Abaixo-assinado contra o golpe no Paraguai

Paraguai: Ocupação corporativa e Tecido de Resistência dos Povos

“Neste momento de dor e ira diante do golpe no Paraguai, convocamo-nos a focar todas nossas capacidades prioritariamente, a partir da diversidade, a apoiar a elaboração de uma agenda estratégica de resistência e de solidariedade dos povos.”

Publicado originalmente no portal da ACIN: http://nasaacin.org/

Os coletivos, tecidos, organizações e pessoas abaixo assinadas, assumimos a posição que reúne este texto para aderir-nos à iniciativa de coordenação e resistência dos povos.

Resulta prioritário, segundo aprendemos da história recente, acompanhar e ajudar à Frente Unida para a Defesa da Democracia (FDD) e às articulações dos povos do Paraguai, a que elaborem sua agenda autônoma de resistência à ocupação do capital através do golpe e a consolidar a nossa em sintonia. Chamamos a todos que compartem esta vocação e compromisso a somar sua adesão (enviar a [email protected]) e a consolidar a resistência solidária e popular que hoje se requer desde o Paraguai.

Declaramos que:

1. Fernando Lugo, o Presidente eleito no Paraguai por um povo que esperava de seu governo espaços e caminhos para transformar a sociedade de baixo até a liberdade e a justiça, foi derrocado em um golpe de Estado minunciosamente planejado e em execução pelo e para o capital transnacional(1).

2. Paraguai e seus povos são vítimas de sua enorme riqueza e de constituir o coração de uma área estratégica para a acumulação do grande capital; El Chaco, para megaprojetos continentais. A metade norte do país tem três fronteiras com Argentina, Brasil e Bolívia. Uma enorme região transnacional destinada à produção de agrocombustível e energia a partir da soja transgênica(2) e a construção de Hidroelétricas, à exploração mineradora impulsada para a grande mineração pelo governo do Canadá(3), à privatização da água e rodeada pelos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e Tietê, transformados pela IIRSA na Hidrovia Paraná-Paraguai(4) , que, ademais de gerar enormes contratos em construção de infraestrutura, créditos e concessões para sua administração e exploração, permitirá a extração de recursos e o intercambio comercial de 5 países (incluído Uruguai) com o mundo, 24 horas ao dia, 365 dias do ano. A região cobre e dá acesso direto ao Aquífero Guarani, o maior reservatório de água doce do planeta(5) .

3. No Paraguai, 85% da terra está em poder del 2.5% de proprietários (6). Os campesinos e indígenas sem terra constituem uma ameaça para estes megaprojetos e seu despojo permanente requer o terror e a guerra. Com este propósito e com o de submeter a região e seus recursos, o capital fabrica pretextos como as guerras contra o narcotráfico e o terrorismo. O comando sul dos EEUU estabeleceu no coração geográfico desta área estratégica a enorme base militar Mariscal Estigarribia(7) (FOL(8)), com capacidade para 16000 homens e a garantia de impunidade por violações aos direitos humanos e abusos cometidos por suas tropas. Muito perto desta base militar e da fronteira com a Bolívia se encontram as mais de 40.000 hectares de terra adquiridas pelo ex-presidente George W. Bush, que se somam a outra enorme propriedade de seu pai, o também ex-presidente Bush(9). A maquinaria de terror e guerra a serviço do capital transnacional que vem se impondo a sangue e fogo na Colômbia e que se exporta ao México, Honduras, Bolívia, Chile, Venezuela e o resto do continente sob o lema de “Segurança Democrática” e à sombra de Álvaro Uribe Vélez(10) e suas máfias articuladas a maquinarias militares e paramilitares coordenadas pelo Comando Sul dos Estados Unidos e suas bases militares em nossos países, vem gerando ações de terror e morte no Paraguai como mecanismo de instabilidade provocada. A mais recente destas ações, o massacre de 11 campesinos sem terra e 6 policiais, serve como pretexto preconcebido para destituir Fernando Lugo. As anteriores ações de terror serviram para fazer sinalizações falsas e fazer com que o Governo declarasse Estado de Sítio e autorizasse a base dos EEUU em território paraguaio, de onde se planejam estes massacres seguindo os manuais das FOL e do Plano Colômbia. Esta mesma maquinaria já está instalada em todo o continente. Onde será o próximo golpe desta agenda?

