José Afonso da Silva: ‘Presidente do Supremo não faz pacto político’, diz jurista

"Um pacto pressupõe concessões mútuas em favor de um consenso comum, o que não pode ser feito pela atividade jurisdicional"

Jornal GGN – “A atividade jurisdicional não comporta acordos políticos, ainda que possam sofrer ameças e pressões”, pondera o advogado, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP e que participou dos debates da Assembleia Constituinte nos anos 1980, e que gerou a Constituição Federal brasileira, José Afonso da Silva.

Em entrevista ao Estado de S.Paulo, publicada nesta segunda-feira (8) o jurista aborda com preocupação o chamado “pacto entre os Poderes” executivo, legislativo e judiciário, proposto em maio pelos chefes dos três poderes.

“O presidente Bolsonaro afirmou que um tal pacto não precisa ser formalizado em documento escrito. Quer dizer, não existirá pacto algum. Ademais, é difícil compreender a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal em um pacto político. Um pacto pressupõe concessões mútuas em favor de um consenso comum, o que não pode ser feito pela atividade jurisdicional”, pontua Afonso da Silva.

Aos 94 anos e bastante lúcido, o professor observa que Bolsonaro não será capaz de romper com o chamado “presidencialismo de coalizão”, como vem discursando, sem esgarçar a relação com o Lesgilativo, tanto é que o que estamos assistindo é justamente o contrário do que o presidente prega: o aumento de concessões à “velha política”.

“O presidencialismo de coalizão não é uma construção fundada na vontade dos governantes. É a imposição de uma realidade política decorrente do sistema eleitoral e do sistema partidário vigente. Ao enfrentá-lo sem mudar suas causas, o presidente se arrisca a submergir em graves dificuldades governamentais, já que as coalizões – que são da essência do sistema – constituem instrumento da governabilidade”, explica Afonso da Silva.

“Isso se mostra por duas atitudes: esse esgarçamento das relações com o Legislativo e com certas concessões à “velha política”. As relações com o Judiciário são diferentes. A atividade jurisdicional não comporta acordos políticos, ainda que possam sofrer ameaças e pressões”, completa.

Ao ser questionado sobre o uso excessivo de decretos e medidas provisórias por Bolsonaro, e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, até maio, questionou, pelo menos 30 iniciativas dessas, como o decreto que extinguia conselhos federais públicos, rejeitado pela Corte, o jurista avaliou que o cenário revela que o presidente “ultrapassa os limites de sua competência, não levando em conta o princípio da divisão de poderes”.

“Esse é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, segundo o qual as funções governamentais – legislação, administração e jurisdição – são distribuídas a poderes diversos, atendendo a dois critérios básicos: o da especialização funcional e o da independência orgânica. Especialização significa que cada poder é especializado no exercício de uma função”, pontua.

“A independência orgânica significa que cada Poder exerce sua função especializada com autonomia em relação aos outros. Se qualquer um ultrapassar os limites traçados pela Constituição, o ato daí decorrente é ilegal ou inconstitucional. E, assim, sujeito à revisão pelo Legislativo ou pelo Judiciário. Foi o que se deu no caso dos decretos presidenciais, que nitidamente ultrapassavam a competência presidencial e eram inconstitucionais”, explica.

Somente no primeiro semestre, o governo publicou mais de 150 decretos, o maior número desde o governo Fernando Collor (1990-1992). Ao ser questionado como avalia a fala de Bolsonaro de que “com a caneta tem mais poder” que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Afonso da Silva responde:

“Esse é daqueles rompantes com os quais o presidente nos tem brindado nesses seis meses de governo. No caso, revela desconhecimento das funções que cabem a cada órgão do poder governamental. A “caneta” presidencial tem o poder que lhe é reservado pela Constituição. Nem é certo que a função do Rodrigo Maia seja “fazer leis”. Quem faz leis é o Congresso Nacional que até já impôs limites à caneta presidencial quando considerou ilegal um dos decretos que ela produziu.”

O professor foi questionado ainda se é a favor de uma revisão da Constituição Federal. Para ele, os poderes não devem partir para esta linha.

“Só há um meio legítimo de modificação formal da Constituição: as emendas constitucionais na forma prevista no seu artigo 60. Qualquer outra forma de modificação será inconstitucional e assim pode ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal. Sempre se está pleiteando “assembleia ou constituinte exclusiva” para modificar a Constituição”, destaca.

“A Venezuela está vivendo esse tipo de processo com um Poder Legislativo em funcionamento e uma Assembleia Constituinte Exclusiva criada pelo ditador (Nicolás) Maduro. É um processo conflitivo porque duas formas de poder legislativo não podem conviver harmonicamente. Não acredito, pois, que esse processo seja adequado, até porque, ele infringe a Constituição”, pondera.

Afonso da Silva foi perguntado também sobre as mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil, mostrando diálogos que apontam para a colaboração entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato.

“O que sabemos até agora é grave, se comprovada a autenticidade das mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Se verdadeira em algum caso, pode suscitar a suspeição do juiz com possível anulação de alguma decisão. Não é possível generalizar. Tudo depende da análise em cada caso concreto”, conclui. Para ler a entrevista na íntegra de José Afonso da Silva, clique aqui.

Redação

1 Comentário

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  1. Olha, não precvisa ser jurista…….qualquer imbecil sabe disso…..

    Dai podemos concluir o quilate do atual supremo…..sim por que uns fazem cagadas e os outros ficam quietos……..

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