Governo Bolsonaro, o novo ministro e o descaso com a educação, por Lauro Mattei

Como Vélez e seu legado já são parte do passado, é importante discutir brevemente quem é o novo ministro que acabou de ser nomeado e o que se pode esperar do governo nesta área

Foto: Divulgação

Por Lauro Mattei¹

Após vencer a eleição presidencial de outubro de 2018 sem precisar debater suas propostas para o país, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República em 01.01.2019 anunciando que o país estaria ingressando em uma nova era política. Dentre suas prioridades de governo constam o combate à ideologização das crianças e o incentivo à educação básica. Para tanto, ele se cercou, segundo suas próprias palavras, de uma equipe competente de “ministros técnicos”.

No caso específico do Ministério da Educação (MEC), foi nomeado o Sr. Ricardo Vélez Rodríguez, indicação pública do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru político da família Bolsonaro. Vélez acabou de ser demitido hoje (08.04.2019), após mais de três meses de grandes confrontos ideológicos em torno da política a ser adotada pelo ministério. Por um lado, encontrava-se o grupo ideológico formado por ex-alunos de Olavo de Carvalho, cuja missão principal seria expurgar o “marxismo cultural das universidades”, a “ideologia de gênero” das escolas, além de apoiar o projeto “Escola Sem Partido”² como política oficial. Por outro, era crescente a presença da ideologia educacional militar no ministério, seja ocupando cargos estratégicos, seja tentando impor suas propostas voltadas ao fortalecimento do ensino à distância (grande negócio da atualidade educacional) e a implantação de colégios militares em todo o país.
Neste ambiente belicoso, o que menos se fez nos últimos três meses foi cuidar do maltratado sistema educacional do país.

Da obra de Vélez após três meses à frente do MEC podemos destacar: a) Defesa de universidades elitizadas: no primeiro mês no cargo defendeu como política para o ensino superior que as vagas nas universidades fossem reservadas para uma elite intelectual, justificando que a ideia de universidade para todos não existe; b) Percepção sobre os brasileiros: em entrevista afirmou que os brasileiros são canibais, pois quando viajam para o exterior não respeitam os lugares onde visitam; c) Procedimentos das escolas: determinou que todas as escolas perfilassem seus estudantes diante da bandeira e cantassem o hino nacional, atividade que deveria ser filmada e enviada ao MEC; d) Mudança nos livros didáticos: recentemente propôs mudanças nos livros como forma de tentar reescrever a história do golpe de 1964, o qual não é concebido e interpretado por ele como uma ditadura militar.

Além disso, chama atenção a bagunça generalizada que se instaurou e tomou conta da gestão do MEC nesses três meses. Neste caso, sobressaiu-se uma gestão marcada pela troca-troca de pessoas nos cargos-chave e decisivos do Ministério. Pelo que se soube até o momento, foram cerca de 15 exonerações, inclusive com nomeação de uma pessoa a qual foi exonerada sem que tivesse tomado posse. Enquanto tudo isso ocorria, o Presidente da República assistia à distância, uma vez que, como afirmou o presidente da Câmara Federal, ele estava ocupadíssimo administrando as mensagens no Twitter.

Como Vélez e seu legado já são parte do passado, é importante discutir brevemente quem é o novo ministro que acabou de ser nomeado e o que se pode esperar do governo nesta área. Em primeiro lugar, é importante anotar o perfil “técnico” do recém nomeado ministro. Formado em Economia pela USP (1989-1994), com mestrado em Administração, área de concentração em finanças, pela FGV de SP (2012-2013). Em termos de experiências profissionais, embora seu Lattes não informe, sabe-se que trabalhou por quase 20 anos no Banco Votorantim. Ao ser demitido desta empresa, trabalhou por um período na Quest Corretora antes de ingressar na vida acadêmica. Na universidade se dedica ao Centro de Estudos de Seguridade prestando consultorias às empresas e órgãos governamentais sobre Previdência. Foi nesta trajetória que, em 2017, conheceu Onyx Lorenzoni num seminário sobre previdência realizado na Câmara dos Deputados. Por indicação de Lorenzoni fez parte da equipe de transição de governo e atualmente era o Secretário-Executivo da Casa Civil.

