Eu odeio Paulo Nogueira Baptista Jr.

O que justificaria tanta raiva?

No mínimo, a retomada de um magnífico processo histórico na mídia brasileira.

Estadão em 1914, texto da UFG (1):

“Conforme os estudos de Aluízio Alves Filho em relação ao Jeca Tatu, há uma contribuição interessante sobre uma polêmica em relação ao documento enviado por Monteiro Lobato para a imprensa. Afinal, carta ou artigo? Aluízio menciona que ao consultar a Coleção de O Estado de S. Paulo, percebeu que no jornal deste período não era de praxe publicar cartas de leitores. ‘Esporadicamente o Estadão divulgava queixas e reclamações dos leitores. Recebida a correspondência, o jornal sintetizava-a, em linguagem própria, dava uma minúscula nota a respeito. Problemas ligados à iluminação, policiamento, abastecimento de água e outras coisas do gênero. A longa carta do humilde lavrador, em linguagem rebuscada, carta que possuía até título, estava totalmente fora dos parâmetros do reproduzível nas páginas do jornal e seria um contra-senso que alguém perdesse tempo para escrevê-la e enviá-la para a seção de queixas…’ na esperança de vê-la publicada como carta de leitor. O jornal não possuía espaço dedicado a este tipo de ‘colaboração’.”

Um século depois, não há mais espaço para “este tipo de ‘colaboração'” na grande imprensa brasileira. Em outras palavras, é uma tentativa de eliminar qualquer risco de “Furacão na Botocúndia” (2):

“Botocúndia foi o nome ao mesmo tempo irônico e carinhoso com que o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) batizou o Brasil. O apelido alertava para os aspectos retrógrados e subdesenvolvidos que ele tanto se empenhou em combater, com a força de um furacão.

[O livro] ‘Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia’ apresenta as múltiplas facetas artísticas, empresariais e políticas do maior escritor infanto-juvenil brasileiro, responsável por uma verdadeira revolução editorial no país.”

Eliminar os textos do professor Paulo Nogueira Baptista Jr. da seção de “queixas e reclamações” dos jornalões é mais um passo nesse esforço de sanitização das idéias.

Os editores atuais tentam esquecer que a diversidade, um bocado de “impureza” intelectual faz bem. É uma ironia lembrar que isso faz parte da propaganda até de um fabricante de sabão em pó (3):

“Escrito por Mariana Caltabiano, autora infantil de livros como ‘Jujubalândia’ e ‘A Arca de Ninguém’, ‘Se Sujar Faz Bem’ tem o objetivo de, por meio da leitura, estimular a criatividade, a coordenação e a superação das crianças por meio de pequenos desafios.

‘O projeto reforça a mensagem especial de OMO às mães sobre a importância de brincadeiras e atividades que incentivem seus filhos a ultrapassarem desafios e se superarem, pois acreditamos que toda criança tem direito a enfrentar todo e qualquer obstáculo para o seu pleno desenvolvimento’, explica Regina Camargo, gerente de marketing da marca.”

Aviso necessário: eu detesto os artigos do professor, por isso quero lê-los todos. É Voltaire: “Le secret d’ennuyer est celui de tout dire.” (“O segredo de aborrecer é dizer tudo.”)

O editor do Estadão em 1914 não tinha medo de escrever a História. Do texto da UFG:

“Tanto em ‘A Velha Praga’ quanto em ‘Urupês’ estão postas as preocupações de Lobato com o progresso, tendo como elemento central à noção positiva de trabalho, preocupação que está presente no ideário brasileiro de modo mais insistente nas três últimas décadas do século XIX.

Não obstante, ganha ênfase, no mínimo, a partir dos anos 10 do século XX, quando as crises sucessivas do regime republicano de governo e as crises vividas, internacional e nacionalmente, impuseram reformulações das práticas liberais, de modo que ‘intelectuais’ em geral passaram a refletir a respeito das questões referentes à nacionalidade e às características do povo brasileiro.

Pensando nesta mesma ótica, os intelectuais ansiavam por (re)descobrir o país: seus problemas, sua realidade e o potencial econômico e cultural. No entanto, Lobato foi um dos intelectuais engajados nas questões nacionalistas, seu pensamento esteve voltado para a vida cultural, social e econômica do país, seja refletindo ou atuando sobre ela.”

Um século depois, num contexto semelhante – “as crises vividas, internacional e nacionalmente, impuseram reformulações das práticas liberais” – um dos herdeiros intelectuais daquele editor do Estadão surge fora dos jornalões, na internet.

Luis Nassif em 2010 (4):

“Convite a Paulo Nogueira Baptista

Prezado Paulo,

Faço o convite publicamente, para que escreva um artigo semanal para o Blog.

Tenho certeza de falar em nome de todos: ficaríamos muito engrandecidos em abrigar sua coluna de Economia.”

Mesmo em nome de quem o detesta. É como escreve o jornalista do “The Guardian”, George Monbiot (5): “Tell people something they know already and they will thank you for it. Tell them something new and they will hate you for it.” (“Diga às pessoas algo que elas já sabem e elas vão agradecer por isso. Diga-lhes algo de novo e elas vão odiar você por isso.”)

Eu prefiro “odiar você por isso.”

Notas:

(1) http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/agro/V11_imagem.html

(2) http://www.odebrecht.com.br/responsabilidade-socioempresarial/cultura/contribuicoes-culturais/historia?id=208

(3) http://www.unilever.com.br/aboutus/imprensa/2010/omo_lanca_livro_se_sujar_faz_bem.aspx

(4) http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/05/27/convite-a-paulo-nogueira-baptista/

(5) http://www.monbiot.com/

Redação

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