Na Turquia, Erdogan ameaça manifestantes com forças de ordem

Por Marco Antonio L.

Da Carta Capital

Turquia: A opção autoritária de Erdogan

O premier rejeita o diálogo, ameaça os manifestantes em Istambul e recebe duras críticas de lideranças europeias 

por Gianni Carta

Turquia

O governo chama de terroristas e extremistas os milhares de jovens reunidos a Praça Taksim (Foto: Bulent Kilic / AFP)

O primeiro-ministro Recep Erdogan deu o aviso final aos manifestantes da Praça Taksim, no centro de Istambul, na quinta-feira 13. Ou desocupam o lugar ou terão de enfrentar as forças de ordem munidas de gás lacrimogêneo e canhões de água. Erdogan, premier há dez anos, diz estar perto de “perder a paciência”. A situação, descreve uma fonte da cidade, pode degenerar a qualquer momento. Em duas semanas de confrontos esporádicos, alguns de brutalidade inaudita, cinco manifestantes morreram e centenas ficaram feridos.

Na mesma quinta, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução não vinculativa em que lamenta a relutância do primeiro-ministro e líder do Partido de Justiça e do Desenvolvimento (AKP), sigla de centro-direita com raízes islâmicas, em buscar o diálogo. A resolução também adverte o governo turco, caso ele venha a tomar medidas drásticas contra os manifestantes pacíficos. Para o Parlamento Europeu, com toda a razão, Erdogan só “polarizou” a situação.

Os protestos começaram de forma pacífica, quando um punhado de manifestantes juntou-se na Praça Taksim para tentar impedir a construção de um centro comercial em uma das raras áreas verdes da cidade. Na sexta-feira 31, as forças policiais entraram em ação. Fecharam as entradas do Parque Gezi, nas proximidades da praça, e atacaram com brutalidade. “Se a polícia não tivesse agido de tal forma, os protestos não teriam angariado tanto apoio do povo”, avalia Sebnem Turhan, editora de economia do diárioRadical. Em miúdos, uma manifestação pacífica virou um protesto em que a população pede a demissão de Erdogan.

Segundo a jornalista, ao contrário das rebeliões na Tunísia e no Egito, “as demonstrações na Turquia não têm nada a ver com a economia”. O país deve crescer 4% neste ano e está em melhores condições econômicas do que várias nações da União Europeia. O governo pagou sua dívida com o Fundo Monetário Internacional e ofereceu 5 bilhões de dólares à instituição para amenizar a crise na Zona do Euro.

As oscilações na Bolsa de Valores por conta dos atuais protestos e a truculência de Erdogan não poderiam, no entanto, colocar em xeque o chamado “modelo turco”, misto de governo moderado islâmico com democracia e economia liberal? Como lembra o cientista político Tolga Demiryol, da Universidade Kemerburgaz de Istambul, “até a secretária de Estado Hillary Clinton, em numerosas ocasiões, referiu-se à Turquia como o país-modelo para as emergentes democracias árabes”. Para Vali Nasr, reitor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns ­Hopkins, ex-conselheiro do Departamento do Estado dos EUA e entrevistado à pág. 64, “o modelo turco não pode ser contestado e a Turquia continuará a crescer se o atual conflito político não se agravar”. Demiryol lembra, porém, que essa pujança econômica beneficia uma minoria.

 

“Erdogan tem sido um grande premier, mas calculou mal essa crise”, pondera Nasr. E como. Os manifestantes protestam por mais direitos, não empregos. “O premier começou a se portar de forma autoritária”, opina a jornalista Turhan. “Ele diz frases como ‘Eu posso fazer o que quiser’.” Sua reação à resolução do Parlamento Europeu parece em sintonia com essa linha autoritária. “Quem eles pensam que são?”, perguntou.

O primeiro-ministro classifica os manifestantes de extremistas e terroristas. Em sua opinião, trata-se de uma conspiração de forças estrangeiras, embora não seja específico em relação a tais origens. A conspiração contaria ainda com o apoio dos kemalistas, seguidores de Mustafa Kemal Atatürk, fundador da República da Turquia em 1923 e defensor de um governo secular, sem influência religiosa.

Por essas e outras, o governo baniu a venda de álcool entre as 10 da noite e as 6 da manhã. “Erdogan é um hábil político que se porta de forma moderada, mas na verdade sempre teve uma agenda islâmica”, define a fonte anônima. Ele conseguiu diminuir o poder dos militares e aumentar o dos policiais. Se vencer a atual contenda, poderá, como temem os manifestantes na Praça Taksim e no país afora, islamizar a Turquia. Em parte, esse movimento se deveria a uma crescente pressão sobre Erdogan por parte de islâmicos radicais. Sinais nesse sentido não escasseiam. Além de não poder consumir álcool a partir das 10 da noite, os turcos não têm direito de tomar bebidas alcoólicas nas cercanias de escolas e mesquitas. O beijo público está vetado, assim como a venda de pílulas de aborto. O governo recomenda a cada casal ter no mínimo três filhos. A mídia é controlada. Protestos são proibidos.

Apoiado por uma considerável base religiosa e conservadora, Erdogan quer continuar no poder. Como ocupou o cargo de premier por três vezes, pretende ser o próximo presidente. A eleição acontece em 2014. Para tanto, articula para realizar uma reforma constitucional. O objetivo seria transformar o regime parlamentarista em presidencialista. O presidente da Turquia tem poderes limitados.

 

É difícil prever os acontecimentos a curto prazo. O AKP é a legenda mais forte, mas o primeiro-ministro poderia encontrar oposição nas próprias fileiras do partido. Ao mesmo tempo, continua a ser o político mais influente da agremiação e faz um jogo duplo de neodemocrata e déspota. Nos últimos dias, propôs um referendo para o povo decidir se quer ou não um novo centro comercial em Istambul. Erdogan sabe que venceria por alguns pontos. Ao mesmo tempo, ameaça acabar com os protestos pela força.

Luis Nassif

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