Em segundo lugar, é importante registrar que o novo ministro chegou a ser apresentado como professor e doutor pelo presidente, que logo depois se corrigiu – pelo Twitter obviamente – informando que ele somente é mestre. Após cinco ano trabalhando na Unifesp, chama atenção sua prodigiosa carreira acadêmica. Consultando seu CV Lattes ficamos sabendo que possui apenas 4 artigos acadêmicos publicados, alguns artigos em jornais e algumas entrevistas para a mídia falada. Além disso, orientou até hoje apenas um único trabalho de conclusão de curso de graduação. De fato, com tal trajetória não se pode esperar muito de onde pouco se pode esperar.

Em terceiro lugar, é preciso dizer que o novo ministro é mais um dos adeptos das esdrúxulas teses do autoproclamado filósofo, cuja preocupação principal é expurgar o marxismo cultural das universidades e a ideologia de gênero das escolas, colocando em seu lugar o projeto “Escola Sem Partido”. Neste caso, longe do que afirmou o presidente de que “o nomeado tem ampla experiência em gestão e conhecimento da pasta”, sabe-se que sua nomeação atende apenas a uma única credencial: o seu perfil ideológico, que está perfeitamente associado ao da família Bolsonaro. Qualquer dúvida sobre isso, basta consultar gravações recentes de falas do novo ministro em eventos recomendando que “se faça o que o professor Olavo fala”.

Não é por menos que diversos meios de comunicação já estão anunciando que o novo ministro deverá admitir os seguidores de Olavo de Carvalho que recentemente foram demitidos do Ministério. Resta saber se a ala militarizada desta instituição irá aceitar passivamente, caso esse comportamento venha a se concretizar. Enquanto isso, a educação brasileira segue ladeira abaixo e o Presidente da República cuidando do Twitter!

¹Professor Titular do Curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: [email protected]
²Por si só uma heresia, tendo em vista que tudo neste projeto é ideológico, inclusive seus pressupostos e suas principais propostas de ação.

Redação

4 Comentários

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  1. O pior é que o defenestrado deverá retornar às funções na escola de oficiais do exército. Ou seja, sai do MEC e volta a ideologizar nossos futuros comandantes. E o país, ó, trevoso da vida.

  2. Mas espera aí? Estou confuso, muito confuso. A classe média imbecil que foi as ruas em 2013 zurrar pela tal “Educação Padrão FIFA” não é a mesma que votou nessa “coisa”?
    Ela não deveria dar mostras de agradecimento pelo desmonte de todas as formas de financiamento, incentivo a pesquisa e o ataque fronta as escolas e universidades e a própria educação?
    Não era o que queriam?

  3. O que mais me assombra nesta neo direita pentecostal, é a desfaçatez em querer combater um moinho de vento, enquanto a educação em si, que está em frangalhos, não é o elemento da sua preocupação.
    Nem os militares em sua malfadada “reforma do ensino” dos anos 70, teve a cara de pau de declarar que a reforma visava a extirpação do marxismo leninismo.
    Acredito que eles tinham um mínimo respeito pelos professores que os educaram. Um mínimo de escrúpulo.
    Para tais hylluministhas, a herança deixada pelo serviço militar, de uma educação inútil tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista de formação cidadã, é aceitável. Mais que isto, desejável.
    É irônico que diante de uma enormidade de professores alienados, que discutem mais os preços dos batons da natura, ou a fofoca sobre as atividades ou inatividades sexuais, ou a maledicência sobre os alunos (estúpidos que nunca serão nada na vida), encontrem a ideia de que entre eles, habita o marxismo leninismo.
    Evidentemente que se referem ao ensino superior, esta abstração que leva a acreditar que alunos que não tenham a adequada fundamentação (não, não acreditamos em fundamentos), possam se tornar profissionais de capacidade superior (engenheiros que não sabem calcular, pedagogos que mal sabem ler, médicos que não sabem diagnosticar e clinicar) ressalvadas as exceções que, pasmem, são em sua maioria de instituições públicas. Bem ao contrário dos seus ídolos americanos do norte…
    Agora mais um paspalho, deita tolices às vésperas da posse. Mais um desaparelhado educacionalmente, vem dar pitacos na educação, pois afinal, ele sim sabe como devemos educar as próximas gerações.
    Não sei se devo lamentar. Honestamente, penso que isto é o que fazemos e fizemos por merecer.

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