O udenismo de esquerda

A posição de superioridade moral jesuítica em que se colocam o Hélio Bicudo, o Plínio Sampaio, a Heloísa Helena e toda essa turma é exatamente o que levou o PT ao mensalão e outras estrepolias do gênero. Se os nossos fins representam um interesse superior – a emancipação do proletariado, o fim da corrupção, a supremacia da pátria, o triunfo da raça ariana – todos os meios são justificáveis. Quanto mais gerais, abstratos e indefiníveis forem os fins, mais os detalhes de cada meio particular serão irrelevantes, e mais qualquer meio será justificado para os alcançar.

No fundo, o que está por trás dessa crítica ao que o blogueiro gaúcho Cristóvão Feil batizou de “lulismo de resultados” é a crítica ao abandono das posições de princípio abstratas e a adoção de uma política pragmática de fins quantificáveis: a diminuição da miséria absoluta e a redução do desemprego , o crescimento do PIB pela via principal do aumento do mercado interno, a conquista de espaços nas instâncias decisórias internacionais e a diversificação dos laços comerciais, o apoio preferencial ao desenvolvimento das regiões mais atrasadas do país. Tudo isto, por ser mensurável e por ter efeitos imediatamente perceptíveis, é justamente o que prescinde da propaganda e da adesão ideológica a princípios supostamente “superiores” e, portanto, é justamente o que dispensa o controle totalitário da comunicação – afinal, não se trata, no Brasil, de fazer crer que o fim da organização sindical autônoma, o aumento da jornada de trabalho e o congelamento dos salários são a expressão mais pura da “revolução proletária”, nem que os Gulags e os hospitais psiquiátricos são a encarnação da “democracia popular”. E, por serem esses objetivos não só plenamente compatíveis com um desenvolvimento capitalista modernizante como também indispensáveis para esse desenvolvimento, a sua consecução depende dos meios mais eficazes de controle da sociedade de que o capitalismo mais moderno dispõe: a multiplicidade de opções, a “liberdade de escolha” (deixando de lado o fato óbvio de se tratar de uma “escolha” entre equivalentes que exclui a escolha de outra coisa), a democracia parlamentar plena e a liberdade irrestrita de imprensa.(*)

A crítica moralizante dos “principistas”, no fundo, não passa de uma projeção, no sentido freudiano da palavra: eles estão projetando no lulismo de resultados as suas próprias intenções, estão acusando o Lula e o seu governo de pretenderem fazer o que eles mesmos fariam se estivessem na mesma situação privilegiada de apoio popular. O que falha, na “análise” deles, é a percepção de que, para alcançar tais níveis de popularidade em condições tão adversas de oposição da totalidade da imprensa, a primeira coisa que precisa ser abandonada são justamente os “princípios” que eles apregoam. Os “principistas”, aqui como no Irã (**) , são a expressão dos setores mais atrasados da esquerda brasileira, e nisto se juntam, em espírito e quase na letra, ao que há de mais podremente atrasado na direita.

 

(*) Para alcançar este último objetivo falta ainda democratizar de fato a imprensa brasileira e romper o monopólio que a rege: “ley de medios” neles! Ou, pelo menos, que se aplique a lei que já existe.

(**) “Principistas” é como se chamam, no Irã, os que se opõem, em nome dos “princípios” islâmicos, às reformas modernizantes promovidas pelo Ahmadinejad.

Redação

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