O que Marta Suplicy deve saber sobre “economia independente”, por J. Carlos de Assis

O que Marta Suplicy entende por “economia independente”? Por similaridade semântica, como no mundo real ou conceitual não existe algo como “economia independente”, podemos presumir que se trata de banco central independente. É que, dada a demonização desse último conceito no curso do processo eleitoral quando as correntes pró-Dilma e pró-Lula se insurgiram contra as propostas de banco central independente trazidas à baila por Marina Silva e Aécio Neves, “economia independente” passa a ser um substituto mascarado do mesmo conceito a fim de trazer de volta ao governo Henrique Meirelles, desta vez ao Ministério da Fazenda.

É uma dose forte demais. Especula-se que Lula está por trás do jogo que Marta Suplicy apenas vocalizou. Se é verdade, estamos diante de uma política de superfície que tenta reproduzir em 2015 os elementos básicos de 2012 no sentido de entregar Banco Central e Fazenda à direita a fim de abrir espaço para políticas sociais à esquerda. Esqueceram de avisar a Lula que, sem a força compradora crescente de commodities brasileiras pela China, e sem o espaço de valorização do real que a política final de FHC possibilitou, a fórmula tende a repetir-se como farsa, e a economia estrangulada vazará para o meio social.

Houve um tempo em que a questão da independência do banco central era um ponto de divergência teórica entre economistas. Agora não é mais. Só um idiota completo em economia pode ignorar o estrago que o Banco Central Europeu, de longe o mais independente do mundo, está provocando na eurozona, em especial nos países do sul da Europa. Qualquer um que tenha noções básicas de economia prática sabe que a únicas saída para Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha e mesmo a Itália é escapar do jugo do euro e do Banco Central Europeu que os mantém em permanente crise fiscal.

O caráter específico da independência do BCE nada tem a ver com mandato de seus diretores; é, sim, o seu total desligamento dos tesouros nacionais e sua subordinação incondicional ao “mercado”. Como isso funciona? A crise iniciada em 2008 deixou endividada a maioria dos países da eurozona em razão da febre especulativa privada gerada nos Estados Unidos e espalhada pelo resto do mundo, principalmente pela Europa. Essa dívida em relação ao PIB cresce com a queda do PIB e o aumento dos juros. Os países endividados – principalmente Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália – precisam refinanciar sua dívida a prazos curtos pois dispõem de pouco crédito de longo prazo.

É nesse ponto que um banco central independente se distingue de um banco central normal segundo padrões históricos seculares. O país que tem que tomar dinheiro emprestado para refinanciar sua dívida não pode recorrer diretamente ao BCE, pois isso está vedado em tratados. Terá de ir ao mercado. Se o “mercado” decide impor taxas de juros exorbitantes para comprar os papéis, o BCE simplesmente ignora a situação. O país terá de submeter-se ao juro de mercado ou quebrar. Eventualmente, recorrerá à troika – BCE, Comissão Europeia e FMI – que lhe imporá duras condicionalidades, geralmente inviabilizando a retomada de crescimento.

É esse processo infernal que levou alguns países europeus como Espanha, Portugal e Grécia a ter taxas de desemprego não vistas desde a Grande Depressão e estagnação ou decréscimo do PIB. E dado que os juros sobre a dívida pública são elevados mesmo dentro de acordos, e o PIB decresce, a relação dívida/PIB, medida usual da dívida pública, aumenta a despeito das políticas restritivas e de destruição do pacto social, ou a economia de bem-estar social, que nessa altura do jogo já se esfumou para alguns países europeus.

Como o mesmo processo ocorreria nos Estados Unidos, no Japão e na Inglaterra, com bancos centrais articulados ao Tesouro? Diante da necessidade de emissão de dívida pelos tesouros, os bancos centrais emitem moeda para regular a taxa de juros no nível desejado pelo governo de tal forma que os bancos absorvam a nova dívida a essa taxa. Em nenhuma hipótese o tesouro se verá encurralado pelo “mercado” e, na articulação com o banco central, conseguirá sempre uma taxa de juros que considera razoável, com isso rolando sua dívida pública.

Isso gera inflação? Certamente que não. Se gerasse o mundo estaria mergulhado numa hiperinflação catastrófica. No processo de dar espaço de queda de juros para o Tesouro, o FED, banco central norte-americano, injetou na economia nos últimos anos algo como 3,4 trilhões de dólares em doses mensais de 85 bilhões de dólares durante mais de três anos. E tanto o Banco da Inglaterra como o do Japão realizam a mesma política de “facilidades quantitativas” com o propósito de reanimar economias à beira da recessão ou já em recessão.