4. Já se sabe quem e por que derrocaram Fernando Lugo(11). El Chaco e Paraguai não podem pertencer a este país nem a seu povo, pois forma destinados à ocupação e extração por parte do grande capital transnacional através de megaprojetos e terror financiados com recursos públicos. O golpe de Estado no Paraguai, como todos os golpes que o capital tem planejado e perpetuado na América Latina, é pela e para as corporações transnacionais e as elites que as possuem. No caso do Paraguai, com Monsanto, Cargill, Syngenta e Río Tinto à cabeça. Fernando Lugo rompeu o convênio que permitia o estabelecimento da base militar dos EEUU em Mariscal Estigarribia em 2009, a raiz do rechaço por parte da UNASUL à 7 bases militares na Colômbia(12). O golpe constitui uma etapa táctica da imposição do “Livre Comércio” como entrega de territórios estratégicos às transnacionais.

5. O terror, a propaganda e as políticas corporativas se articulam de maneira permanente para despojar e despejar territórios e países e para desmantelar e destruir aos povos; nossa memória, nossa consciência e nossa resistência. Mas também, para consolidar blocos corporativos que avançam rumo ao negócio estratégico de uma guerra total pelos territórios e mercados nos quais recrutam os povos para morrer enganados.

6. O golpe do Capital transnacional no Paraguai é o mesmo golpe contra Manuel Zelaya em Honduras com adaptações locais do manual golpista a contextos diversos. Ao massacre que eles mesmos executaram, seguido pela destituição legal e ilegítima do Presidente Lugo, seguirá uma farsa que inclui: um processo para impor e reconhecer um governo e um governante ilegítimos; a imediata adoção de legislações e políticas que favoreçam os interesses golpistas do agronegócio; uma reação inicial hipócrita e vazia de discurso dos governos do capital transnacional que incluem a EEUU, Canadá, a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile), assim como Honduras, Guatemala, Costa Rica e Panamá. Uma verdade logo estará à vista: todos apoiam o golpe, sabiam dele, ajudaram a prepará-lo sob a ordem do Comando Sul, sob a ordem do Governo dos EEUU, sob a ordem das elites que dirigem as corporações transnacionais.

7. Paraguai passa às mãos do poder corporativo transnacional, em particular, do agronegócio e da grande mineração, entre outras, que requer trabalho escravo, territórios para a exploração e o despojo, censura e submetimento da população através da violência e da mão dura e da eliminação sistemática de direitos e liberdades. Paraguai é uma etapa a mais em um processo de imposição totalitária. As forças de ocupação, que já invadiram Colômbia, México, Honduras e Haiti, agora ocupam Paraguai. No Paraguai se move uma ficha a mais rumo à ocupação global fascista para a acumulação.

8. A eliminação de processos e movimentos indígenas y populares. Já se impôs a censura e a propaganda. Agora se aprofundam o terror e a repressão. A maquinaria já implementada no “Modelo Colômbia” se aplica a objetivos específicos para eliminar uma a uma todas as estruturas e formas de resistência. Desaparições forçadas, torturas, ameaças, massacres, perseguições, judicialização e montagens, criminalização de protestos sociais, compra de líderes, infiltração de processos e cooptação.

9. A direita e o capital transformaram sua debilidade em fortaleza(13). Perderam as eleições, mas adaptaram estrategicamente sua maquinaria para pressionar ao governo e obter concessões. Cada concessão lhes permite ganhar espaços e recuperar poder dentro do estabelecimento fomentando e aproveitando a frustração dos povos atraiçoados. Ganhar com o povo e governar para a direita gera debilidade dentro do estado e decepção dos cidadãos. A direita dá o golpe no momento de maior debilidade e desprestígio de um governo que não soube e não pode governar com e para o povo. Um governo progressista que pretenda ser surdo enquanto faz tudo com a direita, corre até a senda do golpismo para o capital. Duras lições para os povos e governantes: no se pode fazer discurso revolucionário e governo para o capital extrativista. Com a cara do capital ganham eles e com o carimbo dos governos condescendentes, perdemos os povos.

10. Quando os partidos de esquerda, os sindicatos, as organizações sociais, não governamentais e populares se acomodam no consumismo, na competição entre pares, na manobra para conseguir y na defesa de privilégios e cargos pelos quais se obtêm benefícios particulares, integram-se ao regime que estabelece o capital, fazem-no como forma de resistir a ele e terminam favorecendo o golpismo. O resultado é o desprestígio, o descrédito e a desconfiança em paralelo com a compra de quem tem preço. Por uma via e pela outra, ganham eles e perdem as causas populares.

