O duro recomeço de Roberto Freire

Do Valor

Migrante em busca de votos 

Por Vandson Lima, de São Paulo
16/08/2010 

“O senhor se elegeria deputado em Pernambuco, hoje?” Ante à pergunta, o presidente do PPS Roberto Freire, ex-senador, cinco vezes deputado federal pelo Estado e agora candidato ao cargo por São Paulo respira, silencia por segundos, fixa os olhos no interlocutor e responde convicto: “Com certeza! [enfatiza] Com certeza. Meus detratores vêm com essa conversa de que eu não me elegeria nem síndico de prédio. E eu respondo que nunca perdi uma eleição parlamentar em Pernambuco”.

Morando em São Paulo há dois anos, Freire refuta a hipótese de que sua mudança se deu por dificuldades nas urnas: “Domicílio eleitoral é entulho da ditadura. Havia uma tradição no velho PCB de as figuras do partido não se fixarem no local em que nasceram. Eu continuo vendo assim”. Dos eleitos a deputado federal nas eleições de 2002, Freire foi o pernambucano menos votado, com 54.003 votos. “Minha dificuldade foi estar ao lado de um candidato à Presidência da República [Ciro Gomes, à época no PPS] que só caía nas pesquisas. Eu ia conversar com os estudantes e eram todos lulistas”, afirma. Em 2006, foi suplente do senador eleito, Jarbas Vasconcelos (PMDB).

O cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, discorda. Para ele, além da fragilidade do PPS no Estado, Freire optou por um caminho político que pôs em xeque sua credibilidade ideológica: “Em 1998, Jarbas venceu Miguel Arraes (PSB) na eleição estadual com mais de um milhão de votos de diferença [64% a 26%]. A partir daí, Freire e o PPS, identificados com a esquerda local, foram migrando para o grupo de Jarbas, aliado à ala mais conservadora da política estadual. Como o voto dele é de opinião, perdeu a identidade”.

BarrBarreto diz que a ascensão de Raul Jungmann (PPS), homem de boas relações na Câmara dos Deputados, também roubou votos de Freire: “Hoje o PPS tem status de legenda satélite em Pernambuco. Logo, ou elege um ou o outro”.

A alteração de domicílio eleitoral é justificada por Freire por meio de uma tese engenhosa: construir, a partir de São Paulo, uma alternativa no campo da esquerda democrática brasileira, tendo José Serra, candidato do PSDB à Presidência, como ponta-de-lança: “São Paulo é um Estado onde o PT não tem hegemonia, é derrotado pela esquerda da social democracia brasileira, concentrada no Estado”. A esquerda a que Freire se refere é “gorbacheviana”, refuta laços com presidentes ditos bolivarianos da América Latina e com o Movimento dos Sem-Terra (MST), a quem considera “gente de visão atrasada, presa a dogmas passados” – uma esquerda que, na visão de Freire, deve ser antiestatista e contrária ao assistencialismo, a que filia o Bolsa Família. “Política compensatória é um coronelismo moderno, com cartão eletrônico”, diz.

O PPS rompeu com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2004, ainda no primeiro mandato e antes do mensalão. “Quando vimos a fraude que era o governo Lula, que não mudou a política econômica, a política neoliberal, saltamos fora”. Roberto Freire sobe o tom, das críticas e da voz, ao falar do PT: “O PT monopolizou a esquerda sem discutir seu papel, pois como oposição discordava de tudo, para não rachar internamente. O que aconteceu? Quando chegou ao governo, não tinha projeto. O PT não ajudou a esquerda brasileira nem a democracia. Falo em nome do antigo PCB. Nunca nos ajudaram na luta pela resistência. O PT dividiu o movimento operário”.

Para o candidato, a aliança com os tucanos tem raízes históricas. Invariavelmente apela à sua vivência no antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), pelo qual concorreu à Presidência em 1989, para demonstrar os momentos de intersecção de ideias entre comunistas e social-democratas. O PPS chegou a aventar para a possibilidade de fundir-se com o PSDB, por conta da cláusula de barreira, depois derrubada.

E afinal, a política econômica de Lula não seguiu aquela implantada por Fernando Henrique Cardoso? “Sim, e eu era contra a política econômica do Fernando Henrique, continuo sendo. Era algo datado, que serviu para aquele momento. Não era um programa do PSDB. O Serra era crítico ao governo”.

