Preconceito intelectual contra as empreiteiras e o pacto social, por J. Carlos de Assis

O preconceito intelectual contra as empreiteiras e o pacto social, por J. Carlos de Assis

Numa recente reunião de intelectuais do PT a ideia de um pacto social entre trabalhadores e empresários para superar a crise foi rechaçada sob o argumento de que, com a internacionalização da economia, não temos mais burguesia nacional como interlocutora válida nas negociações. Esse tipo de argumento é recorrente no debate “teórico” brasileiro desde que nossa inteligenzia pouco inteligente não reconheceu nas nossas categorias sociais o figurino exato correspondente às formas marxistas clássicas.

Se a classe não faz o poder político, o poder político faz a classe. E existe, nesse poder político, elementos da realidade social que configuram interesses contraditórios que podem estabelecer alianças transversais com outras categorias e classes sociais, em tese antagônicas, em confronto com seus aliados naturais. Para descer para a realidade concreta, parte da burguesia industrial brasileira e o setor de construção pesada estão em direto conflito de interesses com os banqueiros tendo em vista a disfuncionalidade e o alto custo da intermediação financeira.

Para essa fração de burguesia nacional, é de alto interesse uma aliança com os trabalhadores para subordinar o sistema financeiro interno às necessidades do setor produtivo. Evidentemente, os empresários do setor produtivo são, em tese, aliados de classe do setor bancário, e o setor bancário, inteligentemente, reparte com eles, no over, os ganhos do giro da dívida pública. Mas se considerarmos que a origem do valor está na produção, há uma rivalidade intrínseca entre eles, que se torna aguda em momentos de crise como agora.

É fato que o preconceito contra o pacto social provém, além de tentativas históricas fracassadas ou oportunistas, do próprio comportamento do que resta da burguesia nacional. Tome-se o setor da construção pesada, inequivocamente o mais  importante deles. Enquanto os banqueiros agem como uma orquestra política afinada em torno da Febraban, os órgãos de classe dos construtores – Sinicon e ABDIB – atuam como meras plataformas sindicais, sem qualquer articulação política sistemática entre si.

Mesmo num momento, como agora, em que o setor de construção pesada está sob feroz ataque dos promotores e juiz da Lavajato, não há uma ação coordenada em sua defesa sequer para apresentá-lo ao país, em confronto com o preconceito generalizado, como uma das duas últimas fronteiras genuinamente nacionais da economia brasileira. A outra fronteira nacional é o agronegócio, mas esta sabe se defender muito bem, como lobby organizado, gozando de proteção do Governo e amplos subsídios oficiais.

Já os banqueiros – estes, sim, todos internacionalizados – gozam do privilégio  de dominar a própria governança do BC manipulando-a em favor de seus interesses. Não é nada de estranhar que um intelectual amigo meu, profundo conhecedor dos dois setores, veja no ataque às empreiteiras a influência direta do setor bancário, que tem nesse expediente uma forma de tirar de si mesmo os holofotes que de outra forma iluminariam o espetáculo de 29 trimestres seguidos de aumento de lucros, independentemente de flutuação da economia.

E por que o preconceito contra as empreiteiras? Em outro tempo se justificava, talvez pelo mau tratamento dos empregados de baixa qualificação. Pelo fato de terem altos lucros não se justifica, pois isso é o objetivo de toda empresa capitalista. É claro que sempre houve protesto de cidadãos honestos contra artifícios de aumento de lucro contra o setor público com os aditivos  contratuais e a desonestidade de medição, mas a culpa disso é de um setor público corrupto, que, sendo monopolista, poderia rejeitar esse tipo de demanda.

Em contrapartida, temos os ganhos sociais, tecnológicos e reais proporcionados pelas grandes empresas de construção ao longo de mais de 70 anos de atividade no Brasil. São heroínas. Quem visita Itaipu ou Tucuruí sai impressionado com o fato de que aquilo é resultado genuíno de tecnologia nacional. Quem construiu esses empreendimentos assumiu os maiores riscos que se podem correr numa atividade capitalista, a saber, risco de projeto, risco tecnológico, risco ambiental, risco social (greves), eventuais riscos com demandas de índios e quilombolas, riscos de interferência do Ministério Público e da Justiça em geral, paralisando as obras.