Finalmente, como esse processo ocorre no Brasil hoje? Simples, diante da necessidade de rolar a dívida, o Tesouro emite novos títulos e o Banco Central lhe garante liquidez, ou seja, os transforma em dinheiro caso o aplicador assim o queira. Assim, se for necessário para garantir essa liquidez, o Banco Central emite dinheiro, em coordenação com a emissão de dívida pelo Tesouro. Se não o fizesse, tal como um BC independente poderia não fazer, o Tesouro ficaria vendido no “mercado” que, diante da escassez de dinheiro, poderia exigir dele taxas extravagantes de juros. É nesse sentido que um banco central independente do Tesouro, ou do Estado, se torna virtualmente controlado e dependente do “mercado”.

Será que Marta Suplicy sabe disso?

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

Redação

11 Comentários

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  1. Não acho que seja BC independente

    O que ela quiz dizer, provavelmente, é uma equipe econômica que não apenas acate as decisões da Dilma, mas que debata, discorde e tenha poder de decisão. Me parece que a crítica foi ao Mantega só dizer “sim, senhora” para a Dilma e não agir como um ministro de decisão.

    1. Também acho, fora o fato que

      Marta Suplicy foi colocada no escanteio pelo Lula para abrir espaço para novas lideranças no PT de São Paulo (F. Haddad, etc…), e ela faz tudo para se vingar tal qual a Blablarina. Mas acho que é hoje uma “has been” política, tal qual o ex-marido.

  2. Português deficiente

    O ilustríssimo economista faria bem em frequentar cursos de interpretação de textos, para entender que “equipe econômica independente” não quer dizer “economia independente” nem nada que se lhe pareça.

    1. Tb achei isto. Viajou na

      Tb achei isto. Viajou na maionese na conexão que quis fazer com um assunto polêmico, obviamente para chamar a atenção ao texto. Tática comumente aplicada por colunistas da velha mídia… E ele não precisa disto.

      1. Apesar de mau intérprete, no fundo o J. Carlos Assis está certo

         

        Sergio SS (Quinta-feira, 13/11/2014 às 13:19),

        Você e o Tomás Rosa Bueno no comentário de quinta-feira, 13/11/2014 às 11:59, têm uma boa cota de razão. Agora eu entendo bem o J. Carlos de Assis por ter utilizado da carta de demissão da ex-ministra e senadora Marta Suplicy para elaborar um bom texto contra a idéia desarrazoada da independência do Banco Central.

        O que a ex-ministra e senadora Marta Suplicy disse na carta de demissão pode ser visto no post “Em carta de demissão, Marta pede a Dilma atenção com nova equipe econômica” de terça-feira, 11/11/2014 às 11:52, aqui no blog de Luis Nassif contendo referência do Jornal GGN a publicação pelo Estadão da carta de renúncia da Marta Suplicy e que se acha naquele post também transcrita. O endereço do post “Em carta de demissão, Marta pede a Dilma atenção com nova equipe econômica” é:

        https://jornalggn.com.br/noticia/em-carta-de-demissao-marta-pede-a-dilma-atencao-com-nova-equipe-economica

        E na parte que J. Carlos de Assis utilizou como mote para o artigo dele, a ex-ministra a senadora Marta Suplicy diz o seguinte:

        “Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isto é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera”.

        A questão é saber se este parágrafo um tanto perdido na carta de demissão deve passar sem ser questionado. De algum modo, a carta demissão da ex-ministra e senadora Marta Suplicy não prestou a esclarecimento. A começar que experiência e comprovação é algo que a menos que se chame um nome estrangeiro, o Gordon Brown, por exemplo, ou salvo Antonio Palocci e Guido Mantega, nenhum brasileiro tem a oferecer para um governo de esquerda.

        Os resgates da confiança e da credibilidade ao governo só fazem sentido para os que acham que o governo não gerou e não gera confiança e credibilidade. Para parcela grande da população o governo realmente não gerou esta confiança e a credibilidade que a ex-ministra e senadora Marta Suplicy quer que seja resgatada. Não penso, entretanto, que a presidenta Dilma Rousseff deva conduzir o governo guiado pelo desiderato dessa parcela.

        E o desiderato da ex-ministra e senadora Marta Suplicy de que a equipe econômica “esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país”, assemelha-se ao desiderato de Marina Silva de se governar com homens de bens. Como eu lembrava na época, mesmo o governo do Estado Islâmico é formado de homens de bem. Em relação ao desiderato da ex-ministra e senadora Marta Suplicy eu poderia perguntar que equipe econômica não está “comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país”?

        Enfim, a não ser que se tome como crítica ao futuro ex-ministro Guido Mantega, todo o arrazoado da ex-ministra e senadora Marta Suplicy neste trecho da carta de demissão em que ela se volta para a escolha do futuro ministro da Fazenda é inconsequente, pueril e desarrazoado.

        E é claro que a expressão “equipe econômica independente”, expressão que nunca foi utilizada para qualquer tipo de qualificação de equipe econômica de qualquer governo, não tem nenhum significado, não expressa o menor grau de coerência e não apresenta sequer uma réstia de lógica. Fez bem assim o J. Carlos de Assis em fazer a transposição e transformação da frase da ex-ministra e senadora Marta Suplicy para então no seu novo formato desqualificar a expressão de Marta Suplicy para aquele único caso em que o que ela disse pelo menos acompanharia o que para muitos economistas seria a grande conquista da economia brasileira, qual seja, a independência do Banco Central.

        E lembro aqui o comentário que eu enviei hoje, quinta-feira, 13/11/2014 às 14:21 para junto do comentário de André LB enviado quarta-feira, 12/11/2014 às 18:06, junto ao post “Dilma diz que já sabia da demissão de Marta, e defendeu crítica à economia” de quarta-feira, 12/11/2014 às 12:20, aqui no blog de Luis Nassif contendo a reação da presidenta Dilma Rousseff à notícia da carta de demissão da ex-ministra e senadora Marta Suplicy. O endereço do post “Dilma diz que já sabia da demissão de Marta, e defendeu crítica à economia” é:

        https://jornalggn.com.br/noticia/dilma-diz-que-ja-sabia-da-demissao-de-marta-e-defendeu-critica-a-economia

        Embora eu tenho escolhido o comentário de André LB por expressar opinião semelhante a minha, o que eu destaco no meu comentário foi o comentário de JC. Pompeu que ele enviou ontem, quarta-feira, 12/11/2014 às 17:23, em que ele inicia reproduzindo a notícia da reação da Dilma e lança uma frase auspiciosa. Diz ele lá, sendo que deixo o negrito, itálico e sublinhado como no original:

        – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –

        “”Dilma diz que já sabia da demissão de Marta, e defendeu crítica à economia”

        de hora em hora o lulopetismo melhora…

        quiçá, não seja aurora inaugural da tão esperada cantada em verso y prosa: a mudança federal!”

        – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –

        Embora fosse um pouco curto, é um comentário e tanto que bem merecia ser transformado em post.

        Clever Mendes de Oliveira

        BH, 13/11/2014

  3. “O caráter específico da

    “O caráter específico da independência do BCE nada tem a ver com mandato de seus diretores; é, sim, o seu total desligamento dos tesouros nacionais e sua subordinação incondicional ao “mercado”.”

    “Como o mesmo processo ocorreria nos Estados Unidos, no Japão e na Inglaterra, com bancos centrais articulados ao Tesouro? Diante da necessidade de emissão de dívida pelos tesouros, os bancos centrais emitem moeda para regular a taxa de juros no nível desejado pelo governo de tal forma que os bancos absorvam a nova dívida a essa taxa.”

    Temos ai as duas plantas que paralizam a nutrição do maldito mercado.

    A questão nem é mais a subordinação incondicional ao mercado, porque o mesmo processo dos juros para o nível de 0% – ou emitir dinheiro para substituir a divida anterior com juros de 0%  – está fazendo com que a política de alguns países tanto na UE como nos EUA desempenhe o papel verdadeiramente predominte do crescimento – exceto outros tantos como Portugal, Espanha e Grécia.

    A maioria dos economistas do Brasil são covardes e se vendem ao mercado para plantar a ideia de que o governo faz contabilidade criativa (porque paga juros de 11,25%), enquanto noutros governos substituem apenas a nutrição incessante e desastrosa dos juros altos. 

  4. HA ALMAS QUE NAO CONSEGUEM

    HA ALMAS QUE NAO CONSEGUEM VIVER FORA DA RIBALTA LONGE DO PROTAGONISMO O CASAL SUPLICY
    VAI FAZER COMPANHIA PARA MARINA CRISTOVAO BUARQUE  PEDRO SIMON e outros que so aceitam ser o centro das atençoes    ps a anos Eduardo Suplicy nao representava o PT no Senado  , so trabalham por si mesmos

  5. Marta está irritada porque

    Marta está irritada porque foi preteria à disputa para a prefeitura de São Paulo. Se sentiu desprestigiada, igual à Marina…

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