Eleitores de Chávez fiscalizam, para Revolução não se perder

Por Marco Antonio L.

Do Ópera Mundi

Há 100 dias sem Chávez, apoiadores viram fiscais da “Revolução Bolivariana”

Simpatizantes também avaliam governo de Nicolás Maduro, que tem pela frente desafios como o desabastecimento
 
A metros do Quartel da Montanha, que abriga o féretro de Hugo Chávez, senhoras rezam com os olhos fechados, balbuciando palavras quase inaudíveis, no aniversário de três meses da morte do líder venezuelano. Estão em uma pequena capela, feita de madeira e pintada de azul, em uma rua movimentada do bairro de 23 de Enero, um dos mais pobres de Caracas. No local, flores, velas, fotos e até uma bandeira da Argentina foram dispostas nas paredes e ao redor de um pequeno busto do falecido presidente.

AVN (Agência Venezuelana de Notícias)

Capela em homenagem ao falecido presidente venezuelano Hugo Chávez no bairro de 23 de Enero, Caracas, onde está seu féretro
“Venho aqui todos os meses, sofri muito com a partida dele”, diz a Opera Mundi Yolis Ravel, de 51 anos, sem conseguir conter as lágrimas, explicando que Chávez foi o presidente que pela primeira vez viu os pobres como venezuelanos. “Antes os governantes nos tratavam como se não existíssemos porque andávamos de sandália, porque éramos muito pobres”, conta. Nascida no Estado de Monagas, ela vive há 30 anos em Petare, na zona metropolitana de Caracas e, apesar da distância percorrida de sua casa até o 23 de Enero, presta homenagem pessoalmente ao líder.

Os 84 anos de Carmen Heredia também não a impediram de se dirigir à pequena capela, denominada como “Santo Hugo Chávez do 23” – motivo de críticas entre representantes da Igreja Católica, já que o presidente não passou pelas etapas de beatificação previstas no direito canônico. Para esta aposentada, no entanto, Chávez era mais que um chefe de Estado. “Ele era como um membro de cada família e faz falta todos os dias”, afirma.

Constante na memória de seus seguidores, Chávez também é frequentemente visto nas ruas de Caracas, onde é retratado em cartazes, pinturas de muros e em pichações como “Chávez Vive”. Apesar disso, sua ausência é sentida. “Chávez faz falta no dia a dia, tínhamos um apoio, e agora temos o vazio dele em tudo”, diz Carmen García, uma aposentada de 67 anos que lamenta que seu país já não terá um mandatário como o líder venezuelano. “O presidente [Nicolás] Maduro continua com a gestão, mas não é igual”, expressa. 

Erimar Parra, de 22 anos, afirma que Maduro não conseguiu cumprir a expectativa que muitos venezuelanos tinham com sua eleição. “Escutei sobre muitas pessoas mudando de lado porque não sabiam o que esperar dele, porque acham que já não é a mesma coisa. Ele ainda precisa aprender e trabalhar muito para chegar no nível do Chávez”, diz. Bancária e estudante de comunicação social, Parra afirma temer “pelo futuro”. “Maduro não tem a força, a segurança que Chávez tinha na hora de falar, de se apresentar à oposição”, acredita.

Para Alberto Aranguibel, analista político e comunicador chavista, o sentimento de desesperança entre apoiadores do governo é perfeitamente compreensível. “A dimensão de Chávez era descomunal e há respeito e lealdade a ele. De alguma maneira inconsciente, isso é expressado com a convicção de o que ele dizia era correto e não necessariamente o que dizem os demais”, explica, afirmando no entanto que o apoio que há à revolução “é muito maior do que um momento determinado de insatisfação”.

Luciana Taddeo/Opera Mundi

Maduro, com o vice-presidente Jorge Arreaza, chega ao Quartel da Montanha para homenagem pelos 3 meses da morte de Chávez

“A ausência de Chávez não se expressa só com lágrimas, mas com raiva, dor, de muitas formas. Aqui há que entender que o desafio não é que Maduro seja um filho absoluto de Chávez sem nenhuma personalidade própria”, fala, admitindo que há uma avaliação permanente do governo pelos próprios chavistas.

“As pessoas se erigem como guardiãs do legado do Chávez automaticamente. Elas juraram por ele, com a Constituição na mão, assumindo a participação e o protagonismo. Isso impulsa uma atitude mais crítica, observadora, mas em nenhum caso de deslealdade”, analisa, referindo-se à jura coletiva realizada no dia 10 de janeiro, data em que Chávez assumiria um novo mandato, mas ainda passava por tratamento médico em Cuba.