11. O golpe contra Honduras nos deixou lições frente ao quefazer da resistência dos povos no Paraguai: os que nos golpeiam calculam e incluem nossa reação nos seus planos estratégicos para impor o âmbito e sentido de nossa luta. Trata-se para eles de impedir a todo custo nossa resistência efetiva ao capital transnacional e a seus interesses. Dentro do país, a gente logra articular uma frente única de resistência e coordenar mobilizações e ações. Fora do país, nos inundamos de comunicados, notícias, análises, denúncias e textos. Organizam-se acompanhamentos e apoios no terreno. Os golpistas reprimem, fazem propaganda e esperam. Chega o cansaço. A maioria das mensagens esgotam, cansam, não logram efeito e são apagadas. A resistência não alcança objetivos nem sentido estratégico, visão de conjunto e do agressor sob a repressão e o cansaço. O terror impõe sua parte e consegue seu objetivo estratégico: transformar uma luta de resistência popular ao capital em una lucha por la defesa dos direitos humanos. Sem capacidade estratégica, as frentes se desarticulam, a solidariedade se debilita, as atividades presenciais se esgotam.

Exigimos:
1. Que Fernando Lugo e o governo legítimo sejam restabelecidos e que retome o caminho do mandato popular que assumiu.

2. Que o grupo de golpistas encabeçados por Federico Franco e o serviço de aparatos militares e paramilitares de terror em função de interesses corporativos transnacionais, seja isolado, destituído e submetido a um processo que faça justiça abarcando aos responsáveis deste ato criminoso contra o povo do Paraguai e a democracia nas Américas ao mais alto nível. Franco é apenas uma ficha em uma estrutura que não deve continuar encoberta e impune.

3. Aos governos do Continente, rechaçar em termos firmes e claros o golpe do capital transnacional e dos estados e aparatos de terror a seu serviço e atuar em coerência de imediato, de maneira singular e coletiva. UNASUL, por exemplo, não tem garantida diante dos povos sua legitimidade em princípio nem por princípio, senão de acordo com seu quefazer concreto e prático. Não são discursos e declarações enérgicas o que exigimos, senão ações que desafiem aos golpistas, exponham a arquitetura de poder e os interesses corporativos que a dirigem e façam tudo o que lhes corresponde para tratá-los como criminosos que são e para restituir ao Paraguai (e à América Latina toda) seus territórios, sua soberania e o processo de democracia que havia logrado conquistar seu povo. Não aceitamos nem aceitaremos que uma vez mais, por cálculos de equilíbrios conjunturais encubram com mentiras e acomodem suas posturas a conveniências “práticas”, como sucedeu no caso do governo ilegítimo de Lobo em Honduras, que terminaram reconhecendo e legitimando(14).

4. Que a solidariedade dos povos não seja supeditada às políticas dos Estados. Os governos dos povos devem mandar obedecendo os mandatos e a solidariedade entre os povos. Si o agronegócio, o extrativismo e o capital especulativo financeiro e corporativo ditam as políticas em todo o continente, não há motivos para confiarmos nos governos que defendem estes interesses. Rechaçar o golpe no Paraguai exige agendas tecidas de baixo e coerência dos e com os povos em cada país e em todo o continente.

Reconhecemos:
1. À Frente Única para a Defesa da Democracia (FDD) como a instância articuladora da resistência, que foi estabelecida já dentro do Paraguai e que convoca a todos os sectores populares.

2. A urgência de apoiar à FDD e às instâncias legítimas de coordenação de resistência coletiva e popular na elaboração urgente de uma Agenda ou um Plano Estratégico de Resistência Popular, com análises contextuais e objetivos claros. Esta Agenda resulta indispensável tanto para a resistência interna no Paraguai como para a solidariedade e mobilização internacionais.

3. A necessidade de estabelecer FDD em todo o continente e de tecer mecanismos de planejamento estratégico e articulação entre os povos através delas.

4. A necessidade imperiosa de atuar de maneira preventiva em todos os países, de baixo, como povos conscientes e organizados, para impedir o submetimento e a ocupação do capital totalitário. O golpismo é uma das múltiplas estratégias de ocupação que vêm sendo impostas. Não se trata somente de defender a democracia no Paraguai. Trata-se de organizar a resistência à ocupação fascista do capital em cada território e em todo o Continente. Resistir ao golpe no Paraguai é como resistir ao projeto Conga no Peru, levantar-se contra a grande mineração, defender a água, opor-se ao “livre comércio” e ao agronegócio, à militarização, à propaganda, à repressão e criminalização das lutas sociais e populares e à guerra. Onde quer que entreguem natureza e trabalho para a acumulação do capital, levantamo-nos em resistência. Onde quer que imponham a guerra nos levantamos pela vida. Onde quer que neguem nossos direitos e liberdades para que eles engordem seus privilégios, atacam-nos e ameaçam. O golpe no Paraguai é contra todas e todos os povos.

