A nova direita francesa

Michel Winock fala sobre a nova velha direita na França

 

Por décadas, o rosto carrancudo de Jean-Marie Le Pen foi a cara da extrema direita francesa. O partido que ele fundou e presidiu desde 1972, a Frente Nacional, construiu sua base política na França conservadora, católica e xenófoba. A eleição em janeiro deste ano da filha caçula de Le Pen, Marine, para substituí-lo no comando da FN deu ao partido uma estampa menos antipática — mas mudou algo de suas propostas? É o que discute nesta entrevista por e-mail o historiador francês Michel Winock, estudioso das interseções entre política e pensamento na França republicana, de 1789 até hoje. No Brasil a convite da Aliança Francesa, Winock — autor de livros como “A direita desde 1789” (org.) e “O século dos intelectuais” — fará duas palestras sobre os intelectuais e a política na próxima semana em Brasília.

Pesquisas recentes mostrando a liderança de Marine Le Pen — presidente do partido de extrema direita Frente Nacional — na corrida para as eleições presidenciais de 2012 foram recebidas com escândalo por muitos na França. O senhor também se surpreendeu?

MICHEL WINOCK: É verdade que Marine Le Pen chegou em primeiro lugar em duas pesquisas do jornal “Le Parisien” mas, numa outra, do “Le Monde”, ela ficou atrás de Dominique Strauss-Kahn. De qualquer forma, o importante é que ela estaria no segundo turno, eliminando Sarkozy. Não fiquei surpreso. Em janeiro, havia publicado um artigo sobre essa possibilidade.

A liderança de Marine Le Pen muda alguma coisa nas propostas da FN? Como política, o quanto ela tem de igual ou distinto a seu pai, Jean-Marie Le Pen?

WINOCK: As ideias são as mesmas de sempre: luta contra a imigração islâmica, vontade de abandonar o euro e a União Europeia, política de segurança exagerada. O que Marine Le Pen mudou, bastante, foi a imagem da FN. O fato de haver uma mulher na cabeça de um partido fundado por ex-soldados machistas nostálgicos da Argélia francesa e por católicos radicais, isto é uma mudança essencial! Além disso, ela soube se livrar dos velhos “fantasmas” da extrema direita: petainismo, negacionismo, antissemitismo. Agora, Marine Le Pen explora os temas da esquerda para falar com os desempregados, ela é a favor da laicidade (contra o Islã, claro). E ela tem uma atitude sorridente, enquanto o pai declamava e ameaçava. Isto parece que atraiu os que gostavam das ideias da FN sem gostar do chefão caolho.

Durante o governo Sarkozy, parte do discurso da extrema direita, em especial em relação a imigrantes e identidade francesa, passou a integrar a agenda política oficial. O espectro político na França se aproximou da direita nos últimos anos?

WINOCK: Não acho que a França virou um país de direita. Nas últimas eleições regionais, a esquerda ganhou em todas as regiões, menos na Alsácia. Hoje, é o candidato socialista Dominique Strauss-Kahn quem fica no primeiro lugar das pesquisas. Mas é verdade que a esquerda está hoje mais enfraquecida, porque o Partido Socialista ainda não designou seu candidato. E a esquerda ficou numa saia justa sobre a imigração, uma questão que Sarkozy e seu ministro do Interior Claude Guéant, assim como Marine Le Pen, não param de colocar no debate político.

O senhor disse recentemente que a FN foi uma “exceção francesa” na Europa dos anos 1980 e 1990, mas que não é mais. O que mudou? A extrema direita europeia de hoje tem relação com aquela da primeira metade do século XX?

WINOCK: A Europa é hoje um continente que sofre de preocupação e medo. A crise econômica, a queda demográfica, a dificuldade de construir a União Europeia, a falta de profissionalismo dos líderes, o terrorismo, o fluxo de imigrantes, o desemprego massivo, são fatores que contribuem para um mal estar geral. Os partidos nacional-populistas se aproveitam deste mal estar, com a exaltação da nação, programas protecionistas, a demonização das oligarquias que dirigem a política e a economia. A crise e o islamismo apavoram a todos. Mas esses movimentos são diferentes daqueles dos anos 1930, fascistas, nazi ou franquistas. Eles pretendem participar de um processo democrático e não da ditadura de um partido único.

A própria distinção entre esquerda e direita é tida por alguns como insuficiente para se pensar a política contemporânea. O senhor concorda? Algo nessas posições ainda tem relação com a origem dos termos, na Revolução Francesa?

WINOCK: Sim e não. A direita parlamentária pode também reivindicar os princípios da Revolução de 1789, direitos humanos e o lema republicano: liberdade, igualdade, fraternidade. Neste sentido, a oposição esquerda-direita não é mais válida. No entanto, ela se mantém nos extremos: à esquerda da esquerda, antiliberal, e na extrema direita, única herdeira da direita dos anos 1930.

O senhor é um defensor e praticante frequente da escrita histórica voltada ao público mais amplo. Esse esforço tem para o senhor um sentido “cívico”? Dizendo de outra maneira, o senhor acredita que o estudo e o conhecimento da História tenham algum efeito positivo para a sociedade?

WINOCK: Não tenho certeza de que a História sirva de lição para os homens, talvez por falta de sabedoria, talvez porque a História sempre se renova e o futuro sempre é imprevisível. Porém, eu estou convencido que o estudo da história (com h minúsculo, ou seja a disciplina histórica) é indispensável para entender o mundo atual. Precisamos da cultura histórica para que todos (e a fortiori os políticos) tenham uma consciência cívica. A dificuldade hoje é entender o sentido da História. Nós perdemos nossas convicções. Mas mesmo assim, temos que guardar nossos princípios: liberdade, abertura aos outros, igualdade, fraternidade e solidariedade. A pertinência destes princípios nos é ensinada pela história, através do estudo da escravidão e da sua abolição, da colonização e descolonização, do longo combate dos cidadãos em favor da dignidade a qual todo ser humano tem direito. O conhecimento das conquistas da democracia, desde o Século das Luzes até a rebeldia dos povos árabes hoje, fortalece as convicções de que o medo e a ignorância tendem a ser sufocados.

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/03/26/michel-winock-fala-…

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