Claro, diante de tantos riscos, o empresário previdente vai propor na concorrência um preço que no mínimo os cubra e gera grandes lucros. É da natureza do empreendimento capitalista. Também é inevitável que as grandes distribuam entre si contratos que não estão ao alcance de pequenas e médias empresas.   Diante disso é que estou ansioso para ver as contas da Lavajato, quando se referem a superfaturamento. Afinal, superfaturamento em relação a quê? O mais importante, porém, voltando ao início, é ver nas grandes construtoras o braço efetivamente nacional do capitalismo brasileiro, gerador e acumulador de tecnologia, com o qual, a despeito dos intelectuais do PT, a classe trabalhadora só ganharia se fizesse um acordo para propor as bases de uma nova economia de crescimento sem a estupidez do ajuste fiscal sem destino.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O Amigo tem razão.

    O Amigo do J. Carlos Assis tem toda a razão. Mas, além da ocultar os sintomas de imunidade do setor rentista aos tropeços da crise fabricada pelo neo intervencionismo judicial, nadando em mar de copiosos lucros enquanto outros pilares da economia estremecem, há o objetivo principal consistente na eliminação de um fator de insegurança permanente no horizonte das atividades da agiotagem legal, presente num partido que faz concessões mas nunca se submeteu perfeitamente aos interesses do liberalismo econômico desenfreado. Uma vez destruído o inimigo o organizado e audacioso setor rentista já tem até uma alternativa para o país (terceira via???  muitos risos e lágrimas) fazendo política focada em dois eixos: “rede” e “sustentabilidade”, já exoerimentada uma vez por aquela tal de Neca.

    Esse mesmo sintoma revelador do poder do setor de agiotagem, dos donos do Brasil, na fritura dos seus clientes principais, verdadeiras ferramentas, esteiras rolantes condutoras do dinheiro público direto do erário para os cofres dos bancos, foi sinalizado por um notável eminente jurista argentino chamado Raul Zaffaroni em momento de feliz clarividência na nossa triste realidade. Diz ele:

     

    O Papel do direito penal é limitar o poder punitivo (do Estado)

    Sobre os Bancos:

    “O rico, às vezes, vai para a cadeia também. Isso acontece quando ele se confronta com outro rico, e perde a briga. Tiram a cobertura dele. É uma briga entre piratas. Nesse caso, o sistema usa o rico que perdeu.”

    Sobre o judiciário:

    O Papel do direito penal é limitar o poder punitivo (do Estado)”Na medida em que os juízes traem sua função, tornam-se menos juízes, levando a um  estado policial em que não há juízes, mas policiais fantasiados de juízes (Barbosa e Moro). Foi o que aconteceu na Alemanha nazista.” (Vale a pena ler essa aula!)Eugenio Raúl Zaffaronihttps://jornalggn.com.br/noticia/papel-do-direito-penal-e-limitar-o-poder-punitivo

     

  2. Outros tempos??? em que ‘tempo’ vive o autor?

    “E por que o preconceito contra empreiteras? Em outros tempos se justificava, talvez pelos maus tratamento dos empregados de baixa qualificação”

    Matérias recentes sobre o ‘tratamento’ que as empreiteras dão aos seus ‘empregados’: MPT descobre trabalho escravo em obra do governo federal e liberta 6 (matéria do UOL economia de 25/08/2015); Juiz condena Odebrecht por trabalho escravo e tráfico de pessoas em Angola (BBC Brasil, 01/09/2015); PAes pede punição a empresa que usou trabalho escravo na vila dos atletas (BBC Brasil, 17/08/2015); Minha casa minha vida: Obra mantinha trabalho escravo (O Tempo Brasil, 06/09/2015).

    Além disso hoje usa-se e abusa-se do termo preconceito. Preconceito se têm contra quem está em uma condição a qual não pode renunciar e não é fruto de sua escolha – condição étinica, de gênero, de sexualidade, idade, origem. As empreteiras podem muito bem escolher seguir a legislação e não cometer crimes. Nesse caso não há preconceitos, há simplesmente fatos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador