“O petismo foi substituído pelo lulismo”

Por Jotavê

Comentário do post ‘O fim da geração das diretas

Com Dilma Rousseff, o PT firma-se como o principal partido de centro no Brasil. Cada vez mais desligado dos movimentos sociais e dos grupos de extrema-esquerda, o que acaba, na era Dilma, é a identidade partidária de seus militantes. Com Lula, tivemos o primeiro passo dessa dissolução de identidade. O petismo foi substituído, no imaginário do militante, pelo “lulismo” – a descrição de André Singer é impecável – e passou a estar fortemente vinculado à ascensão de milhões de pessoas às classes C e D que, nesse processo, passam a fornecer ao partido uma nova base, muito mais conservadora. As recentes greves do funcionalismo deixaram isso claro. Encontraram no Governo um opositor tão ou mais duro do que teriam sido os tucanos, caso estivessem no poder, e ficaram em vão aguardando o apoio da população, que os via com sentimentos que iam da desconfiança ao ódio declarado.

As políticas sociais são levadas adiante, mas devem ter uma importância cada vez menor na identidade do partido daqui para a frente. Muito mais urgente, hoje, é a questão do desenvolvimento – é isso que preocupa o Governo em primeiro lugar, e é isso que preocupará o eleitor assim que os efeitos de um crescimento insuficiente começarem a ser sentidos. Se continuarmos no ritmo em que estamos, isso não demorará muito para acontecer.

Há espaço, nesse novo quadro, para o crescimento de um partido de esquerda, desde que esse partido não sinalize nenhum tipo mais profundo de ruptura e resolva enfrentar com coragem determinadas questões que vão além da mera manutenção das políticas sociais. Eu citaria aqui três questões:

1. Segurança pública. É preciso vocalizar com coragem a bandeira da descriminalização ampla, geral e irrestrita das drogas. Ao invés de superlotar as cadeias de pequenos traficantes e criar (via proibição) um negócio ilegal e milionário em regiões miseráveis das grandes cidades, campanhas amplas de alerta na TV e distribuição das drogas mais pesadas pelo Governo. Na outra ponta, tratamento duro para viciados antissociais. Internação compulsória, e fim de papo.

2. Educação. Desviar o foco da educação superior para o ensino médio e fundamental. Simplificar o currículo, premiar o mérito, dar condições decentes de trabalho (regatar a disciplina em sala de aula e vinculação do professor a uma única escola, com dedicação exclusiva) e distinguir claramente escolas voltadas para o encaminhamento dos mais talentosos às universidades públicas de escolas técnicas voltadas para as vocações econômicas regionais.

3. Desburocratização e simplificação tributária radical, sem abrir mão de níveis altos de arrecadação. A aposta deve ser claramente no desempenho de um papel relevante do Estado na vida social e econômica do país, e não se faz isso sem dinheiro em caixa. Na ponta dos gastos correntes, reduzir a níveis próximos de zero a quantidade de cargos comissionados no segundo e terceiro escalão.

É possível (mas pouco provável) que o PT venha a abraçar essas bandeiras no futuro próximo. Fazer uma reforma tributária de grande alcance significaria comprar brigas inumeráveis com estados e municípios. Reduzir cargos em comissão significaria comprar briga com a base aliada. Na educação, a marca do PT é dada por suas políticas para o ensino superior, e nada indica que irá colocar suas fichas em outro lugar, centralizando as principais decisões e repassando aos estados e municípios apenas a responsabilidade (condicionada a repasses de verbas) de implementá-las. Na segurança pública, é diminuta a possibilidade de um partido no poder comprar briga com toda a sociedade em torno de um assunto tão delicado. Só uma oposição de esquerda seria capaz de fazer isso de modo decidido.

Alternativas de esquerda podem perfeitamente nascer de uma nova tendência dentro do próprio PT, em espaços distantes do poder central. Eleito para a prefeitura de São Paulo, Haddad teria caminho livre para lutar por esse lugar diferenciado dentro do partido, vocalizando uma alternativa própria. Fora do PT, figuras como Ciro Gomes não terão outra alternativa senão marcar diferenças com o governo centrista de Dilma Rousseff por meio de propostas de grande visibilidade. O espaço está dado. Falta apenas alguém se incumbir de ocupá-lo.

Luis Nassif

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