O partidarismo dos movimentos docentes

Por Saulo B

Comentário do post “A radicalização da greve dos servidores das universidades

Governismo atávico prejudica análise. Assim como oposição atávica.

Infelizmente há quase tanto partidarismo dentro dos movimentos docentes quanto nos comentários deste blog. Então, vamos colocar um pouco de lucidez aqui. Ajuda aí.

Dentro de um quartel militar, quando um oficial superior fala em “endurecer” geralmente resulta em violência por parte da soldadesca. Em uma assembléia de militantes, quando alguém fala em “endurecer”, geralmente resulta em uma passeata atrapalhando o tráfego na Paulista. Não gostaria nem de saber o que acontecerá quando uma militante se torna presidente (chefe das forças armadas) e esta começar a falar em “endurecer”. Mesmo que seja sem perder a ternura, é capaz da soldadesca descer o pau nos militantes na esplanada dos ministérios…

Agora, falando sério….

Historicamente, um dos principais objetivos dos partidos de esquerda dentro das universidades foi e é usar o movimento sindical (professores e funcionários) e estudantil das universidades e do ensino médio como instrumento de luta para alcançar e manter o poder. Alguém acha que a UNE foi cooptada pelo atual governo? Leiam em …http://cacoffunesp.blogspot.com.br/2011/07/divergencia-entre-correntes-marca-o.html

Então por que não cooptaram o movimento docente e desfizeram esta possibilidade de greve? Segue aqui a história…

O PT (ou melhor, algumas facções dele) realizou este plano à perfeição durante o gobierno Figueiredo-Sarney-Collor-Itamar-FHC. O ponto em que se pode identificar claramente a anexação ideológica do movimento docente é a organização nacional do ANDES em 1989 e sua imediata filiação à CUT. Segundo o próprio ANDES… “…dela se desfiliou em 2005, por decisão congressual, por entender que se consolidara o processo em curso desde os anos 1990, de perda de autonomia da entidade em relação a partidos políticos”.

Ora… demoramos 16 anos para perceber que CUT e PT eram gêmeos siameses? (nota: uso a primeira pessoa do plural porque sou filiado a um sindicato de docentes e votei contra esta filiação lá em 1989. Em 2006, o ANDES filiou-se ao CONLUTAS. Agora esperamos, angelicalmente, que o CONLUTAS “seja autônomo em relação a partidos políticos”).

Segundo Márcio L. de Paula (Golpe CUTista caça o registro do ANDES-SN, em Novademocracia.com.br – um jornal blog que diz que não pertence a nenhum partido político … onde foi que eu já vi isto antes?) …. No dia 6 de setembro de 2008, em um auditório com menos de 100 lugares na sede da CUT em São Paulo, guardado por seguranças que impediam o acesso de trabalhadores e da imprensa, foi organizado um congresso-fantasma para a criação de um “novo” sindicato. Enquanto mais de 200 trabalhadores, representando 36 instituições de ensino, eram barrados na porta e os únicos sete que conseguiram se credenciar tiveram seus celulares e máquinas fotográficas apreendidos, em apenas 45 minutos foi criada a “nova” entidade sindical para representar os professores do Ensino Superior público federal.

Vem daí o nascimento do PROIFES (este que agora diz que “todas as reinvindicações foram atendidas”). Entenderam?

Uma consequência deste processo (vejam que lá se vão mais de 20 anos) é que quase não houve greve durante os 8 anos do governo Lula. Assim, a greve atual tem que ser lida dentro do contexto da disputa entre correntes político-sindicais e do acúmulo de insatisfações dentro da Universidade por anos de falta de expressão das instatisfações internas. Falta de expressão autoimposta pelo movimento docente, diga-se.

Para ser realista, contudo, há que se considerar que houve crescimento real da Universidade Federal,ou melhor, do ensino superior no governo Lula. Sem dúvida. Mas que havia descontentamentos, havia. Até a forma de crescimento gerou preocupações: cresceu-se sem olhar para as necessidades reais da sociedade.

