, apesar da aprovação do governo estar caindo de 28% para os cerca de 25% atuais. A curva das preferências atribuídas ao candidato do PT aponta para um piso não distante dos 22% a 26%.

O eleitorado moderado, ainda que insatisfeito com o governo, não encara a candidatura do PT como uma alternativa desejável

Quais as razões que me levam a crer que não se trata de uma oscilação errática, mas de uma tendência definitiva?

Em primeiro lugar, Lula é a candidatura mais consolidada no atual processo eleitoral. É candidato declarado à Presidência desde 1988 e é considerado presidenciável desde, pelo menos, sua candidatura a governador de São Paulo, em 82. Nas atuais eleições, vem liderando as prévias desde que começaram a ser divulgadas, em meados do ano passado.

Lula é o primeiro nome que vem à mente quando se pensa em candidato à Presidência, e há mais de um ano é dado como a única certeza num eventual segundo turno, o qual só não se realizaria se Lula vencesse no primeiro turno. Em consequência, quando as prévias atribuíram ao Lula 42% das preferências e algumas simulações apontaram para sua vitória no primeiro turno, a imensa maioria do eleitorado brasileiro já sabia quem era o Lula, a que ele vinha e do que seria capaz no governo.

Portanto, se a maioria do eleitorado estivesse convencida de que queria Lula na Presidência e o PT no poder, sua trajetória seria de crescimento, na pior das hipóteses de consolidação, e nunca de declínio. A queda acentuada mostra que, apesar do esforço deliberado para evitá-lo, o eleitorado moderado, ainda que insatisfeito com o atual governo, não encara a candidatura do PT como uma alternativa desejável. Isso é facilmente confirmado pelo fato de que todos os candidatos que, até agora, atingiram um patamar de cerca de 20% nas prévias -Roseana, Serra e Ciro- pelo menos empataram com as preferências atribuídas a Lula nas simulações de segundo turno, ou as ultrapassaram .

Com isso, Lula fica confinado ao eleitorado petista, mostrando-se incapaz de ampliar sua base eleitoral para incorporar o setor moderado da oposição. Dados atribuídos ao Ibope por um matutino carioca em 1º de agosto mostram que apenas 44% dos entrevistados que desaprovam o governo votariam em Lula. Para quem vem sendo o chefe inconteste da oposição no Brasil nos últimos 20 anos e encarnou nos últimos 12 meses as esperanças da oposição, isso revela total incapacidade para alcançar 60% do eleitorado insatisfeito com o governo, e especificamente a parte moderada da oposição.

A menos que reverta dramaticamente o atual declínio, não é apenas o sonho de vencer no primeiro turno que se esvai. Com uma votação oscilando entre 25% e 30%, na melhor das hipóteses, Lula não tem assegurada nem sequer sua presença num eventual segundo turno, que dirá a vitória no primeiro.

Com a ausência dos “ruídos eleitorais” de outros anos -isto é, a ausência de um grupo de “nanicos”, com votação oscilando entre 3% e 5%- e o esvaziamento de Garotinho, mais de 60% dos eleitores se dividirão entre Serra e Ciro. Qualquer dos dois que se distancie e ultrapasse um patamar de 40% poderá ganhar no primeiro turno. Se houver indecisão entre os dois, ambos poderão ir para o segundo turno, tirando Lula do páreo. A crise resultante da derrota pode se revelar fatal para o PT.

José Augusto Guilhon Albuquerque, 61, é professor titular de relações internacionais do Departamento de Economia da FEA-USP. Foi detentor da cátedra Rio Branco, na Chatham House, Royal Institute of International Affairs (Reino Unido). 

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador