Porque os progressistas do Egito ganham

Do Blog de Thiago M Silva, no Brasilianas

Como o Egito chegou até aqui, quais os planos das forças militares para o país e como é sua relação com os capitalistas nacionais e manifestantes.

 

O artigo abaixo é uma tradução livre do artigo de Paul Amar, originalmente publicado no site do jornal  Jadaliyya e reproduzido em 10 de fevereiro no site da TV AlJazeera. Paul Amar é Professor Associado de Estudos Globais e Internacionais da Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Entre seus livros, se incluem: Cairo Cosmopolitan; As Novas Missões de Policiamento Racial; Auxílio para o Sul Global  ; e o próximo: O Fim do Neoliberalismo.

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Em 06 de fevereiro de 2011, o vice-presidente do Egito apressadamente nomeado, Omar Suleiman, convidou a velha guarda – ou o que poderíamos chamar de ala empresarial – da Fraternidade Muçulmana para uma pomposa reunião no elegante gabinete de jacarandá no palácio presidencial de Mubarak. O objetivo da reunião era discutir algum tipo de acordo que poria fim ao levante nacional e restaurar a “normalidade”. Quando a notícia da reunião foi revelada, expressões de encanto e terror romperam na blogosfera. Foi um pesadelo para a esquerda e a direita política a respeito do que estava prestes a ser realizado? Será que Suleiman, o sucessor pró EUA/Israel, fundiria seu aparato policial-militar com o poder do ramo mais conservador do movimento social islâmico? Ouvindo a notícia, o líder supremo do Irã enviou os seus parabéns. E nos EUA, Glenn Beck e John McCain declamaram exultantes sobre guerras mundiais e o aumento inevitável do califado cósmica.

Naquele mesmo dia, um oficial da Casa Branca disse anonimamente à Associated Press que qualquer “tipo acadêmico” que não se atenta na Fraternidade Muçulmana e a vê como o principal ator nesse drama “tem m*rda na cabeça”. A
Casa Branca parece acreditar que Suleiman, chefe dos serviços de inteligência do Egito, era o tipo de mente afiada que ela poderia confiar. A marca da “inteligência” de Suleiman foi exibida durante entrevista em 3 de fevereiro, na qual traçou a causa da revolta do Egito como uma conspiração coordenada por uma frente unida de Israel com o Hamas, a Al-Qaeda com Anderson Cooper. Será verdade que Suleiman também tem um dossiê revelando o papel sinistro desempenhado em todo este processo pelo personagem C. Montgomery Burns, do “Simpsons”?

Uma fração de uma facção

Na realidade, a reunião entre Suleiman e a Fraternidade acabou por ser nada mais do que um truque encenado pela TV Nilo Notícias. Este serviço a cabo, antes atraente, foi transformado na semana passada em uma unidade de propaganda Murdochiana, cujas produções são executadas pelo gênio artístico da guarda presidencial de Mubarak. Imagens da reunião Suleiman-Fraternidade Muçulmana, tete-a-tete, foram divulgadas num momento em que a legitimidade e a sanidade de Suleiman pareciam cada vez mais frágeis no Egito – e quando esse subgrupo específico da Fraternidade, que representa apenas uma fração de uma facção da oposição, estava tentando alavancar um retorno inesperado.

Como os repórteres estavam obcecados sobre qual Irmão da Fraternidade estava sentado com Suleiman, eles continuaram a ignorar ou não entender bem o contínuo e crescente poder dos movimentos que tinham começado esta revolta. Muitos progressistas continuaram a pensar que os EUA estavam conspirando com Suleiman para acabar com toda a esperança – como se míseros $ 1,5 bilhões de dólares dos EUA em ajuda (dos quais tudo deve ser transformado em aquisições militares de fornecedores dos EUA de qualquer maneira) realmente ditassem a política de um regime que faz negócios multibilionários com a Rússia, China e Brasil todo mês – e que tem canalizado em torno de US $ 40-70 bilhões para contas pessoais de Mubarak.

Provando que a TV Nilo Notícias e os pessimistas erraram, 1,5 milhão de pessoas compareceram no dia 7 de fevereiro – a maior mobilização até agora nesse levante. Os comentaristas que se concentraram na Fraternidade tinham perdido completamente os acontecimentos reais dos últimos dois dias. O domínio da liderança do partido NDP tinha sido atacada por dentro. Em uma tentativa desesperada de salvar a sua autoridade fantasma, Mubarak lançou seu filho Gamal e toda uma classe de empresários ligados aos EUA aos leões, forçando-os a demitir-se e congelar seus bens. E, ao mesmo tempo, o jornal egípcio El-Masry El-Youm informou que a o ala da Juventude e das Mulheres da Fraternidade Muçulmana se separou da organização principal da Fraternidade – para se juntar ao Movimento 6 de Abril, de esquerda. Os homens sentados em torno da mesa de Suleiman ficaram sem muito apoio por trás deles.

Abaixo eu traço o declínio de poder da política econômica e moral dessa “ala empresarial” da Fraternidade. Mapeio o poder sócio-político ascendente de uma nova coalizão de empresários e militares empreendedores orientada para o desenvolvimento nacional, bem como a força decisiva de organizaçoes de micro-empresas e trabalhadores, constituídas de mulheres e jovens – uma força que anuncia bem o futuro da democracia e da inclusão sócio-econômico no Egito.

Facções da Fraternidade

A Fraternindade Muçulmana não é uma força marginal no Egito. Ela é muito bem organizada em cada cidade – e pode ser reconhecida pelo fornecimento de saúde, educação, assistência jurídica e socorro em catástrofes aos cidadãos ignorados ou negligenciados pelo Estado. Mas ela não é um equivalente do Hezbollah ou do Hamas no Egito. Como Mona El-Ghobashy descreveu, na década de 1990 a Sociedade da Fratenidade Muçulmana, sofreu um desvio definitivo, abandonando o enfoque centrado nos segredos e hirarquia da sharia. Hoje, a Fraternidade é um partido político bem organizado – oficialmente proibido, mas tolerado ocasionalmente. Nos últimos 20 anos, tem feito incursões significativas no parlamento através de alianças com outros partidos e pelo lançando candidatos independentes.

A Fraternidade agora apóia totalmente o pluralismo político, a participação das mulheres na política e o papel dos cristãos e comunistas como cidadãos plenos. No entanto, com a ascensão de outras movimentos trabalhistas, liberais e de direitos humanos no Egito na década de 2000, a “nova velha guarda” da Fraternidade – a que surgiu na década de 1980 – tem conservado o foco primário nas políticas de identidade cultural e moral. O conservadorismo moral-cultural ainda é visto pelo grupo como o que distingue a Fraternidade de outros partidos – um fato por eles confirmado com a nomeação de um rígido conservador, Muhammad Badeea, como líder em 2010.

Este desvio foi rejeitado pelas mulheres e pela juventude no movimento. Esta inclinação ao conservadorismo social traz a “nova velha guarda” mais de acordo com o paternalismo moralista do governo de Mubarak – e os coloca de encontro com a trajetória dos novos movimentos trabalhistas das mulheres e da juventude. Isto leva a novas possibilidades de divisões nessa organização ou uma emocionante revitalização e reinvenção da Fraternidade – a medida que o ramo da Juventude e das Mulheres se sente atraído pela coalizão 6 de abril.

A ala de tradição moral-cultural da “nova velha guarda” é composta por dirigentes sindicais e empresários ricos. Na década de 1950-80s, o movimento se reagrupou e representou membros frustrados da burguesia nacional. Mas esta classe de pessoas foi largamente absorvida por novas oportunidades e deixou a organização. A “nova velha guarda” do ramo empresarial da Fraternidade começou a parecer um grupo de Shriners aposentados, com a diferença de que no Oriente Médio, os Shriners pararam de usar fez.

Nos últimos dez anos, a força política desse ramo em específico foi parcialmente cooptada pelo governo de Mubarak por dois ângulos. Primeiro, a Fraternidade foi autorizada a entrar noparlamento com candidatos independentes e a participar do recente boom econômico. Agora, os sêniors da Fraternidade  possuem companhias de telefonia celular e empreendimentos imobiliários – e foram absorvidos pelo “establishment” da máquina do PDN [Partido Democrático Nacional] e da classe média alta por anos. Segundo, o governo se apropriou inteiramente do discurso moral da Fraternidade.

Pelos últimos dez ou quinze anos a polícia de Mubarak acenou a bandeira do Islã ao mesmo tempo gerando pânico moral: atacando mulheres solteiras que trabalham fora, homossexuais, usuários de internet adoradores do Diabo, suinocultores recicladores de lixo, moradores de ocupações ilegais – bem como minorias bahai, cristãos e xiitas. Em sua cruzada moralista, o governo Mubarak queimou livros, molestou mulheres e excomungou professores de faculdade. Assim, podemos dizer que o Egito já experimentou as práticas de um estado Islâmico extremamente limitado – o de Mubarak. Os egípcios testaram esse tipo de regime. E odiaram.

Nos últimos anos, conforme descrito na obra de Saba Mahmood e Bayat Asef, as pessoas cresceram revoltadas com a politização do Islã por Mubarack. Os egípcios começaram a cultivar o Islã como um projeto pessoal de auto-governo, solidariedade religiosa, social e ética. Esta tendência rejeita explicitamente a orientação política do Islã e explicitamente se separa tanto das atividades da Fraternidade quanto das cruzadas moralistas de Mubarak.

 

Os militares como uma classe média populista

Ao mesmo tempo, a Fraternidade Muçulmana representou os membros da classe média frustrada e marginalizada. Mas essa história é tão 1986! Agora, há uma vasta gama de grupos seculares -, mas não anti-religioso – que representam os padrões econômicos emergentes no país. Além disso, esses grupos são absorvidos por um turbilhão de novas forças político-econômicas vindos de novas e renovadas influências e investidores no mundo – Rússia, Cazaquistão, Azerbaijão, Israel, Dubai, China, Turquia e Brasil -, bem como o retorno do fluxo de remessas ao país, como de profissionais egípcios que foram absorvidos pela construção civil dos Emirados.

No contexto desta nova globalização multi-dimensional, em que Oriente/Ocidente partilham e padrões pós-coloniais são radicalmente refeitos, os militares passaram a ser os mediadores econômicos mais interessantes, com  curiosas histórias de sucesso. Os militares egípcios são os atores econômicos mais interessantes e menos compreendidos no país.

Os interesses econômicos dos militares estão divididos em caminhos curiosos. Uma vez que os militares foram impedidos de fazer guerra, pelo tratado de Camp David, eles usaram sua soberania sobre grandes áreas de deserto e de propriedade costeira para abrir shoppings, cidades fechados e resorts de praia – para as férias dos egípcios ricos e modestos, consumidores e turistas locais e internacionais. Assim, sua posição em relação à revolta é complicada.

Eles odiavam os capitalistas gananciosos em torno de Gamal Mubarak, que vendeu terras nacionais, bens e recursos para as corporações dos EUA e Europa. Mas os militares também querem turistas, compradores e investidores para consumir em seus resorts e eventos multibilionários. Os militares se identificam muito fortemente com a questão de representar e defender o “povo” -, mas também querem que as pessoas vão para casa e parem de assustar os turistas. Os militares vão continuar a se mobilizar nessa posição intermediária de curiosas maneiras nos próximos anos.

O Serviço de Inteligência do General Suleiman é nominalmente parte dos forças armadas – mas são completamente separadas institucionalmente. A Inteligência é dependente de patrões estrangeiros, principalmente Israel e EUA, e é vista com ceticismo pelos egípcios. Mas a Força Aérea e o Exército são muito fundamentados no interesse econômico e social do território nacional. O papel do exército na luta contra o desejo de Suleiman para a repressão foi crucial para salvar a dinâmica desta revolta.

Em 4 de fevereiro, o dia de brutalidade policial/thug mais aterrorizante em Tahrir Square, muitos comentaristas perceberam que os militares estavam tentando parar os ataques dos thugs, mas não eram muito efetivos ou agressivos. Seria isso um sinal de que os militares realmente queriam que os manifestantes fossem esmagados? Desde então, soubemos que as forças armadas na praça não foram provisionadas com balas. Os militares estavam tentando o melhor que podiam para combater os policias e os thugs – mas Suleiman havia tirado as balas por temer que os militares se postassem ao lado dos manifestantes e usassem a munição para derrubá-lo.

 

Com ou sem balas, os militares deslocaram a polícia, que estava sem seus uniformes e haviam retornado em bandos de thugs. A segurança em espaços públicos do Cairo, foi retomado pelos militares – e em bairros residenciais nós testemunhamos o retorno de grupos futuwwa numa versão do século 21. Como Wilson Jacob descreveu, no século 19 futuwwa foram ícones da identidade nacional e da solidariedade comunitáriada da classe trabalhadora no Egito.

Futuwwa foram grupos organizados de jovens que defendiam as guildas artesanais e os bairros da classe trabalhadora do Cairo. Mas o futuwwa renascido em primeiro de fevereiro de 2011 são chamados Junta Popular e incluem homens de todas as classes e idades – e algumas mulheres com facas de açougueiro, também. Eles vigiavam cada esquina, atentos para a polícia e thugs financiados pelo Estado, que poderiam tentar prender, intimidar ou saquear os moradores. Diante da ameaça de violência física e sexual da polícia e thugs de Mubarak, há uma questão de gênero nessa recriação e realocação do poder militar e da segurança durante a revolta. Nos primeiros dias da insurreição, vimos um grande número de mulheres participantes na revolta.

Então a polícia e os thugs começaram a mirar as mulheres de maneira particularmente horripilante – molestando, prendendo, estuprando. E quando os policiais foram repelidos, os militares e os grupos futuwwa assumiram o controle e sustentaram que “proteger” o povo dos thugs envolvia filtrar mulheres e crianças de Tahrir, excluindo-as do espaço público. Mas as mulheres nessa revolta insistiram  que não são vítimas que precisam de proteção, elas são o núcleo de liderança deste movimento. Em 7 de fevereiro, grupos de mulheres – incluindo o movimento operário nacional de esquerda 6 de Abril, bem como grupos de direitos civis e anti-assédio, a Ala das Mulheres da Fraternidade ressurgiram com força no centro do Cairo – às centenas de milhares. 

 

 

A evisceração da globalização de Gamal

Em 28 de janeiro, a sede do controle de Mubarak do Partido Democrático Nacional foi incendiado – e, com ele, a autoridade substantiva de Mubarak foi transformada em cinzas. O crescente interesse militar e do capital nacional, em seguida, cuspiu sobre essas cinzas em 05 de fevereiro. Naquele dia, eles garantiram que Gamal Mubarak iria renunciar como chefe do escritório político do PDN. Em seu lugar, o Dr. Hosam Badrawy foi nomeado o novo secretário-geral do partido.

A escolha de Badrawy reflete a direção que os ventos estão soprando agora. Badrawy detém a duvidosa honra de ser o homem que fundou o primeiro healthcare do setor privado do Egito, HMO em 1989. O acesso gratuito e universal à saúde é garantido constitucionalmente a todos os egípcios. Mas Mubarak, sob as ordens do FMI, fez cortes draconianos aos serviços públicos de saúde – início na década de 1980. Badrawy defendeu a privatização da saúde – e criou uma indústria nacional do setor privado em saúde com significativo capital e apoio legal.

Esta indústria está ameaçada pela concorrência global e descreve a si mesma nos tons paternalista e nacionalista. Gamal Mubarak, serviu como um veículo para o investimento estrangeiro e representa uma ameaça para empresários como Badrawy. Este, no passado, também atuou como diretor da organização de direitos humanos  do PDN, um trabalho particularmente contraditório de se manter durante um período de repressão e tortura em massa.

Naguib Sawiris, o auto-proposto mediador do “Conselho de Transição dos Sábios”, é similar em algumas maneiras a Badrawy. Sawiris é um patriota. Nacionalista e empresário bem sucedido. Sawiris dirige a maior empresa do setor privado no Egito, Orascom. Esta empresa construiu ferrovias, resorts de praia, cidades fechadas, rodovias, sistemas de telecomunicações, parques eólicos, condomínios e hotéis. Ele é um dos grandes financiadores do mundo árabe e da região do Mediterrâneo.

Ele também é o portador da bandeira dos nacional-desenvolvimentistas do Egito. Em 4 de fevereiro, Sawiris divulgou um comunicado propondo um conselho de sábios que iria supervisionar Suleiman e a polícia – e que guiaria o Egito durante a transição. O conselho proposto seria um assim chamado corpo  “tecnocrático neutro” que incluiria Sawiris, junto com um par de membros não-ideológicos da ala empresarial da Fraternidade Muçulmana, alguns “experts” estrategistas, e um ganhador do Prêmio Nobel. Seria este Nobel Mohammed ElBaradei, o laureado da paz e líder da oposição? Não. Eles acharam um egípcio laureado química orgânica.

Mulheres, micro-empresários e trabalhadores

No contexto das relações descritas acima, podemos entender porque nós testemunhamos, na primeira semana de fevereiro, o surgimento de uma coalizão em torno de empresários nacionalistas em aliança com os militares – militares que também agem como empresários nacionalistas de classe média por si. Este grupo expulsou o “compadrio dos globalizadores” e “barões da privatização” em torno Gamal Mubarak. Poderia, este grupo, consolidar sua permanência no poder, para governar o país com Suleiman como seu martelo? Não. Outras massivas forças sociais também atuaram. Eles são bem organizados. Legitimidade, organização, uma nova visão e poder econômico em suas mãos. O novo bloco nacionalista militar-empresarial não poderia desenvolver o país sem a sua participação e mobilização.

É fundamental lembrar que esse levante não começou com a Fraternidade Muçulmana ou com os empresários nacionalistas. Essa revolta começou gradualmente na convergência de duas forças paralelas: o movimento pelos direitos dos trabalhadores em cidades industriais recém-renovadas e micro-fábricas do Egito – especialmente durante os últimos dois anos – e do movimento contra a brutalidade e tortura policial, que mobilizou todas as comunidades do país nos últimos três anos. Ambos os movimentos contavam com a liderança e participação em massa de mulheres de todas as idades e jovens de ambos os sexos. Há razões estruturais para isso.

Primeiro, a paixão dos trabalhadores que começaram esta revolta não decorre da sua marginalização e pobreza, mas sim, deriva da sua centralidade para novos processos de desenvolvimento e dinâmica de trabalho. No passado muito
recente, Egito ressurgiu como um país produtor de manufaturas, embora sob as condições mais estressantes e dinâmicas de trabalho. Os trabalhadores do Egito estão mobilizados porque novas fábricas estão sendo construídas no contexto de uma agitada enxurrada de investimentos globais. Várias zonas de livre comércio russas e pequenas fábricas foram abertas, e a China investiu por toda parte na economia egípcia.

 

O Brasil, a Turquia, as repúblicas da Ásia Central e os Emirados do Golfo estão diversificando seus investimentos. Eles estão se movendo para fora dos setores petrolífero e imobiliário para o setor de manufaturas, artigos têxteis, informática, infra-estrutura, etc. Em todo o Egito fábricas foram restauradas e reabertas, ou novas foram construídas. E todos aqueles shoppings, cidades fechadas, estradas e resorts têm que ser construídos e movimentados por alguém. No Golfo, os desenvolvedores usam bangladeshianos, filipinos e outros trabalhadores estrangeiros. Mas o Egito geralmente usa seus próprios trabalhadores. E muitos dos trabalhadores nas indústrias têxteis renovadas e lojas de artigos têxteis de Egito são mulheres.

Se você caminhar pelas escadarias dos grandes edifícios de apartamentos da classe trabalhadora nas periferias do Cairo ou pelos blocos cimentados de construções das aldeias, você verá oficinas cheias de mulheres produzindo bolsas e sapatos – e montando brinquedos e circuitos de computador à venda na Europa, Oriente Médio e no Golfo. Estas trabalhadoras se juntaram com os operários de fábricas para fundar o movimento 6 de Abril em 2008. Foram eles que começaram o processo de organização e mobilização que levou a essa revolta, em 2011, cuja erupção foi desencadeada por Asmaa Mahfouz circulando um apaixonado vídeo do YouTube e dezenas de milhares de folhetos nas favelas do Cairo em 24 de janeiro de 2011. Ms Mahfouz, uma organizadora política com um MBA na Universidade do Cairo, convocou o povo a protestar no dia seguinte. E o resto é história.

