O discurso de Mitt Romney, por Amy Goodman

Da Carta Maior

Mitt Romney: a nação do 1% perante Deus

 Em um discurso em New Hampshire, Romney afirmou: “Obama quer transformar os Estados Unidos; nós queremos restaurar os Estados Unidos para voltar aos princípios que tornaram grande este país. Ele quer converter os Estados Unidos em um Estado de bem estar social ao estilo europeu; nós queremos assegurar que continuaremos sendo um país livre e próspero, a terra das oportunidades”. Palavras estranhas para um homem que depositou 3 milhões de dólares em uma conta bancária na Suíça. O artigo é de Amy Goodman.

Em entrevista à jornalista Soledad O’Brien, da CNN, ele afirmou: “Escutaremos o Partido Democrata falar dos problemas que afligem os pobres e é certo que não é bonito ser pobre, e temos uma rede de contenção para ajudar os mais pobres. Minha campanha está dirigida aos estadunidenses de classe média. Um candidato precisa eleger o centro de sua campanha. Pode centrar a atenção nos ricos, esse não é meu enfoque; pode centrar a atenção nos mais pobres, este tampouco é meu enfoque. Eu pretendo dirigir-me aos estadunidenses de classe média”. Romney nos assegura que “meu interesse não é dirigir-me aos cidadãos extremamente ricos, estes já estão muito bem”. Ele deve saber isso perfeitamente, já que possui uma fortuna pessoal de 250 milhões de dólares.

Sua própria campanha está muito bem financiada, mas seu êxito até o momento, em particular frente ao seu principal rival Newt Gingrich, é o resultado de grandes injeções de dinheiro dos denominados super PAC, o novo tipo de comitês de ação política que podem receber uma quantidade ilimitada de recursos de particulares e de empresas. Os super PAC estão proibidos por lei de coordenar suas atividades com as da campanha de um candidato. 

Registros da Comissão Federal Eleitoral, publicados em 31 de janeiro, revelam que o principal PAC que apoia Romney, “Restore Our Future” (Restaurar nosso futuro), arrecadou cerca de 18 milhões de dólares no segundo semestre de 2011, por meio de contribuições de apenas 199 doadores. Entre eles estão Alice Walton, que apesar de figurar no informe como fazendeira é mais conhecida por ser a herdeira da fortuna da Wal-Mart, e o famoso investidor de capitais de risco e multimilionário Samuel Zell, o homem a quem se atribui a quebra da empresa de comunicação Tribune. William Koch, o terceiro dos famosos irmãos Koch, também doou dinheiro para o super PAC de Romney.

Comparemos esses 199 doadores com o número de pessoas que vivem na pobreza nos Estados Unidos. Segundo os números mais recentes do Departamento de Censo dos Estados Unidos, 46,2 milhões de pessoas viviam na pobreza em 2010, cerca de 15,1% da população do país, a maior porcentagem nos 52 anos de levantamento dessas cifras. 2010 foi o quarto ano consecutivo em que houve um aumento anual da quantidade de pessoas vivendo na pobreza neste país.

No discurso que pronunciou após sua vitória em New Hampshire, Romney afirmou: “O país já tem um líder que nos divide mediante a política ressentida da inveja. Temos que oferecer uma visão alternativa. Estou preparado para conduzir este país por um caminho diferente, onde sejamos impulsionados por nosso desejo de triunfar, ao invés do ressentimento contra o sucesso”.

Na manhã seguinte, o jornalista Matt Lauer, da NBC, repreendeu Romney: “Você quer dizer que qualquer um que questionar as políticas e práticas de Wall Street e das instituições financeiras, qualquer um que tenha dúvidas sobre a distribuição da riqueza e do poder neste país é invejoso? Trata-se de inveja ou de justiça?”. Romney reafirmou sua postura e foi ainda mais longe: “Creio que se trata de inveja. Creio que se trata de luta de classes. O fato de o presidente estimular a ideia de dividir os Estados Unidos na base dos 99% contra o 1%, levando em conta que as pessoas mais bem sucedidas são as que estão dentro do 1%, gerou uma nova visão neste país que é completamente inconsistente com o conceito de que somos uma só nação perante Deus”.

E não ter nenhuma consideração pelos mais pobres é consistente? Romney se confunde ao criticar o presidente Obama e o movimento Ocupa Wall Street. Deixemos de lado por um momento que Ocupa Wall Street é, em geral, muito crítico do presidente Obama e, em particular, de alguns de seus funcionários, como o secretário do Tesouro, Timothy Geithner (que passou de integrante do Partido Republicano a “independente” para poder estar no governo de Obama, mas cujas posturas políticas permaneceram intactas), e o ex-assessor econômico Larry Summers. Romney evidentemente não tem ideia do que se trata o movimento Ocupa Wall Street se acha que as dezenas de milhares de pessoas que protestam e que, frequentemente, tem quem enfrentar a violência policial e correr o risco de serem presas, estão ali por inveja. Como observou Matt Lauer em sua pergunta: trata-se de justiça.

No mesmo discurso pronunciado em New Hampshire, Romney afirmou: “O presidente Obama quer transformar os Estados Unidos; nós queremos restaurar os Estados Unidos para voltar aos princípios fundacionais que tornaram grande este país. Ele quer converter os Estados Unidos em um Estado de bem estar social ao estilo europeu; nós queremos assegurar que continuaremos sendo um país livre e próspero, a terra das oportunidades”. 

Palavras um tanto estranhas para um homem que depositou 3 milhões de dólares em uma conta bancária na Suíça. O repentino fechamento de sua conta no banco suíço UBS salta aos olhos como sua própria forma de bem-estar europeu. Some-se a isso o fato que, graças aos seus investimentos em paraísos fiscais como Bermudas e Ilhas Caiman, a taxa de impostos paga por Romney em 2010 foi de 13,9%, uma cifra muito abaixo dos 35% pagos em média pelas famílias de classe média, as quais ele afirma representar.

Enquanto continua sua campanha através da nação do 1% perante Deus, Romney passa da Flórida, estado com a maior taxa de execuções hipotecárias do país, para Nevada, o estado com a maior taxa de desemprego. É de esperar que Romney passe a se importar não tanto com os pobres, mas sim com os votos que eles provavelmente emitirão contra ele.

(*) Denis Moynihan colaborou com a produção jornalística desta coluna.

(*) Tradução: Katarina Peixoto

Luis Nassif

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