5. Que eles têm planos e estão implementando-os em todas as partes. Eles têm uma estrutura hierárquica e concentram acima, nos grupos das elites transnacionais, capacidade estratégica, claridade de objetivos e meios. Paraguai também põe em evidência a presença e o poder desta estrutura.

6. Que nós, os povos, que nos opomos ao poder do capital transnacional e de seus cúmplices, auxiliares e representantes, a partir de diferenciar-nos deles, de reconhecê-los em seus interesses e em seus atos, necessitamos de agendas nossas e de nossas estratégias para fortalecer nossas capacidades, reconhecer e não perder de vista nossos objetivos para aprender a resistir-lhes e a transformar a realidade para a vida nesse caminho da resistência. Ou construímos uma América com os povos, ou nos submetem ao império do capital. Hoje, necessitamos com urgência, apoiar ao povo do Paraguai em suas ações de resistência estratégica e efetiva ao golpe e ao capital. Assim o decide seu povo.

7. Que uma agenda de luta e resistência desde Paraguai nos oriente em nossos esforços solidários e nos enfoque para que não nos esgotemos, para que somemos capacidades de maneira oportuna, para que não nos cansemos, para que nos encontremos e alcancemos resultados, para ir aprendendo e ensinando a resistir, a defender o que é nosso e coletivo. Se não temos agenda própria, vamos seguir submetendo-nos à deles. Temos que consolidá-la y convertê-la em nosso caminho.

Convocamo-nos:

Neste momento de dor e ira ante o golpe no Paraguai, a enfocar todas as nossas capacidades prioritariamente, a partir da diversidade, a apoiar a elaboração de uma agenda estratégica de resistência e de solidariedade dos povos e nos comprometemos a fazer o que esteja em nossas mãos para alcançar seus objetivos com toda a criatividade e ternura da solidariedade dos povos. Eles têm a memória de seus crimes para nos esmagar, os povos tecemos nossa memória para resistir e fazer um mundo nosso, não para a cobiça e o despojo senão para a justiça e a liberdade em harmonia com a Mãe Terra.

Com o Povo do Paraguai em resistência frente à ocupação.

Todas as causas dos povos e da vida são Nossas!

Nunca mais uma América sem seus Povos”

Nossa América, 27 de junho de 2012

Notas

[1] Fazio, Carlos. Lugo, EEUU y la Telaraña imperial. La Jornada. Ver aquí, consultado 2012-06-27

[2] Robin Marie-Monique. El mundo según Monsanto. La sección sobre Paraguay ilustra estos hechos. Ver video aquí, consultado 2012-06-26

[3] Núñez, Silvio. La transnacional Río Tinto Alcán y el Golpe de Estado. Rebelión. Ver aquí, consultado 2012-06-27

[4] Sobre la Hidrovía Paraná-Paraguay ver, por ejemplo Hidrovía Paraná-Praguay: aquí, consultadas 2012-06-26

[5] Acuífero Guaraní: Ver por ejemplo aquí, consultado 2012-06-26

[6] Campesinos luchan contra latifundio en Paraguay. Video. Ver aquí, consultado 2012-06-26

[7] Sobre esta base ver por ejemplo: EEUU: aquí, consultadas en 2012-06-26

[8] FOL. Forward Operating Locations. En el lenguaje oficial del USSOUTHCOM. Ver por ejemplo: aquí, consultado 2012-06-26

[9] Sobre las tierras de los Bush en El Chaco ver por ejemplo: aquí y aquí – Con mapa: aquídailykos.com, consultado 2012-06-26

[10] Ver por ejemplo: Álvaro Uribe Vélez: “Paraguay es una mina de oro que debe ser explotada” aquí y Pide Uribe Vélez a Paraguay no ser “débil” en lucha contra el terrorismo. Aquí, consultadas 2012-06-27

[11] Méndez Grimaldi, Idilio. Monsanto golpea en Paraguay: Los muertos de Curuguaty y el juicio político a Lugo. aquí, revisado 24 de Junio de 2012.

[12] Sobre la decisión de Lugo ver por ejemplo: aquí, consultada 2012-06-26

[13] Stefanoni, Pablo. Un golpe largamente planeado. Página siete. Ver aquí, consultado 2012-06-27

[14] El Presidente Santos ya anunció que propondrá elecciones en Paraguay para “evitar que el pueblo sufra”, en la próxima reunión de UNASUR, poniendo en marcha la maquinaria de legitimación y encubrimiento. Ver aquí, consultado 2012-06-26

Tradução: Maurício Colares

 

Redação

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