Segundo ele, mesmo com a pressão de um povo convertido em “fiscal da revolução” e da constante comparação com Chávez, os 100 dias passados da morte do líder venezuelano demonstram que Maduro está “muito acima” da exigência de estadista que carrega desde 5 de março. “O que houve não foi uma crise, mas sim o sucesso de um governo que impediu que o país fracassasse com uma guerra econômica que foi montada. Aqui houve um assalto à economia, com um dos processos de especulação mais ferozes que se deram”, afirmou, garantindo que do ponto de vista econômico, nem mesmo Chávez foi “atacado” de maneira tão massiva.

Oposição

Para o prefeito da região metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma, histórico opositor ao modelo chavista, a atual gestão é uma continuidade da de Chávez, “mas pior”. “É o mesmo entorno que veio girando no epicentro desta falsa revolução (…) e que herdou a crise, porque estes problemas não surgiram nos últimos 100 dias, mas sim se aprofundaram, pelos transtornos que essa administração criou”, opina a Opera Mundi, ressaltando o “coquetel letal” da combinação de escassez e de alta inflação, que denomina como um “látego inclemente”.

alcaldiametropolitana.gob.ve

Antonio Ledezma, prefeito da região metropolitana de Caracas sobre governo Maduro: “atual gestão é pior”

“O desabastecimento é consequência de que aqui não tem produção. E não tem porque este governo opacou a luz da justiça, aqui não tem segurança jurídica, esse governo promoveu a violência, quando estimula invasões de prédios, quando assalta a propriedade privada. O desabastecimento é também é consequência do desmantelamento do aparato produtivo, nosso parque industrial está muito avariado, aqui se fecharam mais de oito mil pequenas, médias e grandes empresas no que vai desta falsa revolução”, garante.

Desafios

De fato, entre os grandes desafios de Maduro estão a luta contra o desabastecimento de insumos básicos e a inflação. Segundo dados do BCV (Banco Central da Venezuela), o índice de escassez no país foi de 20% em março e 21,3% em abril. A inflação, por sua vez, chegou a 6,1% em maio, quando no ano passado o índice mensal não superou os 3,5% registrados em dezembro. Em abril, a falta de itens como farinha de trigo e de milho, açúcar, café, manteiga, óleos vegetais e papel higiênico, e as longas filas para a aquisição de produtos ganharam destaque na imprensa venezuelana e internacional.

Maduro denunciou uma “guerra econômica” promovida por empresários que pretendem boicotar sua gestão, diminuindo os níveis de produção ou escondendo produtos para desabastecer o país. Apesar da denúncia, reuniões técnicas entre o governo e o setor privado vêm sendo realizadas para o fomento da produção. Paralelamente, anunciou-se a importação de insumos provenientes de diferentes países para suprir a demanda interna. Gradualmente, os produtos voltam a aparecer nas prateleiras.

A aproximação do governo com os empresários é visto por alguns chavistas como um pacto com um setor que promoveu o “lockout” que paralisou o país há uma década, em uma tentativa de derrotar o governo de Chávez após o fracasso do golpe de 2002. A interpretação, no entanto, não é unânime. Para o estudante de economia política Yordeibis Moreno a iniciativa não representa um “pacto com a direita”: “É uma forma de dar um pouco de espaço a este setor empresarial, do qual o governo precisa para a produção de alimentos”.

Marcos Salgado

Cartaz em Caracas durante dias de homenagens após morte de Chávez, que faleceu em 5 de março desse ano por um câncer

Moreno avalia que a gestão de Maduro está no caminho certo: “Ainda tem pontos fracos, mas vai no sentido que queremos”, garante, afirmando que a escolha de Chávez mostra que este encontrou em Maduro qualidades que não viu em outros dirigentes. “Muitos se deixaram levar pelo duplo discurso da direita, que usou características de Chávez e do partido [governista] nas eleições de abril. Algumas pessoas não entenderam exatamente o que é ser socialista, ser revolucionário. Isso foi o que aconteceu, mas aos poucos isso está se recuperando”, analisa.

No 23 de Enero, Carmen Heredia, se despede após rezar por Chávez na capela em frente ao Quartel da Montanha. “Sou uma velhinha, passei por muitos governos e jamais tivemos um presidente como ele. O pobre não era levado em conta, não davam chance pra ninguém. Com ele, isso mudou. Por isso as pessoas o amam.”

Luis Nassif

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