O ingresso do DEM nessa coalizão de centro-esquerda é explicada por Freire como uma comunhão de interesses. O programa serrista não contemplaria em sua totalidade as ideias nem do PPS, nem do DEM. E faz questão de sublinhar as diferenças: “O DEM tem uma visão mais adequada à política econômica de Lula, à qual eles nem têm muita crítica. Coisa que eu tenho. Quem apoia Serra quer uma mudança do que está aí. Os banqueiros não nos apoiam” , afirma. Freire parece assustar-se com o que acabou de dizer e prontamente explica: “Não estou demonizando banqueiro. Mas não quero lhes dar prioridade na condução da política econômica”.

O PPS faz as contas para eleger Freire. A linha de corte, segundo o presidente estadual da sigla, o deputado estadual David Zaia, é de 120 mil votos. A estratégia junto ao eleitorado não é plenamente desenhada, e tanto Zaia quanto Freire tergiversam sobre o assunto, citando genericamente encontros com lideranças regionais, carona em agendas tucanas – Freire é presença constante em eventos do candidato ao governo Geraldo Alckmin (PSDB) – e visitas a cidades paulistas que tenham lideranças do PPS. Sabe-se também que na União Geral dos Trabalhadores (UGT), cuja direção conta com filiados ao PPS, a candidatura de Freire é vista com simpatia de sindicalistas avessos ao lulismo. Freire é constantemente convidado para palestras e seminários na central.

O presidente do PPS rejeita a artificialidade de sua candidatura no Estado e diz que é visto como um político de expressão nacional. Não é preciso recorrer à comparação com o episódio envolvendo o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), que chegou a ser cotado para se candidatar governo paulista, possibilidade criticada pelos tucanos. O próprio Freire se encarrega de trazer o assunto à baila: “Governar o Estado é ter vivência completa em São Paulo. Agora ser parlamentar é representar um pensamento que São Paulo tem de uma esquerda democrática, mais do que qualquer outro Estado. O que tem de mais avançado vem daqui. Conservador é o voto lá dos grotões, da subordinação, do cabresto”.

No momento, o assunto que mexe com a cabeça de Freire é a tecnologia, ou melhor, as novas formas de organização social a ela aliadas: “No 10º congresso do PCB, em 1990, no Rio, já estávamos discutindo a revolução científico-tecnológica. A internet tem, em alguns momentos, uma representação mais importante do que os partidos. Hoje um menino pega esse negócio [aponta para um smartphone à mesa] e brinca com facilidade, meu neto de 11 anos faz isso. E eu não brinco. E não adianta pensar que vou brincar. Esse é o mundo dele, o meu já passou. Estou tentando me adaptar”. E está mesmo. Adepto da rede de microblogs twitter, responde em sua página toda e qualquer mensagem que cite o seu nome na rede, mesmo de usuários apenas preocupados em fazer alguma acusação ou xingá-lo: “As novas formas de representação política serão multifacetadas. Vão reunir pessoas em torno de questões, não de formação política ou ideológica”.

O candidato ainda se mostra disposto a um bom embate de ideias, mas há um assunto que o tira do sério: Freire foi acusado de receber jeton, no valor de R$ 12 mil mensais, da prefeitura de São Paulo pela participação em dois conselhos municipais, da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e da SP-Turismo. A política de contratação de conselheiros fora implantada em 2005, na gestão do José Serra: “Foram os mensaleiros quem inventaram isso. Fiz um trabalho digno, honrado, tive nas reuniões desses colegiados 100% de frequência”, afirma. Deixou o conselho em junho, para concorrer nas próximas eleições.

Apesar dos altos índices de aprovação de Lula – em Pernambuco, chega a 95% – Freire diz não ver o nome do conterrâneo gravado entre os grandes estadistas da história política brasileira: “Não acredito que alguém vá se lembrar de Lula como de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek, porque Bolsa Família não dá sustentação a ninguém. A única grande obra de engenharia do Brasil nos últimos anos foi o Rodoanel, em São Paulo”. E mesmo com todas as críticas à política econômica de FHC, não hesita em considerar seu governo melhor que o de Lula: “Fernando Henrique foi melhor, lógico. Você tem alguma dúvida?” 

Luis Nassif

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