Graziano disputará presidência da FAO

Do Estadão

FAO vira questão de honra para Brasil

Em baixa após Lula, Itamaraty mira campanha de José Graziano à diretoria-geral de fundo da ONU para alimentação e agricultura nos países do hemisfério sul e critica a provável candidatura de um europeu para o posto, mas espanhol deve ser o rival

24 de janeiro de 2011 | 0h 41

Lisandra Paraguassú

A primeira batalha diplomática do governo Dilma Rousseff será aberta, oficialmente, hoje. Depois de protocolar a candidatura do ex-ministro José Graziano à direção-geral do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) na sexta-feira, a briga pelo cargo estará aberta. Questão de honra para o País, a campanha de Graziano deixa de lado o tom diplomático e critica abertamente a possível indicação de um europeu, antecipando o que deve ser a maior disputa pelo cargo.

O principal rival do ex-ministro brasileiro deverá ser Miguel Ángel Moratinos, ex-chanceler espanhol. Apesar de as candidaturas só serem confirmadas na primeira semana de fevereiro, Moratinos já declarou que disputará. A munição brasileira será esta: como ele, um representante da região que mais investe em subsídios para o setor agrícola, pode querer dirigir um órgão que tem como meta promover a agricultura dos países mais pobres? O fim dos subsídios para setores agrícolas de exportação tem sido uma das maiores batalhas da FAO.

OatuO atual diretor-geral, o senegalês Jacques Diouf, é abertamente crítico, responsabilizando os europeus pela dificuldade de os países mais pobres desenvolverem sua agricultura e encontrarem mercado para seus produtos. Em 2010, os europeus gastaram quase 40 bilhões apenas em subsídios. 

Durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil empreendeu campanhas que terminaram em fracassos no campo diplomático. Ao término do mandato de Lula, a área ficou entre as mais controversas.

A campanha brasileira mira diretamente os países do hemisfério sul. Já obteve apoio oficial do Mercosul e da Unasul – os grupos que representam a América do Sul – e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que inclui Portugal, Timor Leste, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Na semana que vem, Graziano vai à África, durante a Cúpula das Nações Africanas, angariar votos. Também deve garimpar mais adesões, com a presidente Dilma Rousseff, durante o encontro América do Sul-Países Árabes (Aspa) em Lima (Peru) em fevereiro. Tem ainda a simpatia de caribenhos e outros latino-americanos, incomodados com a possibilidade de um europeu assumir o cargo.

Sem nenhum brasileiro em cargos de destaque em organismos internacionais e amargando algumas derrotas nessa área, a candidatura de Graziano, apresentada por Lula, é vista como a confirmação do status que o País conquistou nos últimos anos e tem o engajamento pessoal do ex e da atual presidente.

O tema central da FAO, o combate à fome interessa diretamente ao Brasil.

Chances. A avaliação do Itamaraty é que as chances de Graziano – responsável pela criação do programa Fome Zero no primeiro mandato de Lula – são muito boas. A eleição é feita em rodadas sucessivas, em que o menos votado é eliminado. A expectativa é que Graziano chegue à rodada final da eleição e obtenha cerca de 75 votos, pouco mais da metade dos que devem estar presentes na eleição, em junho em Roma.

A expectativa é que o brasileiro tenha Moratinos como adversário final e a votação pode ser apertada. Apesar de não ter automaticamente o voto dos países desenvolvidos, a força do espanhol pode vir de uma polarização Norte- Sul na eleição.

Moratinos vai usar o fato de a Espanha ser o hoje o maior contribuinte individual da FAO – 40 milhões. Ao mesmo tempo, sua campanha chegou a espalhar que a candidatura de Graziano era um projeto pessoal de Lula.

PARA LEMBRAR

País acumula derrotas na luta por cargos

Sem nenhum cargo de primeiro nível em organismos internacionais, o Brasil amarga uma série de derrotas nessa área. Duas tentativas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e uma no Banco Interamericano de Desenvolvimento terminaram em fracasso. Já na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o País abdicou de uma candidatura considerada imbatível na época em troca de um apoio a futuras pretensões brasileiras na ONU.

Na época, em 2009, o Brasil tinha dois candidatos ao posto, o diretor adjunto, Marcio Barbosa, e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Mas optou por apoiar o egípcio Farouk Hosni, acusado de antissemita por Israel e EUA. Hosni perdeu para a búlgara Irina Bokova.

No mesmo ano, a tentativa de colocar a ministra do STF Ellen Gracie no tribunal de apelações da OMC terminou com a negação de sua candidatura por “falta de conhecimento técnico” sobre comércio.

A terceira derrota mais recente foi no BID, quando o País tentou colocar João Sayad na presidência do órgão. Sayad perdeu para o colombiano Luis Alberto Moreno. 

‘A candidatura se tornou uma prioridade de Estado’

24 de janeiro de 2011 | 0h 53

Lisandra Paraguassú

José Graziano, chefe da seção sul-americana da FAO

O candidato brasileiro à direção-geral da FAO, hoje chefe da seção sul-americana da organização, com sede no Chile, José Graziano, começa sua campanha na próxima semana. Vai a Adis Abeba, na Etiópia, para a Cúpula dos Países Africanos.

Como surgiu sua candidatura?

Quando Jacques Diouf (atual presidente da FAO) esteve no Brasil, no ano passado, ele contou ao presidente Lula que não iria se candidatar à reeleição. O presidente disse então que o Brasil tinha interesse em apresentar o candidato, mas só o faria depois das eleições, porque queria que fosse um candidato do governo brasileiro, não seu. E foi isso que aconteceu. Ele conversou com a presidente Dilma, eu conversei com ela duas vezes, também me reuni com o ministro Patriota. A candidatura se tornou prioridade de Estado. Para a diplomacia é a primeira prioridade do novo governo.

O seu principal adversário deve ser o ex-chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos. Qual sua avaliação dessa disputa?

Nós só saberemos a lista oficial de candidatos no dia 8 de fevereiro. Até lá isso é sigiloso. Já ouvi que há a disposição do ex-chanceler em se candidatar. Mas em 2004 a Espanha, França, Alemanha e Chile, junto com o Brasil, formaram um grupo para encontrar recursos e mecanismos inovadores de combate à fome. Seria algo inesperado ter um candidato desses países contra uma candidatura brasileira. Até porque o Brasil já fez o anúncio da candidatura.

Uma das grandes discussões na FAO é sobre os subsídios dos países ricos a sua agricultura. Os países concordam que apoiar a agricultura familiar é um dever, dada a condição de fragilidade das famílias. O que se condena é a distorção, o dumping, o subsídio para exportação. Há muita pressão para que os países desenvolvidos reduzam seus subsídios para exportação. Não os subsídios em geral, mas as barreiras de importações. Esses subsídios dados para exportação poderiam ser usados como ajuda internacional. 

O ex-presidente Lula vai participar da sua campanha?

Espero que sim. Espero que ele ache um tempo na sua nova agenda. Dilma já se comprometeu. Devo acompanhá-la em várias viagens. Ela tem falado sistematicamente no tema em audiências e telefonemas de chefes de Estado. Insiste no tema até obter alguma manifestação. 

Luis Nassif

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