Crescimento 1: o “Universidade para Todos” (bolsas para os alunos nas instituições privadas) foi uma solução interessante para os alunos e mais ainda para resolver a inadimplência nas privadas. O dinheiro que foi parar ali não melhorou a qualidade do ensino nas privadas. Mas aliviou a tensão com a base política (vejam quantos deputados da base são donos de faculdades particulares….).

Crescimento 2: o REUNI, que gerou centenas de novos cursos superiores. Muito dinheiro para obras nas universidades, muitas promessas de contratação de docentes. Mas haviam compromissos: 90% dos alunos que entrassem teriam que se formar, de qualquer jeito (o que se entende como “sabendo ou não sabendo o conteúdo necessário”); as turmas teriam que ter 40 alunos (em média); e por aí afora.

E vem daí grande parte das insatisfações citadas…

Ora, as contratações não aconteceram como prometido. O governo Dilma preferiu esperar que se alterassem as regras para aposentadoria (com a criação de Fundos de Aposentadoria dos Funcionários Públicos, um para executivo, outro para judiciário e outro para legislativo). E, ainda assim, a liberação só se deu depois que a greve atual estava em andamento, quando o Senado aprovou em 31 de maio o projeto de lei da Câmara (PLC 36/2012), que autorizava o Ministério da Educação (MEC) a criar mais de 77 mil cargos e funções. Antes disso, o que houve foi suspensão dos concursos e a criação de um banco de professores equivalentes.

http://www.jornalistha.com.br/index.php/politica/52-politica/245-dilma-decreta-suspensao-dos-concursos-publicos-e-contratacoes

http://blogdeconcursos.com.br/concurso/dilma-decreta-banco-com-108-574-professores-equivalentes/

Em resumo, apesar dos trancos e barrancos houve crescimento . Mas um corpo em expansão tem suas tensões (e insatisfações) internas….

Outra forma de reduzir a tensão que o governo Lula criou foi inventar uma nova classe de professores em 2003: os associados. Aqueles professores que estavam no topo da carreira (o nome era “adjunto IV”), sem aumentos há muitos anos, poderiam então progredir para “associado I, II, III e IV”. Isto dava uma perspectiva de um salto imediato e sucessivos pequenos aumentos salariais por 8 anos. E melhor ainda (para o governo): não se transmitia este aumento para aqueles aposentados como “adjunto IV”. Bom… os 8 anos se esgotaram em 2011, coincidentemente.

Objetivamente, porque a greve continua?

– porque os sindicatos perceberam que a sua representatividade estava prejudicada e agora precisavam se reaproximar das bases insatisfeitas. E o caminho para isto era gerar ganhos em salários e em carreira. Há sindicatos filiados ao PROIFES-cutista que estão em greve apesar de aconselhados em contrário pela direção do sindicato.

– porque o governo se recusa assumir um plano de carreira objetivo (por exemplo, dizer que o salário irá aumentar em x% a cada nível em que subir na carreira). Isto teria que ser feito via um projeto-de-lei ou algo parecido. É este compromisso que o governo não quer (porque dá chance de se abrirem outros ganhos na discussão do projeto, inclusive para os aposentados). E é isto que os sindicatos chamam de “desestruturação” da carreira.

– porque o governo propõe um aumento de 45% para o topo de uma OUTRA carreira de professores (os titulares), quase sempre acessível apenas através de um segundo concurso para menos de 10% dos docentes de cada unidade. E, com isto, mantem a grande massa abaixo do nível da reposição da inflação (25% em 5 anos). É uma guerrilha de informações.

Vou parar por aqui. Outra hora me alongo na recuperação desta história.

Um artigo que também aborda este histórico e ainda apresenta propostas corajosas (concordo com algumas e discordo de outras) está em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-raiz-do-enfrentamento/

O autor, Leonardo Avritzer, é professor da UFMG, um cientista político do qual desconheço inclinação partidária.

Saulo

Luis Nassif

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