A visão econômica e de classe das micro-empresas do Egito foi politizada e mobilizada de formas muito dinâmicas, novamente com importante influência da questão sexual e de gênero. Desde o início da década de 1990, o Egito cortou serviços de bem-estar social aos egípcios da classe trabalhadora e classe média baixa. No lugar de subsídios a alimentos e empregos, eles têm oferecido dívidas. Empréstimos de micro-crédito foram dados, com bênção entusiástica do FMI e Banco Mundial, para estimular o empreendedorismo e auto-confiança. Esses empréstimos foram, muitas vezes direcionados especificamente a mulheres e jovens.

Desde que os candidatos economicamente desfavorecidos não têm garantias para pagar esses empréstimos, o pagamento é imposto pela lei penal e não pela lei civil. Isso significa que seu corpo é sua garantia. A polícia extrai dor e humilhação se você não pagar sua conta. Assim, o sistema de micro-empresa tornou-se um grande sistema de extorção policial e operações de “agiotagem”. A brutalização sexual de jovens e mulheres por parte da polícia se tornou central para a “regulação” da economia de massa de pequenas-empresas.

Neste contexto, a economia de micro-empresa é algo difícil de operar – mas isso forjou fortes sobreviventes mulheres e jovens que se viram como uma força organizada contra o estado policial. Ninguém fala da bênção da mão invisível do mercado. Assim, os interesses econômicos dessa classe massiva de micro-empreendedores são a base para o enorme e apaixonado movimento anti-violência policial. Não é por acaso que o movimento se tornou uma força nacional há dois anos com o assassinato brutal pela polícia, de um jovem, Khalid Said, que estava num computador em um pequeno cibercafé do qual era um dos donos. A polícia exigiu sua identidade e propina, que ele se recusou a pagar- os policiais o espancaram até a morte, esmagando seu crânio em pedaços, enquanto toda a comunidade assistia horrorizada.

As exigências de propina pela polícia, o assédio a micro-empresas – e o espancamento para aqueles que se recussem a se submeter – se tornaram prática padrão no Egito. Os cibercafés, pequenas oficinas, call-centers, vídeo-game-cafés, microônibus, empresas de lavar e passar roupa e pequenas academias de ginástica constituem o cenário das micro-empresas que são a base dos empregos e o mundo social da classe média baixa do Egito. A assim chamada “revolução do Facebook” não se trata da mobilização de pessoas no espaço virtual. Se trata dos cibercafés egípcios e as comunidades, os jovens e as mulheres, que eles representam em espaços sociais reais,  utilizando os alicerces do ciberespaço que eles construíram e desenvolveram para servir à sua revolta.

 

A Diferença Egípcia

No caso da Revolução Iraniana na década de 1970, oo “bazaaris de Teerã” – os comerciantes médios e donos de lojas – acabaram servindo crucialmente como “voto de Minerva”, movendo a Revolução Iraniana da esquerda para a direita, a partir de um levante socialista para a fundação de uma república Islâmica. No caso do Egito, a força social e política das mulheres e jovens micro-empresários levará a história na direção oposta. Esses grupos tem uma visão complexa e altamente desenvolvida da postura moral de alguns islamistas – e eles têm uma agenda socio-econômica muito clara, que apela para a ala jovem e dinâmica da Fraternidade Muçulmana.

Os grupos progressistas têm uma rede articulada de empresas, fábricas, e paixões e mútua identificação. Eles se estenderiam a qualquer distância para evitar o ressurgimento da brutalidade policial e da hipocrisia moral da geração passada que os tem governado. As mulheres e os jovens por trás dessas micro-empresas e os trabalhadores nas novas fábricas da Rússia, China, Brasil, Golfo e Egito parecem estar unidos. E eles crescem mais que a cada dia.

Os Micro-empresários, os novos grupos de trabalhadores, e massivas organizações anti-violência policial obviamente não compartilham da mesma posição de classe de Sawiris Badrawi e os homens ricos no “Conselho dos Sábios”. No entanto, há uma significativa sobreposição e afinidades entre interesses e políticas dos grupos voltados ao nacional-desenvolvimentismo, os novos empreendedores militares – e os movimentos sociais das mulheres e jovens extremamente bem organizados. Esta confluência de dinâmicas econômica, histórica e social, vai garantir que esta revolta não fique reduzida a uma oportunística cena de Suleiman e alguns de seus comparsas.

Um gato de Cheshire está sorrindo na reunião de Suleiman.

Luis Nassif

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