Enquanto milhares de cidadãos brigam por uma vaga no serviço federal, em busca de emprego estável e melhores condições de trabalho, um advogado abdicou de uma importante função na Esplanada, pouco depois de ter sido aprovado em concurso público e nomeado. Atraído pela proposta de um salário ainda maior, Ivo da Mota Azevedo Corrêa trocou, em maio de 2008, o cargo efetivo de especialista em políticas públicas no Ministério do Planejamento pelo de diretor de Relações Governamentais do Google Brasil, onde permaneceu até 2011.
Curiosamente, ele deixou o maior site de buscas da internet para retornar ao governo, agora na condição de um dos principais assessores do Palácio do Planalto em questões legais envolvendo a rede mundial de computadores, como subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Dessa vez, sua nova nomeação foi feita sem concurso, como assessor DAS, com um vencimento de cerca de metade do que teria direito se não tivesse se desligado do serviço público.
O currículo de Ivo Corrêa detalha o trânsito dele entre os setores público e privado. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), ele já havia ocupado cargo na Presidência da República, no Ministério da Justiça, no Senado e na prefeitura e na câmara de vereadores da capital paulista. Hoje, o advogado é um dos representantes do governo no Comitê Gestor da Internet, órgão responsável pela coordenação de iniciativas de serviços on-line no país. Procurado pelo Correio , o servidor não deu retorno ao pedido de entrevista.
De interlocutor com o governo indicado pelo Google a negociador do governo com o Google e outros atores do ciberespaço, a mudança de posições de Corrêa pode suscitar questões se considerar a batalha bilionária de interesses comerciais divergentes de operadoras de telefonia e multinacionais poderosas, como a que hospeda o famoso site de busca e o Facebook, por exemplo, em torno da regulação da rede.
A prova do elevado grau de tensão sobre o tema está na recente notícia de um suposto esquema norte-americano para espionar cidadãos brasileiros — com a colaboração de empresas nacionais — que recolocou na pauta do Congresso o tema do marco civil da internet. “O arcabouço legal para disciplinar direitos e deveres de usuários, governo e empresas na rede não alcançou o consenso que ainda parece distante, apesar da pressa trazida pelos fatos atuais”, comentou ao Correio uma fonte ligada às teles.
O projeto, proposto pelo Ministério da Justiça em 2011 e relatado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), recebeu no ano passado apoio explícito de Google e Facebook, que afirmaram, em carta aberta, ser o documento o “resultado de riquíssimo debate que resultou em um projeto de lei moderno”. As operadoras de telefonia não gostaram nada do viés trazido pelo texto batizado de “Lei do Google”, por favorecer a chamada neutralidade na rede, que as impede de regular a velocidade de conexão conforme o tipo de conteúdo e de cobrar por isso.
Representantes das concessionárias da telefonia brasileira argumentam que não é justo arcarem com pesados investimentos em infraestrutura de conexão enquanto grupos econômicos de alcance global, como Google, Facebook e Netflix, lucram com a livre passagem até os usuários. “A questão da neutralidade é de difícil regulamentação. Por outro lado, acho legítimo que provedoras de acesso cobrem de forma diferenciada pela velocidade de conexão necessária a determinado serviço”, comenta Dane Avanzi, consultor do setor de telecomunicações.
Faturamento
Segundo especialistas, a marca mais representativa do mundo virtual e a principal rede social têm, cada uma, 25% das verbas publicitárias da internet no Brasil — o equivalente a fatias anuais de aproximadamente R$ 1 bilhão. São valores expressivos com perspectiva impressionante de crescimento. Espera-se que, até 2015, apenas o Google fature R$ 2,5 bilhões por ano no país.
No Projeto de Lei nº 2126/2011, por ora em revisão pelo próprio relator Molon, está garantido o princípio da neutralidade, mas havia espaço para regulamentações posteriores que talvez atendam à demanda das teles. Se isso for mantido, provedores de conexão ficam proibidos de favorecer acesso de determinado serviço sobre outro mediante pagamento de taxa pelo fornecedor de conteúdo. Além da neutralidade, o marco civil da internet trata de questões como o papel social da rede, a privacidade e a responsabilidade civil de usuários e empresas.
Desde o último domingo, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, vem afirmando que a aprovação do marco civil seria uma das reações do governo ao problema da bisbilhotice dos Estados Unidos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, e a presidente Dilma Rousseff também manifestaram preocupação com o fato de a internet brasileira depender do armazenamento de dados (logs) no país norte-americano, como os operados por Google e por Facebook, o que seria uma ameaça à soberania nacional.
Benefício pela metade
O cargo de subchefe da Casa Civil equivale ao de secretário nos ministérios, que se enquadra no código DAS 6 da tabela de remuneração de cargos de confiança. O salário bruto é de R$ 12.042. Os servidores de carreira nessa condição ganham gratificação de 60% sobre esse valor mais o seu salário.
No caso da carreira de especialista em políticas públicas, o rendimento começa em R$ 13.609 e vai a R$ 19.402. Chega-se ao patamar máximo depois de aproximadamente 10 anos de trabalho. Assim, caso não tivesse pedido exoneração, o salário de Ivo Corrêa estaria perto do teto. Uma pessoa dessa carreira que ocupa um DAS 6 tem remuneração entre R$ 20.834 e R$ 26.627, considerando o salário-base e a gratificação.
Fonte: http://www.dzai.com.br/nunes/blog/blogdovicente?tv_pos_id=133870
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